sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Hibernação e a Necessidade

O período de 2 meses sem nenhum post neste blog foi proposital, necessário. Há um turbilhão de pensamentos deslizando pelos meus neurônios, outras mil necessidades advindo de mim para explodir em meus músculos para as ações, nem sempre eficazes. Dezenas de fotografias desajustadas necessitando de algum reparo, não do photoshop, mas da lembrança fulgaz, que seja esta então canonizada ao panteão mítico da lembrança eterna, pra se valer a pena de registrar pelo obturador, guardar-se dentro de mim.
Tão necessário quanto o ajuste é a percepção das mesmas necessidades, das novas, das antigas.
Hemisfério Sul, uma ducha gelada pra libertar os radicais ideais amortizados sob a cabeleira, deixar-se um pouco à vontade só para poder começar a entender um pouco do "inexorável" (palavra tão desnecessária e calculada) que nos rodeia.
No calor superficial, não há necessidade de hibernar, mas na frieza colateral das idéias e dos acontecimentos, necessitamos da reflexão, sem tempo definido.
A volta é o dia indefinido; a indefinição a necessidade da incoerência de se viver e de se manter justo.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Mulheres do Iêmen e Uma Dose Extra de Chantilly

"It rains like manchester", foi o que disse Liam Gallagher naquela noite de 20 de março de 2006, no show do Oasis aqui em São Paulo, quando eu, batizado pela chuva, já mal me movia com os meus jeans, calça e jaqueta, encharcados, pesavam quilos, e eu sentia bem o efeito do peso da água acumulada, curvava-me então capenga, pelo peso e pelo cansaço, do show e da água que ainda estava nas fibras do algodão da calça e da jaqueta. Era já início de dia e fim de noite quando terminou o show. Um aguaceiro só: exaustão inesquecível!
Hoje não foi muito diferente daquele 20 de março de 2006 (na verdade ontem, este texto começou a ser redigido às 0h06min de 25 de outubro de 2007, mas a referência é do 24). Mas, diferentemente daquele 20 de março, neste 24 de outubro eu não fui a show nenhum, mas o aguaceiro atravessou todo o dia e bem que poderia ter sido um belo e verdadeiro coadjuvante na atmosfera que se comprimia para o que se programava. Se os nossos prognósticos otimistas fossem ótimos a ponto de serem suficientes para que algo desse certo, hoje eu teria assistido a última sessão de Control, a cinebiografia de Ian Curtis, na Mostra de Cinema de SP, mas não deu. Chuva, distância, ingressos (em tese, a falta destes), foram determinantes para que não conseguisse ver a película sobre a "estória" de Ian, vocalista responsável pelo Joy Division, banda também de Manchester. O céu cinza, chuvoso, criava a atmosfera ideal para que se assistisse um filme desse personagem, dessa banda chuvosa, cinzenta, a definição poética para esta atmosfera seria "um dia desespero choroso de céu plumbeo".
18h45. O horário de desembarque do 11º ao térreo do Conjunto. Cavuquei então na bolsa-carteiro o guia da Mostra já judiadinho. Sessão: 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias - ESGOTADA. Pesquisar? É. Pesquisar! Sem me demorar, depois, fui lá, comprei ingresso para a sessão das 19h10: Programa Duplo 3, dos médias metragens: Cada Passo Que Você Dá, de Nino Leitner, e Amor e Letras, de Sylvie Ballyot.
*****
Dois documentários, o primeiro trata sobre a questão das CCTV (câmeras de circuito fechado), a proliferação destas nas esquinas da Grã-Bretanha, da bigbroderização do universo britânico, de todo o mundo que as utiliza justificando-se pela segurança que, em teoria, traz para as instituições, cidades, pessoas, empresas que lançam mão de seus serviços para tudo vigiar e tudo ver. Deu um pouco de sono, mas valeu. O diretor, Nino Leitner, inclusive, estava presente na sessão e foi brevemente apresentado no início da projeção e brevemente papeou também. O filme, nos primeiros 5 minutos travou, literalmente. Por três vezes os técnicos se dirigiram a cabininha mágica pra consertar o filme. Cabininha mágica que lança um raio na tela branca que vira imagem e som e faz muita gente rir ou chorar, faz gente ser feliz ou faz gente motivar-se um pouco para fazer alguma coisa ou qualquer coisa. Ofício de imaginação ou de se embarcar nela.

Emendada à projeção sobre as CCTV, veio o Amor e Letras, média metragem de Sylvie, como dito. Também documental, Sylvie foi ao Iêmen para filmar uma mulher, uma egípcia naturalizada francesa, a qual também serviu como intérprete da diretora naquele país. Mas, para quem não sabe, o Iêmen é um dos países islâmicos no qual as mulheres não podem mostrar o corpo e nem o rosto, devem conviver socialmente com uma vestimenta negra iemenita, de tradição shiita, com diferença à Burca afegã, já que deixa à mostra apenas os olhos.

As mulheres estrangeiras no Iêmen são consideradas pertencentes ao 3° sexo, ou seja, não são obrigadas a vestir tais vestimentas, mas, são indispensáveis um xale para cobrir o cabelo e, claro, vestes discretas (ou pensa que poderá andar pelas esquinas do Iêmen de shortinho, já que lá faz muito calor?).

Mas, Sylvie foi abordada por representantes islâmicos e do governo local, os quais a proibiam de prosseguir com tais gravações, já que a egípcia era islâmica. Todo o material filmado até então foi retido por estes indivíduos. Pertimitiram que as filmagens prosseguissem a partir de então, desde que não filmasse o rosto da mulher ou a filmasse de corpo inteiro. Ah, revoltada, a diretora passou a se filmar, estática, em meio a multidão, já que o objeto de filmagem era proibido e toda a sua construção criativa se via impedida pelos costumes ditatoriais locais. Em vários locais, Sylvie, tal como nas ruas e nos mercados públicos mostra-se estática em frente à câmera, deixando-se filmar, sem ação, apenas ali, parada.

A proximidade com a mulher, pela intérprete, o foco inicial de seu trabalho, com a amizade crescente, experiências pessoais trocadas, tudo isso transforma-se numa paixão incandescente entre as duas, e Sylvie passa a focaliza-lo nas filmagens. Essa paixão mútua, entre Sylvie e a mulher (o nome dela não é citado no filme) era um outro desafio na continuação das filmagens, já que num país onde uma mulher não pode mostrar o rosto, vá lá mulheres se relacionarem-se com mulheres. Seguem-se os relatos das noites de amor entre as duas e a paixão desenvolvida, por poesia, citações rasgadas.

A diretora intercala, então, entrevistas com jovens locais com as suas auto-filmagens nos lugares públicos, com as imagens púdicas da mulher por quem se apaixonou. Nas entrevistas, Sylvie questiona os jovens sobre casamento, amizade e, principalmente, homossexualidade.

Bom, a diretora resumiu a sua rotina, censurada em parte pela Charia (lei islâmica) que a impedia de veicular o retrato de seu amor. Era lugar proibido para sentimento proibido.
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Findada a sessão, percebi que a chuva rasgava com mais força o céu, que eu imaginara quando ouvira só o barulho dela. Saí do Conjunto Nacional e vi os pinguinhos de água excessivos e refrescantes para aquela noite, bem esperada por mim aquela chuva: dias quentes. Foi presença certa por dois dias, não começara ali, naquele momento, naquela noite.

Ainda procurava a possibilidade de uma nova sessão, mas já esgotadas mesmo nos cinemas ao redor. Ainda tomei da chuva pra ver mesmo se tinha como ter uma nova sessão interessante. Não. Resultou em lamento, pra combinar com a chuva que já esfriava bem. Já me encontrava subindo a rua Augusta, entrei na galeria, dei de cara com a Starbucks ali, porque não esquentar um pouco com um chocolate ou café, agora que não tinha cinema? Era a alternativa. Fui-me até o balcão, procurei no cardápio, do quadro de luz pregado à parede, as opções possíveis. Ah, por que então não misturar o útil café ao agradável chocolate, mas sem o melado costumeiro de um capuccino?

Solicitei um Cáfé Mocha (lê-se Móca) - um expresso com chocolate, leite vaporizado e Chantilly... e então? Sabe-se que, lá fora, essa rede de cafeterias tem por hábito personalizar o atendimento chamando o cliente pelo próprio nome, inclusive, dispensando uma atenção fora do comum aos seus clientes. Pois bem, já estava pago o café e então esperava pela bebida no balcãozinho ao lado do caixa, enquanto os baristas (certificados e treinados rigorosamente pela cafeteria) preparavam o meu Mocha. Pronto! Chega o Mocha na mãozinha da barista e eu já preparado para "tomá-lo" sou surpreendido pelo chamado da menina, "Henrique, o seu Café Mocha já está pronto". Fiquei quieto. Mas, oras, cadê o Henrique? A menina barista repetiu, "Henrique, pode vir retirar o seu Café Mocha, já está pronto". Continuei quieto. Enfim, no terceiro chamado, questionei a barista, muito atenciosa, "Bem, eu pedi um Mocha, eu acho que esse que este que está na sua mão é o meu, não?" A menina, "Qual é o seu nome?" Eu, "Marcelo", a barista, "Escreveram que este Mocha era do Henrique". Eu, "Sim, mas o Henrique era quem estava na minha frente, já retirou o pedido e saiu". A barista, "Oh, desculpe, Marcelo, pelo equívoco." Pelo engano cometido, você tem direito a uma dose extra de Chantilly, tudo bem? Eu, "...ah, sim, sim, tudo bem." Mas, a menina barista viu que o Mocha, neste interim, já não estava em sua temperatura dantes, então, disse, "Marcelo, vou preparar um novo Café Mocha para você, pois, pelos testes, este já não se encontra na temperatural ideal, e ainda adicionarei a ele a dose extra de Chantilly".

