sexta-feira, 18 de junho de 2010

Um planeta tão pequeno

Certas vezes uma professora acadêmica uruguaia, em algumas de nossas conversas, fazia questão de "linchar" o seu compatriota Mario Benedetti, escritor que admiro muito. Benedetti faleceu em 2009. Mas antes mesmo de partir, romances e contos do uruguaio me fizeram rir e, por ventura, me fizeram verter lágrima, mesmo em dia feliz. Eu fazia questão de deixar claro para a professora que eu gostava do Benedetti, mas ela ressaltava que o escritor, em Montevidéu e em todo o Uruguai, era visto como um daqueles meros figurantes da cena literária uruguaia, vá lá da América Latina. Para mim isso nunca foi importante. Benedetti é grande, tal como Onetti, outro grande escritor na literatura uruguaia.

Ressaltava os dotes de Juan Carlos Onetti, escritor que Copacabana e eu conhecemos muito bem. E eu comigo: por que para ela Onetti sim e Benedetti não?

Dois fabulosos, dois grandes, únicos.

Pois é. Por que eu digo tudo isso? Não é por Onetti, nem por Benedetti. É por outro. É por Saramago. Na verdade, este texto não sairia agora, ou talvez nunca. Pois não quero fazer aqui algo que já ocorre mundo afora, falar de alguém só porque esse alguém morreu. Mas Saramago não é alguém. É que a morte de Saramago me lembra um pouco a morte de Benedetti. É lógico que Saramago, por ser um escritor agraciado com um Nobel e ser um escritor de nossa língua portuguesa tenha sua morte mais repercurtida nos jornais. Não é pelo Nobel, mas porque Saramago era quem era.

Em maio de 2009, com a morte de Benedetti, Saramago disse:

O planeta se tornou pequeno para abrigar a emoção das pessoas.

A poesia de Benedetti é um alento em dias difíceis, como a prosa de Saramago é um contínuo redescobrimento de uma língua e do jeito de pensar essa língua.

Os reacionários normalmente têm aversão às letras de Benedetti e Saramago, será porque os dois eram de convicções políticas de esquerda? O segundo mais radical que o primeiro. Mas as convicções políticas agora não são importantes. Importa saber que temos um material riquíssimo quando temos o livro de um ou de outro em mãos. É uma ferramenta e tanto para ajudar a fazer com o que o mundo possa abarcar melhor as emoções.

Lendo ambos, apreendi a consciência de sermos contistuídos de uma matéria infinitamente finita, tal constatação de Saramago me acorda de um sono difícil. Mas as palavras leves de Benedetti em meio a tormentas fazem com que a minha cabeça retorne ao repouso.

É mesmo: mais do que nunca, o mundo tornou-se ainda mais pequeno. Incontestável.

Benedetti era gigante e Saramago assim também achava. Quem sou eu para discordar do português? Fico com os dois.

domingo, 6 de junho de 2010

Os finais

O final de um filme é como o recomeço da vida. Nos desligamos da tela e voltamos a prestar atenção nas luzes, nas pessoas, no amigo, no amor que está ao lado. Alguém que dividiu uma alienação para uma outra vida que se passava na tela; uma vida em que as coisas são mais fáceis ou mais difíceis - conforme os roteiros e personagens - que a nossa.

Para que saiamos da sala de cinema com um ar de satisfação, com um sentimento de que aquela hora, uma hora e meia, duas horas, três que sejam, é preciso que o fim do filme seja bom, não necessariamente feliz, mas bom no sentido de "bem realizado", de "emblemático".

Há finais felizes que são uma tragédia, há finais tristes que são soberbos. O final de um filme tem que funcionar tal como uma aula para o que chamamos de vida real. Se aprendemos ou desaprendemos com esta arte é relativo, mas dali pode incorrer sonhos, desatinos, tristezas, alegrias, humores, amores, fome, cansaço e um rol quase infinito de sensações e sentimentos. Seja qual for o que lhe cause, a cena final de um filme deve despertar pensamentos ricos, saudáveis, inteligentes. É lógico que não só o fim do filme, mas todo ele deve ser assim.

É importante não confundir bons finais com finais complexos, porque alguns acreditam que um bom final de filme são aqueles em que o roteirista e o diretor trabalham para que o final seja quase como uma "teoria inversa às leis surrealistas sob a ótica romântica da relatividade". Esqueçam essa teoria que eu acabei de inventar, um final é sublime quando calcado na simplicidade, não quando "simplista"; quando faz-nos refletir sobre a mensagem, não quando pretende relativizar sobre o mundo e sobre todas as coisas que há nele.