Peguei, enfim, o meu Mocha, e gozei com o calor e o sabor dele, na chuva, até que chegasse à Consolação, na caminhada. Mas a Consolação era, pelos filmes não assistidos, de fato, a dose extra de Chantilly.

Todos esses fatos, são mais uns desses que acontecem, bem ordinários, fatos que, num instante, num momento específico, a sós ou acompanhados, nos surpreendem e nos alimentam de energia; podem ser chuviscos dosados enfaiscantes, ou apocalipses encrispados de águas vindas do céu, como naquele março de 2006, pode ser num encontro inesperado, casual; ou um chocolate quente energizante que partilha o gosto do cacau com o do café, com o leite, esquentando da língua às nossas cavidades internas, e todos acompanhados de uma formosa, alva e fofa dose extra de Chantilly.
Assim, tudo será incomum, mesmo o ordinário dos ordinários, o comum dos comuns...

domingo, 21 de outubro de 2007

Livros novos nada novos - Lançamentos

Rápido. Novas publicações mas nada novas no mercado editorial nacional.




O Coração é um Caçador Solitário - Carson McCullers (Cia. das Letras)


detalhe da capa

Enfim, uma editora nacional tomou vergonha e vai republicar um romance da magnífica Carson McCullers. O Coração é um Caçador Solitário é o seu romance mais célebre, mas, McCullers é dona de uma bibliografia maravilhosa (vide texto publicado neste blog em agosto/07). Espero, sim, que seja o início para toda a releitura da obra desta escritora norte-americana aqui no Brasil.

O Coração, diríamos, é o romance, em sua natureza, de incomunicabilidade. Os protagonistas, Spiros Antonapoulos e John Singer são dois surdos-mudos inseparáveis. A introdução do livro, da qual me utilizo da edição portuguesa da Europa-América, dispensa mais comentários:
“Havia na cidade dois mudos que eram inseparáveis. Todas as manhãs, cedinho, saíam juntos de casa e desciam a rua de braço dado, a caminho do emprego. Eram muito diferentes um do outro, os dois amigos. Um deles, grego obeso e sonhador, era o guia do par." (...)

"Humedeceu o lenço na torneira e tamponou com ele o rosto tenso e estirado. Ocorreu-lhe que ainda não tinha enrolado o toldo. Encaminhou-se para a porta, e o seu andar ganhou firmeza. E quando, enfim, voltou para dentro, tinha recobrado toda a compostura e sobriedade, e esperou pelo romper do sol.”

Um detalhe bobinho, mas interessante: Para quem assisitiu o filme Uma Canção de Amor Para Bobby Long, uma explícita referência à literatura de McCullers, evidenciada pela inclassificável Scarlet Johannson (filme também estrelado por John Travolta), que a mostra lendo o livro na película.

Para deliciar-se.

Domingos de Sesmarias

björk
Com muito sol na cabeça hoje, 21/10, é o primeiro dos dois domingos que prometem ser de penitência, para alguém como eu que gosta de cinema e música. Estou já de saída para garimpar no circuito, horários e sessões possíveis da Mostra Internacional de Cinema de SP. As possibilidades são variadas, mas não me engano, pois sei que terei de penar em decidir entre as opções, os horários a fim de que coincidam com os filmes que quero ver, com os que desejo ver em seguida e depois e depois.

Perdido em Pequim (Ping Guo) - Foto Divulgação

Entre chineses, canadenses, americanos e franceses ainda estou confuso, mas vou à labuta, neste 1° domingo de penitência.

O próximo, 28/10, será o da música, é o dia do Tim Festival. Estarei lá para ver Björk. É, principalmente, para vê-la, embora as outras atrações sejam relevantes, mas o princípio fundamental de ir ao Anhembi, num dia que promete ser de muito abafo e sol, é vê-la. O show tem início previsto às 16h30 e vai varar a madrugada de segunda. Eu ainda não sei como vou trabalhar em 29/10, mas posso imaginar como será o dia antecessor, de abafo, de sol e de suor.
Vou ser gauche, nestes dois finais de semana. Ah, que venha a redenção...

video de earth intruders, do cd volta

domingo, 30 de setembro de 2007

As Coisas Maravilhosas de Sarah Blasko

Sarah Blasko é "menina linda", diria eu carinhosamente. Pouco conhecida por aqui (pra variar), mas ela chama minha atenção já há, pelo menos, 2 anos.

Sua voz é uma coisa maravilhosa, pra mim, desde que a ouvi cantando Flame Trees, regravação de seu conterrâneo australiano Cold Chiesel.

Outra coisa maravilhosa é este single de Sarah, do seu mais recente CD What The Sea Wants, The Sea Will Have.

Amazing Things, como tanto seremos...

Prosa, Tabaco e Amor


Prosa, Tabaco e Amor: esquisita tríade, mas bem sincera quando tratamos do escritor peruano, ainda pouco conhecido no Brasil, Julio Ramón Ribeyro.
Foi lançada há pouco, pela Cosac Naify, uma bela edição de seleção de contos do autor, entitulada Só Para Fumantes. Este lançamento faz parte da coleção Prosa do Observatório da Cosac Naify. Com esta coleção, a Cosac pretende reunir escritos de autores latino-americanos de todas as épocas, que abranjam também todos os segmentos das artes, tal empreitada carregada pelo crítico literário Davi Arrigucci Jr.
Acabei de ler o livro, que contém contos de um sabor parecido àquele biscoito molhado ao leite num dia qualquer onde as temperaturas mais baixas o impedem de fazer qualquer coisa fora dos domínios condomínicos de seu lar. Ah, é assim, sim. Eu mesmo não conhecia o autor até ler esta jóia lançada agora. Julio Ribeyro é de uma simplicidade que destrói a vontade de buscar aventuras magnânimas dentro da literatura, um texto que cheira chocolate ao leite, é básico, essencial e de gosto tão direto.
A seleta de contos feita pela tradutora Laura Janina Hosiasson inicia com o conto homônimo da obra, Só Para Fumantes, onde, de um viés bem autobiográfico, o autor repassa as saborias, gostos e prazeres, além das angústias, do vício do fumo, da indolor escravidão que tal vício provoca nele e a importância deste no delinear de toda a vida.
O segundo conto, Urubus Sem Penas, trata da vida de duas crianças, Efraim e Enrique, que vivem para fazer as coisas para o avô, seu Santos, este manco, praticamente escraviza os meninos para lhe servirem. O espaço é lúgubre e cruel, pois, os meninos têm que diariamente ir ao lixão para o avô, afim de fazerem buscas em meio aos entulhos e apodrecimentos, para a troca, venda e alimentação, além da engorda do porco Pascual, pelo qual seu Santos tem muita preocupação em inchar, para que possa depois vendê-lo por uma boa quantia.
Seu Santos às vezes mostra um lado monstruoso, em algumas situações nos causa pena, mas uma pena enraivecida, no sentido agudo da palavra, pois, para este não há estreitos e limites para que atinja o objetivo da engorda do porco. O relato segue, digno de uma fábula dos andes, é dolorido é belo, tratando de uma crueldade difusa no cotidiano aceita por todos nós, que fazemos vistas grossas. Situação muito particular a todos nós, vivamos dos lixões ou não.
Os dois primeiros contos já valeriam a leitura, mas os demais que se sucedem servirão para afirmar a fineza do autor peruano.
Surpresas e revelações nos surpreendem em todos os contos, e simplicidades arrebatadoras e momentos, com a prosa de Ribeyro não seria diferente. Agora quero relê-lo bem e sempre, como outros não lidos e esquecidos. Sem dúvida, está no patamar de Vargas Llosa e José Maria Árguedas, dois outros nomes maiúsculos da literatura peruana, mas Ribeyro ainda não é reconhecido ainda como tal, principalmente no Brasil, onde Só Para Fumantes é o primeiro livro do autor.
Viva as letras dos vinhos, dos tabacos! Com a de Ribeyro estamos, ainda que não estejamos envolvidos por nenhum narcótico, estamos então abençoados e entorpecidos com a felicidade poética da densidade tão simples da palavra sentida bem no fundo e extravazada, ainda mais assim, com amor em filtro, em copo...

Palhaços Vs. Homens

Eu ainda não aprendi a gostar do Arctic Monkeys, no dia 28 deste mês de outubro terei uma chance, no Tim Festival 2007, mas, independentemente de gostar deles, não consegui ser indiferente ao clipe da música Fluorescent Adolescent, novo single de trabalho da banda.

É travada uma batalha entre homens e palhaços. É isso, homens versus palhaços, como se estes fossem de uma outra espécie ou como se fossem seres de outra natureza; o clipe transmite justamente isso: palhaços revoltados, como se procurassem uma vingança, carregada de porradas nos homens "seres superiores" de verdade.

Muita sensibilidade e criatividade nesta produção, que, sem dúvida, é um dos mais originais dos últimos que vi por aí.

O olhar não ordinário poderá perceber que a transmissão da mensagem não é a apologia à violência para combater algo ou diferenças, sejam eles quais forem, mas, exibe uma certa mágoa dos palhaços, e não só raiva, dos homens, como se a condição de palhaço em determinado ponto já não fosse respeitada pelos homens. É estranho, é um pouco surreal, mas é uma linguagem figurativa para tratar sobre as diferenças ou sobre qualquer coisa que faça referência a estas.
Na minha opinião pessoal, os palhaços procuram, talvez, um pouco mais de respeito e vêem-se sem armas para brigar por este, a não ser a cara pintada, mas esta parece não ser levada em consideração já há muito tempo. Com certa sabedoria, das diferenças, entre homens e palhaços retiramos alguns ensinamentos da vida, enquanto os palhaços ousam nos arrancar sorrisos, como o que sempre fizeram comigo e contigo, desde pequenos, aos homens sobra arrogância, neste embate, como se os palhaços tivessem já cansados de verdade desta realidade.
Vê:


domingo, 23 de setembro de 2007

Rufus, The Gay Messiah

O mais recente álbum de Rufus Wainwright foi gravado na Alemanha, em Berlim, onde este blogueiro planeja aportar-se em breve... Bem, Rufus passou a temporada na Bundesrepublik gravando, produzindo (o primeiro que ele mesmo produziu, dos cinco álbuns lançados), visitando palácios barrocos, e palácio barroco é o que mais tem na Alemanha, o templo da música produzida nesta época, para citar os mais conhecidos, Schütz, Bach e Häendel eram de lá. Rufus, parece-me um pouco desolado, tal quase como Michael Stipe no Around the Sun, o último de estúdio do R.E.M.
Rufus continua com a sua veia operística afinadíssima. Ele consegue estabelecer entre a ópera e a música clássica e a música pop um diálogo produtivo e não só o faz, mas como o faz com qualidade. Citações de Bolero de Ravel e Fantasma da Ópera são evidenciadas em algumas das citações correntes. Belíssimas! (mania superlativa). Rufus cria, às vezes, um paralelo da música de cabaret do pórtico parisiense do início do século passado com aquela de saloon, dos perdidos e findos do Texas. E todas as composições são carregadas de um lirismo carregado, com melodias que chegam, às vezes, causar sede de tão doces. Rufus Wainwright sabe dosar muito bem isso, e no álbum Release the Stars, em canções como Going To A Town, aborda um certo ceticismo sobre a América, onde dá-lhe um leve contorno político.
Rufus vem de lá do norte, como muitos, é canadense de nascimento, mas foi criado pela mãe (a cantora folk/country Kate McGarrigle) na "América" de Going To A Town e, como o próprio título da canção diz, ele parece estar de malas prontas pra voltar pra casa, a América tornou-se uma grande desilusão. Cansou. A produção do álbum na Alemanha deve estar relacionado a este desgaste, além, é claro, do namorado dele, como Schütz, Bach e Häendel, também ser de lá.

Além de filho da cantora canadense Kate McGarrigle, Rufus é filho de Loudon Wainwright III, figura marcante na cena country canadense dos anos 70, além de ter a também cantora Martha Wainwright como irmã caçula. Esta é dona de um timbre de voz típico das entoadas dos ranchos do oeste americano, muito bom de se ouvir, de se ter.

Rufus tende a seguir um conceito de qualidade apregoado e produzido por poucos hoje no show bussiness, no mainstream ou na cena independente, tal como Morrissey, Radiohead e Björk, que, por mais estranho que possam ser os álbuns, por mais suspeitas que sejam as veredas que seguem ou mesmo a popularidade crescente que atingem com o tempo, a qualidade e a proposta artística deles não se alteram, arrebanhando, assim, ainda mais admiradores, incluindo muitos céticos de carteirinha.

À portuguesa, esperamos a oportunidade de vê-lo aportando por estes trópicos.
Só pra pincelar sobre o filho desta família que canta, aqui segue um pequeno video de Rufus cantando com a irmã Martha, a canção é April Fools (data equivalente ao Dia da Mentira no Brasil), uma bonita canção do primeiro disco homônimo de Rufus, que ficou ainda mais bela no encontro de vozes desta linhagem:





Contar os dias, as horas, o dinheiro...




...vale contar com a Leslie Feist.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Um lixo!

"Cadê o lixo da estação? Quarta-feira, 19 de setembro de 2007

"Mantenha tudo limpo, conservado; seja ecologicamente correto, jogue o lixo no lixo, faça a coleta seletiva, recicle, reutilize, reuse, redistribua. Utensílios que a princípio não serviriam pra nada podem ser de muita utilidade pra você ou pra outros; coloque a cachola pra funcionar e vai perceber que tudo pode ser renovado e útil de alguma maneira, ainda que não da mesma maneira da idéia original." É o discurso, hoje, muito utilizado por várias instituições e setores do poder público que parecem preocupados com o futuro do mundo tão cheio de lixo e poluição.

É tudo muito bonito, discursos até mais polidos que os carros das lojas da Cidade Jardim: reluzentes! Mas o método é totalmente falho, pois, se querem que coloquemos os lixos nos lixos, deem-nos lixos, porra!

Na quarta-feira, voltando da faculdade, por volta da meia-noite, estava ainda no centro de Sampa, mas não havia nada acontecendo no meu coração, apenas no meu estômago e me senti acoado pela vontade de comer um espécime qualquer de doce, especificamente doce de milho. Menos fome, mais desejo.

Não sou de comprar coisas de comer na rua, não mesmo. Porcarias já me bastam as minhas próprias, e ainda ter de comprá-las e colocar em risco minha saúde, é um alento a auto-destruição. Mas, dessa vez foi inevitável, o vapor de milho que embaçou o meu septo nasal tão logo desci do ônibus enquanto já me encaminhava à estação do metrô, bateu na região do córtex cerebral - região no cérebro responsável pelo reconhecimento e decodificação dos aromas - e a lucidez de quem planificava somente goles d'água quando chegasse em casa (o calor era enorme), desfez e estava então com uma vontade amarga (vontade contrária ao que se quer, mas, muitas vezes instintiva) e arredei à escada rolante que descia, dei ré e fui comprar o famigerado doce de milho.

Lá estava eu, com o cural embebido em leite condensado, como se fosse dono de uma preciosidade rara, mas era só a manifestação de um desejo bobo de gozar uma vontade e de vê-la tão nítida assim, provocando risinhos, que outros imaginariam ser de loucura (que não deixava de ser, de algum modo).

O pote morno com o doce parecia tão quente naquela já tão quente noite, batia 31° em algum dos relógios da Consolação... Tudo era um absurdo, o calor, a vontade, o doce, a hora, o local, mas de absurdo em absurdo que vamos enchendo nossas vidas tão normais com um pouco de graça e alguma magia. A minha magia era um prazer de comer ou só engolir aquele doce, que podia até mesmo ser / estar azedo, mas azedume nenhum superaria o condicionamento cerebral a que fui submetido logo que desci do ônibus e senti o bafo do milho, o cheiro de espiga que lembrou o quintal do meu avô, cheiozinho e repleto de pés de milho. Lembrei-me de como me escondia por aqueles pés e como me entertia entre aquelas espigas verdes tão apáticas, que ninguém dizia que depois poderiam ser desnudadas e amassadinhas e adocicadas para fazer doces tão gostosos como aquele com que me drogava no centro da cidade, naquele começo de madrugada.

Mas tudo tem um fim, até onde me ensinaram. O doce também tinha o seu. O pote do doce tinha fundo, facilmente visível, então, já sabia desde o começo que o prazer seria breve, o doce logo deixaria de ser doce de milho para virar então lembrança e, porque não, também doce?

O resultados de nossos prazeres hoje estão estritamente ligados a sobras e restos: desde a "doce" pizza de sábado, dela sobram as bordas, as azeitonas e a caixa; do chocolate, sobra o papel de estanho; das noites de amor, fica o látex; dos belos momentos da vida, as lembranças. Das lembranças damos um jeito e guardamos apertadas dentro da gente, mas de todos os outros precisamos nos desfazer de forma sustentável a não "machucar" o ecossistema. O pote e a colherinha de polietireno eram as sobras do sinóptico e tepe doce de milho, mas não havia onde depositá-los, quando enfim exterminei com o doce já na plataforma do metrô. Percorri toda a plataforma através de uma latinha ou um ensaio de uma. Cadê o lixo?

Dizem que precisa jogar o lixo no lixo mas não lhe dão lixo e então é luxo pedir felicidade pra depositar na vida? É extravagância pedir livros e escolas para as crianças, se não dão se quer um lixo pra depositar potes e colherinhas de doce de milho, no metrô? Logo o metrô, lugar público freqüentado por milhares de pessoas diariamente, numa de suas estações mais movimentadas, a Anhangabaú, não tinha umazinha lata de lixo lá? Pra mim, vão às favas os discursos ecológicos e hipócritas dos subsecretários das bundas escatológicas...

Muitas das pregações de diversos setores sociais não resultam no plano prático desses próprios setores. O poder público é um grande marqueteiro de movimento e causa sociais, mas é incapaz de desempenhar um política honesta de reciclagem e de orientação das toneladas de lixo que são produzidas nas megalópoles como São Paulo. Uma simples lata de lixo (na verdade, a ausência dela) mote do texto, onde doce de milho é o leitmotiv, já que sem o doce não haveria pote nem colherinha, não haveria sobra, assim, não recorreria ao lixo inexistente para me desfazer dele, não ficaria puto e não estava nem aí pra isso e não pararia por vinte minutos pra escrever isso aqui. Claro que eu não joguei o pote e a colherinha no chão, esperei até o desembarque e procurei a primeira lata de lixo para me desfazer do pote e da colherinha do doce de milho.

Doce de milho, motivo de divagação e teoria ética para a busca de um mundo mais equilibrado, não poderia nem supor, apenas um doce de milho...

*

No Brasil, conscientizações sociais e ecológicas são assuntos de alarde, pela falta de educação e da falta de qualidade da pouca que existe. Sem a instrução adequada, torna-se muito mais complicado as pessoas absorverem as necessidades para se estabelecer uma comunidade verdadeiramente sustentável, assim, quando tem lixo nas mãos e não encontram uma lata de lixo, o lixo acaba nas ruas, nas calçadas, ou mesmo, em casos como o meu, nas plataformas do metrô ou dentro dos vagões.

Muitas preocupações pra já, para a nossa e para as outras gerações, para as crianças que estão aí e para aquelas que virão das trocas de chocolates e papel de estanho na praça, das sessões de filmes, com as sobras da pizza; e dos látex que sobrarão nas estantes das farmácias...

domingo, 16 de setembro de 2007

"Goodbye, I’ll be coming when you open your eyes..."

A noite deste domingo está na minha escrivaninha: um alemão Günter Grass, uma gramática alemã, alguns esboços e estudos e sínteses da literatura desse moço aí... Novela alemã do pós-guerra são as atividades acadêmicas resistentes de domingo finito. Para suavizar, enquanto isso, ouço The Postmarks: relaxo e agradeço.
Poderia ser mais um desses grupos dos últimos anos de músicas alegrinhas, mas The Postmarks é e também é mais. A cantante Tim Yehezkely, segue a escola de Glasgow, de vocalistas de entoadas sessentistas e de vozes agridoces. Mas o pop do grupo é sofisticado, portanto, não cai no modernismo gratuito ou da onda hype de ser retrô e fazer releituras ou rememorar décadas passadas através da música só porque é moda e é "legal".
O primeiro verso do primeiro disco do grupo sinaliza: Goodbye, I’ll be coming when you open your eyes. Fecho os olhos como crença pia de que isso aconteceria de verdade. De verdade é a bela sensação provocada pela voz de Tim, compondo um noveau pop não trivial.

The Postmarks é um trio de Miami, e Tim confessa a sua predileção por compositores como Burt Bacharach e Brian Wilson e busca "acrescentá-los" na produção do trio.

Quando a música traz um toque de frescor sem ser enjoativa, dizem que é perfeita para domingos ensolarados, talvez, mas o efeito maior do The Postmarks é mesmo ajudar a delinear o pensamento sobre Grass, gramática e outras levadas da academia... e a minha noite de domingo, ou melhor, meu domingo enluarado.
Clip da canção Goodbye:


Re-visitando-me em películas (1): O Mágico de Oz

Parece ser uma citação mesmo óbvia, a de que O Mágico de Oz está entre os filmes que marcaram a minha vida singularmente. Não é possível sintetizar em poucos argumentos as imagens de Dortothy com o seu vestido frou-frou sendo "carregada" pelo redemoinho, ainda com aquela fotografia sépia. E quando "desembarca" da casa e se vê rodeada de um colorido cheio de energia emanado pela natureza da terra do Munchkins, e então das canções entoadas na Cidade da Esmeralda pelo caminho dos tijolos amarelos? Sessões da Tarde felizes e muito coloridas com as canções inesquecíveis na voz da ainda adolescente Judy Garland.
Adulto, revejo este filme talvez com uma empatia ainda maior do que quando criança, pois, sempre me achei um pouco reticente sobre determinadas fantasias e acabava ficando impaciente com a covardia do Leão ou com a fragilidade do Espantalho. Filme de cores extremamente vibrantes, mas, que já vem com um viés de lição de moral, no mais consagrado modo de La Fontaine. O Mágico de Oz é um típico filme daqueles que "não era pra ser", pois foi rodado na época em que os grandes estúdios conduziam à mão-de-ferro as suas produções e pouco restava ao "cinema autoral" dos diretores, tão reivindicado pelos diretores posteriores, como Orson Welles e os franceses dos anos 60. Não à toa, antes de estabilizar-se com Victor Fleming na direção, o filme já havia passado pela mão de outros três, que pareciam não atender a filosofia artística da MGM na ocasião. Mas, embora parecesse desorganização por parte da MGM, o trabalho final, observa-se que em nenhum momento o filme desnivela-se, sempre mantendo um alto padrão artístico e na linguagem bem elaborada para o cinema, com base no livro de Lyman Frank Baum. Talvez, o filme não seja tão inocente quanto se pensa, mas, não podemos ignorar o seu poder de persuasão e beleza, nos vindos fins dos anos 30 (precisamente 1939) quando a tecnologia Technicolor se aperfeiçoava, consagrada enfim a partir de O Mágico de Oz e o E o Vento Levou, da mesma época.
Somewhere over the rainbow, way up high
There's a land that I've heard of
once in a lullaby.
A saga de Toto e Dorothy é um claro exemplo de que filmes infantis não precisam ser imbecis para conquistarem crianças e se universalizarem, como enraigado na mente de muitos produtores e diretores de nossa época.

Ah, e mais óbvio e clichê só mesmo citando O Mágico de Oz e terminar pincelando com o verso tão já decorado e conhecido da canção Over The Rainbow... Mas minha vida é mesmo um clichê.

Música

É. Não citei a música. Mas cito agora. Música primeiro estímulo desde o ventre, então, compõe a sacra jornada, libério existencial da vida tão efêmera. Vinte e oito entre músicos, canções e álbuns que me compuseram até esse dia...

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Re-visitando-me




Esta história de revisita, de retorno, de repensar, de rememorar, de rever, de "re" alguma coisa é motivo para empreitadas várias: "ah, chegou a era de me rever e o momento de me reencontrar, por isso nessa viagem preciso me redescobrir" Ah... Exasperações, bufões à parte, bah! (imitando um Odin gaúcho dos comics) vamos ser enxutos, o eterno reencontro do momento agora com o momento passado é uma necessidade antiga e que nunca será extingüida. A nossa identidade reside naquilo que fomos, fizemos e representamos, ainda que físicos e filósofos teimem sobre a teoria do eterno presente. Do presente sem futuro, sem passado. Mas o presente só é o que é por que algo foi e por que será algo que ainda não é. Bom, deixa pra lá, assim, nossas divagações sobre essa nossa alimentação infinita de passado é fisiológico, ainda que não tenham dado nome a essa doença que todos nós possuímos, a de crer em passado, presente e futuro, a de crer no resultado e na interferência imediata de um em outro.

Passado ou futuro, não importa, nessa época de turbilhões de informações e mui representativa dos vinte e oito, como diz a premissa astrológica, parece estabelecer um marco decisivo na vida de quem chega nele. Pensei, em certo momento, como poderia fazer a tal revisita da vida, com uma viagem? indo à lugares da infância? Ir para um lugar distante e gastar as tardes a fazer meia, reservar um tempo para que se possa, enfim, "repensar" sobre os momentos diversos da vida que soam ainda como um zumbido no ouvido daquelas horas inesquecidas no barulho de todo o sempre. Estive pensando em "rever" de algum modo tudo isso por meio de coisas cotidianas, é. Afinal, desde que nascemos somos bombardeado por elas, e são essas que verdadeiramente preenchem a grande maioria das pessoas na vida.

Nos bombardeam com músicas, filmes, livros, passeios, pessoas, doces, pessoas, tristezas, alegrias, caminhos, sons, fotografias, olhares, imagens, carinhos, trejeitos, risos, decepções... É um universo paralelo este imaginado ao universo vivido, e neste universo, obviamente, só poderiam existir as coisas boas, mas, o vivido é muito mais sacana e imparcial. As sínteses de um universo sintético paralelo desenrola-se nos filmes que encenamos e registramos, nas histórias que inventamos e contamos... Então por que razão não (se) autobiografar por meio deles: filmes, livros cheios de sensações diversas colorizadas ou esbranquiçadas ou acinzentadas, de acordo com o volume de suspiros e da quantidade de sensação carregada neles, quantidade de motivos impregnados.


No decorrer da existência deste blog, o dono dele elaborará um remembramento de todas as coisas vividas por meio de lidos e assistidos, ou seja, através de livros e filmes, que serão apresentados e discorridos sem critério de ranqueamento ou de cronologia, mas sim serão citadas obras que tiveram importância e foram, em algum momento, um marco representativo na sua trajetória. Todos nós somos alfinetados por perfumes ou canções que marcam um momento "x" na vida e quando sentimos aquele cheiro ou ouvimos a canção, somos quase que remetidos instantaneamente ao "x" guardado na gaveta tempo passado.

Neste ímpeto de revisita, serão rememoriados 28 livros e 28 filmes que tiveram o seu momento de perfume e ficaram impregnados na memória do blogger aqui. Da moda mais clichê e blasé, serão revolvidos caracteres imaginísticos e sintáticos do metabolismo celular de 28 anos.

Não há um critério estabelecido, a não ser o da lembrança, assim, com já dito, não haverá ranqueamento de melhores, apenas a abordagem num clima nostálgico-crítico na busca de um tempo perdido, que bem guardado está no pensamento das coisas vividas.

Todos peças das coisas vividas e coisas pensadas no limite das coisas que são.

sábado, 8 de setembro de 2007

Nice Day For... There's Too Much Love

Retorno de Saturno. Fecha-se um ciclo, inicia-se outro. Saturno em trânsito ajusta-se à mesma posição do início. A noite assemelha-se com o céu que brilhou no tempo em que a possibilidade deixava de ser Marcelo e Marcelo passava a ser a possibilidade. O gerúndio da vida nascendo. Não mais uma discussão sobre a intervenção nos novos dias da Sra. Maria do Carmo e do Sr. Elson, da Carminha e do Dé: uma pessoa pequena de entrão na vida das vidas, num canto do mundo. A posição das estrelas mais ajustadas com a do primeiro engasgo, do primeiro choro e do primeiro desentendimento com o que era apresentado, em sentidos nada apurados, num absoluto desconhecido de som, imagem e cheiro. A reflexão da vida: nascia-se.

Neste sábado, observação do céu e pura medição, não como estudiosos o fariam ou o explicariam; mas num jeito de só observar a explosão nascente, a sensação descente de existência, estar de face com o momento de glória inicado há vinte e oito invernos, e com flores. Ver a desforra de alguns astros, a vésper vespertina e a desonra de outras, testemunhas da separação da alma matter, há quase mil e quinhentas semanas. Desfazia-se no plano físico a união perfeita dos nove meses que constitui-se em união de alma. Deixava-se a possibilidade somente à placenta. Era vida, então.

Fotograr a noite particular, ser câmera, ser pautas de caderno, ser memória embebida e tão suficiente para guardar o fluxo de imagens embaralhadas na retina, gravar o som... Só dizer. Mas, também, absorver o que só será uma noite pra muitos, uma outra de latrocínios, uma outra de suicídios, uma outra de teorizações ou outra mais amena de ventiladores de tetos, de espelhos, de beijos e de sacanagens. Uma de outras que virão a ser abençoadas neste ciclo que não cessa, uma outra vida mais realidade em tudo com todos. Uma noite nova para todos, novos símbolos, serão os mesmos de um passado não visto, mas sentido.

A contabilidade em vinte e oito; respirar, envolver, carinhar na matemática de um número perfeito, igual à soma de seus divisores próprios. 1 + 2 + 4 + 7 + 14 = 28. Dividir-se e recalcular-se na ordem dos números naturais de constituição, que são:

Ouvir Cemetery Gates, chorar e agradecer.

Pés All Star, caminhar e sorrir.

Jeans, estimular os músculos das pernas.

Ver Jules et Jim, apertar coração, rir.

Abraçar mãe, lembrar pai, receber amigo.

Beijar menina e devolver beijo e provocação.

Beber, Ser, Acalmar.

April Fools, Pale September, Frosti...

Livros em dúzia separados

Outros em centenas lidos.

Desenhos e fotografias do que se é.

28 voltas.

28 sensações.

28 revoluções.

Todos minutos contados sempre, vai lá...

Herói, filho, esperança e saudade.
A revisita começa e parece não ter momento definido para terminar.

O dia é de sol e a noite será como tem que ser. Como nosso pensamento teimar, talvez, mas como tem que ser.

Feliz pela nova revolução, pelo ciclo, pela renovação, por tudo. Pelos que agradecem, pelos que suplicam seu sorriso, pelos que te abraçam sem pedir abraço. Pelo telefone trim-trim, pela batedeira vrum-vrum, pelas panelas tam-tam, pelo relógio tic, pelo tempo tac, por você smack, por mim crack, por tudinho; e há um sensaboria nisto que não é conhecido mas é tão perfeitinho. O ciclo interminável, como a da crise de Saturno: tarefa solitária. Aos 7, primeira quadratura de Saturno natal com Saturno em trânsito; aos 14, primeira oposição de Saturno; aos 21, na segunda quadratura de Saturno; aos 28, o retorno.
O retorno das coisas, da vida em ponto culminante, para começar todas as outras coisas pensadas.
Nice day for a smile or nice day for a sulk... To Me.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Conservar

Querem a minha conserva. Minha conserva. Pra quê? Utilidades à parte, querem a minha conserva. Conservar o sorriso amarelo, a aparência, o jeito educado e a polidez. Conservar a distinção, a obrigação, a leviandade e retidão. Conservar o que for alcançável e possível, querem conservar. Querem, de algum modo, a conservação de um estado de coisas do espírito, do sexo, de mim. Querem conservar a aceitação aos conservadores, à afetação aos meus parecidos. Querem, mas por que querem a aparência bem conservada, fina. Conservar a conversa, o verso, a teimosia, o repente, a poesia, o estrado trincado, o dente trincado, o espelho trincado, o corpo trincado. Querem conservar a trinca desespero, dinheiro e amor. Conservam longe tudo que sonham, tudo que querem conservados bem distantes fora de alcance. Querem conservar o que não se pode conservar, querem conservar as nossas almas perecíveis guardadas ao gelo, como os sentimentos. Querem conservar a idade e a juventude e a beleza, querem conservar o infinitivo impessoal, mas assim as coisas estão tão pessoais que já não dá mais, tudo é só querer e conservar, que exterminam o que conservarem, o que conservarmos... O mundo pessoalizou e não vão fazer nada pra mudar, não vão fazer nada para conservar o mundo do jeito que conservamos.

Radio plays

The radio in the dining room was playing a mixture of many stations: a war voice crossed with the gabble of an advertiser, and underneath there was the sleazy music of a sweet band. 9h27 pm, just a sleazy music...

domingo, 2 de setembro de 2007

Cores


Setembro começou ontem - mês que mais gosto desde criança. Claro, fazer aniversário neste mês colaborou para isso, mas não só. Na 2ª série, a professora distribuiu uma folha mimeografada, com desenho de flores, que simbolizavam a chegada da primavera. Coloríamos as flores e reforçávamos os seus contornos originais de azul-céu-carbono com cores que não combinavam com cores de flores: verde com folhas azuis; eu era um destes meninos rebelados com as cores, com as cores de verdade do mundo de verdade da professora. Já via, desde então, sem nenhuma consciência disso, que os sulfites "alcoolizados" pelo mimeógrafo eram um meio de transgredir e de dissipar um pouco dessa energia de invenção que nos faz tão distintos. Inventa-se e vive-se um pouco mais.

Isso era importante pra mim, de algum modo, mas, muito compreensível, a professora não entendeu um menino de 8 anos subverter o referencial do mundo exterior para dar vida, em uma folha de sulfite, à criação do imaginário de um mundo que pudesse ter flores verdes e folhas azuis.

(Hoje, adulto, vejo que tragédias absurdas são possíveis e já fazem parte de nossa preparação diária enfrentá-las. Dissentimentos menores tornando-se razões suficientes para uma catarse para destruir as relações - e não pode-se alterar nada nem mesmo cores).

O cotidiano caos das metrópoles deve e precisa ser aceito com a normalidade inquestionável, de que todo o universo que a compõe que é explicável nas razões do mundo moderno, das ambições contemporâneas (e desde sempre) por tempo e por dinheiro. "Tudo por uma boa causa". A nossa auto-destruição deve ser suportada juntamente com as topadas nas calçadas das avenidas ,mas todas devem ser esquecidas com indiferença destra e instantânea.

E é tão difícil conceber adultos e crianças querendo fugir à regra para tornarem-se, ao menos por momentos muito restritos, alheios à inormalidade dessas coisas, quando tentam colorir os seus mundos com outras cores, com outros substratos que possam lhe conferir muito mais sentido de vida do que têm sido o mundo pintado fora das folhas de sulfites.

É por isso que eu gosto de setembro - há a lembrança de criança de que eu posso mudar tudo colorindo as flores do jeito que não devem ser coloridas, para colorir-se a idéia coletiva das flores e de toda idéia de beleza que elas carregam.

As cerejeiras deixam a minha calçada rosa.

sábado, 25 de agosto de 2007

Seriedade

As pessoas são muito sérias. São sérias. As situações mais bobas encaradas com uma retidão necessária. Pessoas pensam na seriedade como o caminho mais fácil para a felicidade. A felicidade deve ser assim - cultivada com um mau-humor, cara de vômito, já que quem se preza em nossa realidade não ri à toa. Ria no banheiro. Faz-se mais dinheiro com a cara fechada, cuspindo as palavras que podiam ser pronunciadas com entendimento. Lógico, os miocárdios ficam mais afetados, os espelhos trincados, mas danem-se os miocárdios, pois, os sérios não carecem de coração, carecem da plena seriedade, retidão, quitação de imposto, conserto do pneu, da porta do guarda-comida, dos faróis de milha do popular do ano.
Neste ano não houve um ímpeto de ao menos um riso de soslaio, de despretensão. Para quê? Por quê? Há que se cuidar do jardim, e flores não sorriem; guarda-se as mágoas sob o véu deste pecado do riso impróprio. Explodam-se os espelhos, nos debruçaremos ante às poças d’água para o acerto da gravata e da cara séria. O retoque no bigode e nos dentes postiços que exageram em seriedade, mas, no fim, seriedade em nenhum momento é exagero. Copula-se, especula-se, à revelia, sem prazer, pois, prazer também pode não ser sério, copula-se, fode-se pelo dever, com a seriedade do pinto riste a adentrar pela primeira racha que lhe acolher famintamente úmida pela sina da biologia feminina. Cuspa-se lá, o pinto com as gotas do prazer sob a seriedade mais bela já vivida e lubrificada ante o jogo pecaminoso do entretenimento.
Dizem que somos tudo que há de perfeito, à semelhança do Criador, não somos? Que sejamos sim, sérios, pois, o único meio de sermos perfeitos é sermos sérios. Ouvimos as músicas, já as decoramos em nossos corações, sejamos mais sérios, as anotemos em nossos cadernos, pois os felizes e sérios, anotam a verdade a sintonia, toda a melodia deveria ser anotada já que não é sério confiar na emoção e muito menos em nossa vã, frágil e terna memória. Esta sala é tão séria, esta escrita é tão séria, a nossa roupa é tão séria, achamos que achamos a felicidade. A seriedade é co-irmã deste bem que faz todos se sentirem bem. A nossa juventude deveria ser mais séria, aprenderia a como reter-se ante as desvirtues, teriam mais saúde.

*


No parque há dezenas de crianças, muitas organizadas num grupo, e num destes, diferente dos demais, as crianças quase não falavam entre si, pois, sentadas ao tapete verde do gramado bem aparado como se medido num sopro de anjo (com um olho fechado e outro no pasto pra ver cada mato de grama saliente para a devida poda), as crianças pareciam centradas num pensamento único, alinhado em cabecinhas diferentes; era então o momento do desato, da agonia do mundo sério. Rompeu-se o silêncio, quando a seriedade do mundo explodiu em coro e dividiu-se em vários pedacinhos, uma das crianças disse a outra ‘quer brincar?’, da outra nem uma palavrinha, só o balançar dos ombros com uma firmeza que nenhuma palavra verte a não ser quando acompanhada na explosão maior do sorriso. Sorriram. A verdade alinhada aos eixos testemunhou que na seriedade há fome e miséria, além da virtude e do riso infantil, a seriedade serena sempre foi caminho nobre da responsabilidade, mas nunca soube entender os desacordos. As crianças sorriram, vêem-se perninhas tinindo de medo e de vergonha, de gosto e de felicidade. Mais uma citação descabida, só com um desatino, pra tornar um mundo sério num mundo da criança desabitada que vê no refúgio da vida o sorrir como o melhor dos alimentos.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Flores na janela

Querem que eu, absolutamente, encontre as chaves de casa tão perdidas quanto eu mesmo, mas, jogadas num canto do banco daquele ônibus que dobrou a esquina. Ainda assim, desço do ônibus. Minha procura é outra, estou à busca desta minha relevância pela minha idéia de ser o menino da biblioteca, o menino que lustrou livros, o menino que vendia revistas para comer e dar-se o mínimo à subsistência contínua de estar no meio de todos os da cidade.
Desde que me peguei a essa situação, estou tão incompreendido por mim, e não julgo os meus que não mais me entendem, tendo a levá-los pela consideração merecidíssima, por sinal. Pelas tantas horas cansadas de questionar quem seria eu e não obter resposta. A resposta está aí, na certeza de não tê-la, de não advinhá-la, de não supô-la, de nada, de apenas estar certo de que nunca estarei certo e nisso já encerra em si o assunto que não seria abdicado, mesmo que não tivesse constância. Sou a própria substância que julga, setencia, culpa-se e cumpre a pena de ser o que já não se sabe. Sou essa idéia. Já é suficiente. Mas não sou suficiente. Tendo a querer no todo contrário, no todo obtuso, no todo inconseqüente, no todo de minha alma que despedaça-se, despetala-se ancorado e aportados sobre a janela, as flores que me cheiravam estão todas divididas em unidades, brancas, vermelhas, desespero? Não, sou as flores despedaçadas, sou esse interminável questionamento e o deplorável senteciamento de ser como flores na janela tiradas do jardim úmido.
O pé de feijão, os cabelos de Rapunzel, meu pé e minha mão, minhas sementes desta minha gloriosa ilusão, que devaneio, que alegria! É tão real que nem parece o mesmo dia, mas as horas não são tão formidáveis quanto o coração pensa, tudo é uma questão de suportar o intruso e entrever-se no rio caudoloso desta tortuosa história de nossa concepção. Chaves perdidas, pulo as janelas, danifico o jardim, desmorono a terra das flores da janela. Mas, já estou perdido: conto as moedas sobre a guia, tão estreita quanto os meus pensamentos, conto o dinheiro do futuro.

domingo, 12 de agosto de 2007

Camarada

"Você podia estar aqui..."
A vida não é assim, construída com "podia", "deveria", "queria". Os sonhos ainda são muito discutidos pelos filósofos, pelos poetas, pelos engenheiros, pelos arquitetos, pelos cozinheiros e pelas lavadeiras de todo o mundo, mas ainda não chegou-se a um consenso sobre a matéria das coisas sonhadas e das coisas materializadas, se estas eram mesmo sonho ou se eram feitas pelo propósito de existirem, que nossas mentes apenas anteveram.
As coisas estão ainda mais relativas se comparadas às dos meus 3 anos de idade. 1982, era esse o ano. O início da consciência de que se está num mundo, num negócio enorme, que nos olhos de uma criança, parece ser feito de pessoas iguais, as pessoas apenas diferem-se em seus tamanhos. Meus tios, irmãos de meu pai, eram mais baixos que os meus tios irmãos da minha mãe. Entre tios grandes e baixinhos, permanece mesmo o encanto único de ser o menino carregado ao colo por todos, todos fortes, pelas minhas tias, lindas, que já mostravam pra mim, desde então, que a vida podia bem ser um momento de cuidado eterno de todos conosco, onde sempre deveríamos ser protegidos e carregados ao colo. Não é, pai? A tua ausência física hoje não reflete-se simplesmente na falta daquele que mais me carregou ao colo, naquele que mais tinha força entre todos, ainda que fosse baixinho, com 16 eu já o ultrapassava e o zombava que não conseguia mais enxergá-lo, de tão alto que ia ficando, e olha que eu não sou alto, mas, na verdade, o senhor que era grande demais, e eu ainda tento alcançá-lo, como se ainda batesse as palminhas no teu peito, esticando minhas mãozinhas para te agarrar e me pendurar em teu pescoço, tranqüilo: estava contigo.
Hoje não é o seu dia. O seu dia é sempre que lembro de você - todos os dias. Na criança ou no jovem mais pessimista que poderia ser nos meus 17 anos, quando adoeceu, não seria imaginável os 10 anos desde que você virou estrela, ou um exercício de pensamento eterno dentro de todas as minhas possibilidades, que resumiam-se no Camões que fiz questão de escrever na pedra que te guardou:
Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.
Mas, todo o motivo de tentar ser o que desejo, ainda reside numa ternura que não verei mais em ninguém, uma força que não saberei mais espelhar, numa mão que não poderá mais me segurar, ainda que apenas para um afago na tristeza ou para um abraço de recompensa.
A vida pela busca de status, de diferenciais baseados, em boa parte pela recompensa material, cansa-nos, desgoverna nossos sentimentos mais nobres, que é o de simplesmente estabelecer-se e fincar a felicidade no território tão insólito que deixam hoje a todos, crianças, jovens, adultos, senhores. Estou entre eles, pai. Você está assistindo filmes muito coloridos ou, no mínimo deitado na tua rede que ficava estendida na área de casa, em todo caso, está descansando de todo o cansaço desse negócio enorme que é o mundo que me deu de presente, me presenteou com essa caminhada sem fita de chegada.
E ainda caminho, viu, pai? Sem você aqui pra ver, pra puxar a orelha, ou pra dizer se o caminho é certo. É certo que, por você, caminho...

sábado, 11 de agosto de 2007

My Heart Is a Lonely Hunter


Ouço um jazz latino, uma música de piano e ouço (ou imagino) uma espanholita a latrinar nos meus ouvidos. Um copo de Martini sobre a minha escrivaninha combinaria com a ocasião, se pelos menos fosse adepto ao ritual da regação do espírito, nestes momentos em que a solidão solitária desemboca sem hora pra dormir, nós conosco, às 5h08 da manhã. Tranqüilo, ninguém te espera esta manhã, ninguém vai perceber que não está lá. Sem ninguém para observar o nosso estado nesta manhã de ausência externa e de presença consigo mesmo, não há ninguém para medir o nosso absurdo, e não há ninguém para opinar, compartilhar, xingar, carregar-nos da mesa ou tirar-nos do chão. Ninguém pra socorro, ninguém pra esporro.
Deixa pra lá, isso parece parêntese de literatura gótica, ou de poesia de T.S. Elliot, mas não é. Está mais pra Poe, uma poética de devaneio ou Carson McCullers, que aparece-me, na minha imaginação, como uma ninfeta desenhada por uma magnitude obscura e serena. Como essa ninfeta me deu e ainda dá prazer, e compartilho com ela um êxtase literário que resvala na sensibilidade sexual.
A primeira vez que li algo sobre ela, McCullers, se não estiver enganado, foi numa crítica ou ensaio do escritor americano Graham Greene, onde ele a citava e a comparava com outros grandes da literatura americana, como Faulkner e D.H. Lawrence... Aí, você já sabe, né? Se já leu alguma coisa desses dois aí, ou do próprio Greene, então, a curiosidade naturalmente aperta. Eu, comigo mesmo, dizia, "caramba, tenho que ler para ver como é que é, deve ser bacana."
A identificação e atração pela prosa sulista de McCullers foi instantânea. O primeiro livro que li dela foi o A Balada do Café Triste, em português (edição de Portugal), e hoje tenho quase todos os livros dela, em sua lingua original, o inglês. No Brasil ela é ainda pouco conhecida, infelizmente, pois, até onde sei, nas duas últimas décadas (meu raio temporal de atuação de pesquisa e memória) houve apenas duas traduções de obras dela no Brasil, edições que, inclusive, já estão esgotadas há muito, os livros são A Sócia do Casamento (The Member of the Wedding) pela Nobel e o próprio A Balada do Café Triste (The Ballad of Sad Cafe) pela Globo.
Há traduções de praticamente todas as obras dela em português de Portugal (lê-se importadas deste país), mas estas já são mais difíceis de se conseguir nas livrarias brasileiras, mas, para quem lê inglês, mesmo que razoavelmente, esta é uma ótima oportunidade de praticar essa língua e desenvolver o hábito e prazer de ler obras no original, pois, a prosa de McCullers é saborosíssima, requintada e, ao mesmo tempo que rica, acessível, mas, é preciso fazer ressalvas, pois, uma leitura deste tipo pode ser um tiro pela culatra. Mas, todo o risco é válido para conhecer e provar deste "êxtase".
Suas novelas, contos e romances já se tornaram peças de teatro e roteiro de filmes, o destaque dentre estes é o filme Pecado de Todos Nós (The Reflections In a Golden Eye - 1967), de John Huston, com Marlon Brando e Elizabeth Taylor, o elenco em si já dispensaria minha sugestão, sem contar com as presenças de Brian Keith e Julian Harris, vale a pena assisti-lo, pois o roteiro é baseado no livro homônimo de McCullers. Bom, o filme é de John Huston, então...
O livro The Reflections In a Golden Eye (1941) foi lançado logo depois da sensação The Heart Is a Lonely Hunter (1940), quando McCullers, só com 23 anos, destronou o coração de muita gente para torná-lo então num solitário caçador.
Carson McCullers retoma, de alguma forma, o inebriante universo de Dostoyevsky, quando alude a tragédia em cada suspiro de seus personagens. Miss Amélia, Spiros Antonapoulos & John Singer (dois surdos-mudos) e Franky são as sínteses da fábula de McCullers. Funcionam como válvula de escape de uma vida conturbada e difícil da prodigiosa Carson.
McCullers estudou nas escolas de escritores nas universidades de Columbia e Nova York, em 1937 casou-se com Reeves McCullers, de quem herdou o sobrenome. Três anos depois, quando o casal já residia na Carolina do Norte, separam-se. Nesta época, menos reclusa, aproximou-se de intelectuais e constituiu com estes boas amizades, tal como a com o dramaturgo e escritor Tennessee Williams. Bissexual, não teve felicidade nos relacionamentos com as mulheres até conhecer a escritora suíça Annemarie Clarac-Schwarzenbach (um "anjo devastado", diria Thomas Mann) - que já havia encantado certa vez Anaïs Nin. McCullers dedicou Reflections... à Annemarie, de uma vida também trágica, que morreu jovem, aos 34, depois de uma queda de bicicleta que lhe causou um traumatismo e uma hemorragia.
Aos 50, em 1967, Carson McCullers repousou para esta vida quando já havia sido eternizada como uma das maiores da literatura do século XX. A tragédia maior da vida desta escritora foi, como a de muitos, garimpar felicidade e paz em terrenos não muito propícios , rodeada de pessoas não preparadas para saciar suas necessidades.
Espero, sinceramente, que McCullers seja ainda muito revista, pois, a sua prosa carrega uma bipolaridade extenuante, e de um desequilíbrio final que extravaza nas paisagens e nos personagens que criou. Ler e descobrir os meandros de suas histórias é jogar malabares e tentar segurá-los a cada fim de página, com a sensação de que este é o príncipio de se ler Carson McCullers, comprometer-se com o equilíbrio à leitura de histórias tão duais, tão deformadas.
Ela, hoje, reside comigo num lugar especial na minha estantezinha...

domingo, 22 de julho de 2007

Oh, My Darling


Estou com minhas costas doendo, doendo muito, talvez pela péssima postura nesta cadeira de plástico. E plástico é uma das matérias que simbolizam muito bem nossas ações e partidos neste início de século: seres constituídos de plástico. Mas há ainda quem seja feito de um material diferente, primitivo, pessoas de um jeito diferente que fazem um som não diferente, mas lúcido, e lucidez em meio a esta vã embriaguez de fumaça é tudo de que precisamos. Há pessoas que parecem manipular instrumentos já tão conhecidos de um jeito particular, e vozes conhecidas afinadas com nossos ouvidos e que reverberam por essa caixa de ressonância que têm sido nossos pensamentos, belos ou malditos. Basia Bulat não é diferente, mas não é igual, é Basia Bulat com sua voz de eterna súplica, de degeneração da música que ela mesmo fabrica. Até tentei achar algum paralelo, mas é difícil, ela não é somente linda e forte, mas sua voz é de um ritmo despreocupante que nos traz à atmosferas brancas e serenas, sua voz parece evocar chuva naquela tardezinha de sábado onde o sol já escaldante não faz muito sentido a não ser pelo próprio desgaste que a perda de água e a cabeça quente nos proporciona; com a chuva e a voz de Basia somos regenerados.
Basia Bulat é mais uma dessas lindas vozes vindas do Canadá, com seu folk levado ao sentido primeiro dessa palavra, é folclórico pela simplicidade conectada ao som rico em instrumentos e despretensão, o que a faz ainda mais bonita do que é, com seu enviesado olhar de anjo. Oh, My Darling é o seu primeiro e já viciante trabalho, e é ainda mais quando espera-se pela chuva de sábado à tarde ouvindo The Pilgriming Vine e Snakes and Ladders. Com um cheiro de chuva passando pela minha janela e a voz de Basia passando pelos meus ouvidos nesta tarde, minhas costas dóem menos.

domingo, 10 de junho de 2007

Sebo, Pizza & Cola - II

O tédio pode ser amigo ou inimigo, como já disse, dependendo da forma com que o encara e contorna as situações por este determinadas... Nestes dias, após às seis, fim de expediente, saio e vejo o clarão alaranjado emanado dos postes que já contornam a Paulista e como esta luz laranja desenha uma sinuosa e delicada curva da avenida quando vista dali, da altura da Haddock. A partir dali, me proponho a um cardápio de opções de desvulgarização do meu ócio, onde incluo três destinos: música, cinema e boteco, e congêneres para apreciação vespertina.
Mas, de fato, não buscava nenhum destes; no cinema já cheguei a uma razoável média de cinco sessões semanais em período de inexistência de aulas. Estava mesmo pouco a fim de acrescentar às estatísticas ou engordar tais números; coisa mais sem graça engordar números, talvez queira engordar a mim mesmo, é mais conveniente e saboroso. Talvez eu seja o único a encontrar conveniência na alta e demasiada ingestão de alimentos para tornar-se obeso, tal como uma pata. É sabido que admiro patas obesas. Bem, cogitei então a música, lembrei de de um show que começaria em poucas horas na Vila Mariana, daqueles de banquinho e violão, e o meu cérebro não denotou qualquer esforço para locomoção até o Sesc Vila Mariana e assistir a apresentação de um sueco-portenho que por lá estava com o seu violão e banquinho. Sobrou o boteco, mas o boteco, ao menos para mim, é algo bacaníssimo quando acompanhado por botequeiros autênticos, profissionais. Imaginou um não-botequeiro ou botequeiro amador dirigindo-se sozinho sem a companhia de alguém experiente para o orientá-lo sobre as maneiras de comportamento e, principalmente, sobre os assuntos e debates que devem ou não serem desfiados neste ambiente. Sozinho seria impossível desenvolver assunto ou conversa lá; se eu incluísse a possibilidade de um monólogo em voz alta logo ali, sim, com a razão de não ter razão e ser reconhecido como um sem-razão, assim, criando uma má impressão nos originais botequeiros residentes no recinto. O boteco é um espaço propício para muitas coisas, das triviais às mais originais, seria um lugar interessante, mas a verdade é que eu não sou botequeiro; a bebida mais perigosa de meu sucinto cardápio líquido é o café, já me alertaram das conseqüências da ingestão demasiada de cafeína, mas até mesmo o café não costumo tomá-lo puro: mistura-se a este um leitinho e quando um creminho, então é feita uma pessoa feliz.
Na noite anterior já desfilei os meus olhos por prateleiras de livros lidos, numa procura não tão feliz de um estoque de palavras; de que adianta encontrar um destes se não se pode levá-lo? Mas, passadas já algumas horas, isso já não era distúrbio. Já não pensava na minha guarnição de russos, já lembrava de que sentia a necessidade de saciar-me de outra coisa, ainda não muito bem-definida. Agora cogitei usar-me da tradicional erva portenha, o mate, e misturá-lo a alguma fruta tropical, amazônica, de preferência, e fazê-lo de algo que tem me feito até mais feliz do que a cafeína misturada a lactose com uma dose de creminho. Acontece que tenho bebido muito mate ultimamente, sabe... Nas suas mais variadas misturas que vai do leite e limão às frutas vermelhas mergulhadas em leite condensado. Enjooooa.
Sobrava-me muito pouco ou pouco de muito, conforme criatividade e imaginação, estava eu encurralado por este tédio que deixava-me assim, então relapso quanto a resolução ou estabelecer uma forma de entretenimento simples ali, numa noite que prometia e não cumpria? Peguei o meu Saramago da bolsa, passei a lê-lo, deixaria a leitura para uma outra hora, outro dia, outro lugar, mas as possibilidades de desventuras de minha pessoa a algo que representasse uma forma sincera de fazer as horas passarem e chegarem ao destino inevitável que é o passar do tempo e das horas que são inevitáveis, findavam em pedacinhos. Encostei na muretinha em frente à galeria dois mil, ao lado do Conjunto Nacional. Estou numa muretinha à cinqüenta metros do edifício onde trabalho, pensei, passaram-se horas e o resultado destes pensamentos não me locomoveram se quer cem metros do ponto de partida que parecia ser mesmo o ponto de chegada, ou seja, nada.
Os meus olhos já estavam distraídos sobre a página cento e doze do Saramago amigo que carregava em minha bolsa há uns dias, quando necessidades fisiológicas tal como a necessidade de alimentar-me, já não de prazeres, mas de comida mesmo, começaram a incomodar, o que antes era apenas uma possibilidade apenas, fazer levar o tempo, agora era necessidade. Devia largar a muretinha e me afundar num mate quente? Afinal, estava frio pacas, e não tinha muita imaginação nem mesmo para saber o que poderia preencher o meu estômago, o mate não fosse talvez uma boa opção, ou uma opção dentre outras inexistentes. Logo, veio à mente a imagem do líquido preto, criminoso e que me causava um dos maiores prazeres, sentí-lo distribuir todo o seu gás por goela abaixo e dar-me aquele prazer particular, como relacionado à masturbar-se: uma busca de um prazer, ainda que solitário e egoísta, frenético, compulsivo.
No caminho pós-mureta, decidi parar de pensar sobre qualquer coisa, e passar a agir com menos razão, mais por instintos e necessidades; claro, arroladas estas questões de razão ou da falta dela, nós, seres humanos, cogitamos sexo em qualquer possibilidade e localidade; Mas é bem certo que a minha desracionabilidade é mais aparente do qualquer coisa, portanto não correria como um avirginado pela Augusta com o intuito de saciar minha outra necessidade fisiológica bem sabida, bem desenvolvida, mas bem contida. Na Paulista mesmo, encontrei-me com a bestial bebida fulgurante de gás e cola acompanhada de massa acobertada de queijo, orégano, tomate, ah, que prazer destoador e tão simples e corriqueiro desta metrópole. Nada tão bestial que gozar a fome e vontades com pizza e coca-cola, para uma noite que prometia um passeio pelos lagos e jardins do Taj Mahal, descansar-se sob as abóbodas desenhadas por um Miguel Ângelo, pelas alegrias de peregrinar pelos campos celtas da Irlanda, pelos empreendimentos iluminadores de uma Broadway ou de soltar um grito na London Eye, perceber que todo ele ressoou pelo Tâmisa, noite que prometia aventura sob as selvas e matas deste meu país desconhecido, teu verde, teu jeito, teu ar, teu tudo que alimenta a mim e todos os brasileirinhos que dormem, perdem e vencem sobre o teu solo. A noite prometia tudo, mas por uma infelicidade ou falta de sorte ou imaginação, acabou-se com pizza e coca-cola. Sem filme, sem música, sem boteco, sem aventuras, apenas pizza e coca-cola. Fome e sede saciados, vejo que faço parte do time dos que deixam tudo acabar em pizza, alimento a mim e um ditado popular, encho-me de coca-cola, de gás, de trivialidade e de esperança...
Fico feliz, caminho até as galerias do metrô e desço.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Sebo, Pizza & Cola

Um tédio indesejável e adorável tem me apresentado todas as noites pontualmente às dezoito horas. Sempre vem à minha cabeça, O que fazer? Caminhar? Primeiramente, para a caminhada é preciso um caminho - não tenho caminhos - escolho a pesquisa de outras possibilidades mais gratas, menos árduas do que a busca de caminho que possibilite uma caminhada para espantar um tédio que se apresenta invariavelmente às seis da tarde; coincidência inevitável ou não com o horário do fim do expediente?
As aulas na faculdade não têm existido há muito, este tipo de inexistência resulta em noites vagas. Extinção de aulas fomenta magníficos e assassinos na busca de um ofício e de uma serventia. Vago por aí. O tédio é indesejável à medida do tamanho em que se vê encurralado por ele e deixa-o dominá-lo; adorável na mesma proporção em que o teu singelo espírito desencanta e descobre a estradinha de ladrilhos amarelos para dissipar todo o seu ócio e a força vital que te sujeita aos prazeres, dos mais banais aos sofisticados que sua cabecinha e seu corpozinho necessitam que sejam devidamente saciados.
Terça-feira, cinco de junho de dois mil e sete - um dia de iluminações; melhor, uma noite de iluminações, onde procurava por uma iluminação que preenchesse a minha estante de Leste Europeu, a minha guarnição de escritores russos, o meu estoque de sentenças Dostoyevsky. Situação não árdua, até simples, mas que levei horas perdido entertido num sebo da Consolação, consolando-me do que havia de bonito ali que ainda não tinha em minha estante. Consolando-me que ainda os teria. Ah, meu estoque de sentenças Dostoyevsky desfalcado... Falta-me os Irmãos Karamazov, pensei, aqui deve ter e posso sair e já fazer valer de alguma forma esta noite bonita, sim, e preenchida de um frio irresistível que deixavam pessoas mais irresistíveis - parcas, botas, suéteres, colã. Dizem que no inverno as pessoas ficam mais elegantes. Há uma certa verdade, mas no inverno é onde as pessoas melhor se fantasiam também para protegerem-se do frio. Oras, não vá me dizer que debaixo daquele blusinha da nova estação comprada na última semana inspirada na última semana de Milão não é preenchida muitas vezes por uma camiseta desbotada, amassada ou mesmo rasgada; bem, surge aqui, no inverno, a arte de transmutar-se, deixar o que jamais deve ser mostrado bem às escondidas e mostrar-se, como máscara, ou uma casca de ovo que reveste um conteúdo desintegrado - é uma época de fato belíssima e de muitas aparências, de mentirinhas ordinárias das quais todos nós gostamos, por certo.
A aventura pelo Dostoyevsky não terminou, voltemos a ela. Eu queria os Karamazov, os teria o homenzinho de barba branca que me atendeu? Pois não, jovem?, Sim, quais são os russos por aqui, onde estão os russos, em quais destas, senhor? Por aqui. Você procura Dostoyevsky, não é?, a letra D logo aqui, desculpe, um pouco mais acima. Ah, sim, obrigado, encerrei muito breve. Após o diminuto diálogo, pus-me a procurar pelo russo que apoquentava os nervos por não tê-lo lido ainda, ai, russo de merda que adoro, este era Dostoyevsky. Enfim, encontrei o estoque de sentenças Dostoyevsky que procurava, lá estavam os Irmãos, reluzindo com um micro-dourado que compunha sua lombada, uma edição um pouco antiguinha, sei lá, creio que dos setenta e poucos, mas isso não importava; a verdade era que o russo estava ali reluzindo pra mim na minha mão. Mas, o Idiota - homônimo de outra obra do russo - aqui não se deu que conta que não tinha notas ali, para pagar o livro. Merde! Não que estivesse na pindaíba, mas quase, mas é que o idiota acostumou-se com uso sensorial das compras utilizando o cartão de débito, nessas tem esquecido corriqueiramente de realizar saques periódicos de seu ordenado junto ao banco. Certo, O senhor aceita cartão de débito?, O senhorzinho de barba branca me respondeu com uma vozinha, não ouvi. Perguntei novamente, o senhorzinho, mais grave, respondeu que aceitava cartão de débito, mas de uma bandeira distinta da do meu cartão. Ah.
Estava quase convencido de que não seria o dia de levar o russo mesmo daquela vez. Triste. Este russo na livraria onde trabalho está esgotado. Merde! Paciência, garoto - tentei começar uma reflexão. Mas é um livro que não era difícil de se achar, uma obra essencial da estante de qualquer Leste Europeu ou mesmo de qualquer coisa que chamam de Literatura Universal, não seria mesmo nenhum bicho encontrar outra, mas havia achado graciosa aquela já muito manuseada edição que bulinei; que violei ao deslizar as minhas unhas já impregnadas de sebo de pó por aquelas páginas já tão violadas por quantas vão lá saber gerações... Mas, certo, esperarei outro dia para levá-la. Se é que estará lá, né? Experiências anteriores, como poderia já Herman Melville armar... Deixei certa vez o Bartleby lá, certinho, bonitinho... Voltei, Bartleby já não existia mais. Desespero. Ponto.
Certo, da próxima atento-me à pizza e a cola, adjuntos da minha busca por prazer nas noites ociosas, frias e quentes, de vontades meio absurdas de estufar-se em massa e deste líquido gasoso, prazeroso, criminoso... Vulgar como este meu estoque de sentenças Dostoyevsky incompleto.
(fim da parte 1)

terça-feira, 29 de maio de 2007

Credo Positivista

Às vezes, parece que o mundo é regido do subsolo com um mal-humor ardente, decidido, perverso na sua condição estúpida ao mesmo tempo que angaria uma imagem santa.
Destila-se amargura e ódio, com uma simplicidade que só reparando, o escárnio escroto e mal conduzido, mas decidido.
No subsolo ainda preferem a zombaria, a insustentabilidade de todos os setores da vida, fazem preces constantes ao tédio, corrompem-se; tratam tal assunto como se isto fosse a glória - lamentável condição essa de ser humano.
Eu prefiro a andar sobre este chão que ainda que me limite de algum modo; Que dá-me sustentabilidade, ainda que só aparente.
O que os do subsolo não prezam, não creem, não almejam, não planejam, não citam, sequer duvidam, ostento como bandeira, com um certo desejo de vingançazinha. Tudo que não lhe és bom a mim me parece fabuloso. Não sou nenhum pouco cruel, sou apenas este, como todos dono também de uma equilibrada hipocrisia, mas nada que afete o meu amor pelos meus amigos e determine um desrespeito e desintegre a minha luta por um mundo melhor... Sou este, dono desta existência (clara) que desfigura os utopistas.
Sou mesmo este que ainda crê no colhimento de flores, projeto de crença nas banalidades como obras magníficas que a vida proporciona contemplar e fabricar felicidade. Sou um botequeiro, mas desprezo a cerveja pelo café, sou um jardineiro que larga a terra para manejar e regar as flores, um tecelão alienado de seu brim.
Confusões nunca me apeteceram, não à toa, prefiro considerar que bons amigos são melhores que muitos amigos, a boa casa é melhor que a grande casa... No meu mínimo considero ainda que posso ser melhor e afastar as idéias indistintas de indiferença, por alguns ou por todos, mas que não caiamos na panfletagem sobre a salvação do mundo.
Creio na verdade como instrumento salvador, talvez seja eu sonhador deveras, mas, nunca considerei-me estúpido, então, acho que vou por um bom caminho, ainda que não seja o mais exato. A essência dessas coisas, banalidades de nosso cotidiano, está na crença, crer em algo, alguma coisa, seja um deus, em nossa existência, em nossas idéias e convicções, a crença é a engrenagem que possibilita o mecanismo das mais simples às mais desafiantes perspectivas resultarem em espanto, alegria e amor.
Piano, cabaret - estou diluindo em um prazer diluído em solidão - petrificando um desejo - desafiando um coração.
Apenas abençoe-me; benção para crer e que quero, para ser e que vejo, para entender e que desejo.

Juventude Sônica

às vezes, os ruídos de microfonia são bons, as acústicas trepidantes das caixas que vibram no tempo que parece o começo do fim de todas as coisas, o fim do som. o som do fim.

os convencionais xingarão e ignonarão, não hesitarão em quebrar o espelhado do laser que transforma tudo isso em som ou na possibilidade dele.


somos todos provincianos, puritanos, convencionais. perdidos nas baladas entre paredes mal concebidas para a destruição da sonoridade que camufla talvez um riso, talvez um choro ou nada - dentro de nossas próprias convenções.


há alguma possibilidade de acreditar no que não é regra, no que não rege sinfonias, no que não está certo e que, ainda assim, é suave, é bom. esta é a lei dos desregrados, mas felizes.


the diamond sea preenche até o que não existe.