É difícil falar e lembrar de finais de filmes marcantes. Foram tantos desde a infância, mas eu posso dizer que há alguns que me marcaram, como o de "Rainha Cristina", com Greta Garbo; o de "Paisá", de Rossellini; de "Os Incompreendidos", de Truffaut; o de "Nove Rainhas", de Fabián Belinsky; de "A Malvada", com Bette Davis; "Noites de Cabíria", do Fellini, enfim, tantos outros, que não vou conseguir lembrar de todos agora.

Mas há um final que é extremamente marcante para mim, como o de tantos outros, mas de uma maneira estranha, peculiar, única. Neste final não há diálogos, há um gesto (que eu não vou falar qual é) de extrema força, ainda que simples. O filme é "A Aventura", de Antonioni. O filme em si já é perturbador, um filme "anticlímax", por esta razão o clímax do filme será esperado pelo espectador até o fim, o "grand finale". Quem já assistiu ao filme, sabe do que estou falando, e quem não assistiu entenderá quando assisti-lo.

O filme de Antonioni é só um exemplo entre tantos que eu poderia utilizar; a força de "A Aventura" é muito mais do que poderia supor quando o vi pela primeira vez, por esta razão utilizo-o como exemplo. Mas finais de filmes podem ser marcantes, podem ser chatos, pois são tantos os filmes que lembramos por ter sido bons, mas com finais chatos, e dos tão ruins com os seus finais tão bons (isso quando há paciência de se esperar o fim de um filme ruim). Em mais de um século, já se fez tanto no cinema; tantos créditos, atores, personagens, vidas, espectadores marcaram ou foram marcados, com os filmes de seus intangíveis finais. É muito coisa para um texto pequeno num blog perdido no Cone Sul.

Algo parecido acontece com os romances; no entanto não concluimos a leitura de um romance em 90 minutos. Por esta razão, por questões de tempo e paciência, é muito mais fácil terminamos um filme ruim, do que um livro ruim.

Bem, independentemente do final desse ou daquele filme, o legal é que, de alguma maneira, os destinos de personagens, a conclusão dramática, o diálogo final de um filme, de uma peça, de um livro, sejam sempre enriquecedores, no que se refere à vida que levamos fora da representação: a vida de obrigações, de problemas, das contas a vencer etc. Se o final de um filme não é feliz, não é o mais importante; importa sim que o final de um filme seja um pequenino recomeço, ainda que em um milésimo de nossa constituição, para a vida que retornamos quando são acesas as luzes do cinema.

A vida segue e outras nos esperam nas próximas sessões.

sábado, 5 de junho de 2010

1970

Eu viria em uma encomenda 9 anos depois, embalado pela Lei 6.683, a da Anistia, promulgada 11 dias antes de eu nascer. A ditadura perdia forças, mas ainda ecoava em todos os setores da sociedade brasileira. E quando se fala em ditadura, não há como ignorar o ato mais repressor desse período - o AI-5, que cerceou todo e qualquer resquício que ainda houvesse de liberdade e de direito de opinião. O Ato Institucional n° 5 foi decretado 11 anos antes da encomenda de meus pais que viria a ser eu; e um ano antes daquilo que costumamos hoje qualificar (e ganha força em época de Copa do Mundo) como o mais representativo "futebol arte": o escrete canarinho que viria a encantar o planeta com "manobras" realizadas com os pés.

Pois é, e quando se fala daquela seleção brasileira de futebol, é impossível indissociá-la dos tempos sombrios por que o país passava, vivia. Mas para os ultrajantes governantes deste continente "Brasil", a esquadra futebolística brasileira era a sua melhor propaganda, o seu maior símbolo - o de um Brasil vitorioso, progressista, combativo, guerreiro, forte e bonito.

Sabe-se que o povo brasileiro, a começar pelos nossos ancestrais colonizados pelos europeus, é tudo isso e mais um pouco, mas a propaganda - meio de comunicação aprimorado pelos nazistas, era agora uma arma ou uma aliada para usá-la junto à massa pelos governos populistas, para justificar tamanha reprimenda e limitação, e assim no Chile de Pinochet; no Paraguai de Stroessner; na Argentina de Videla; na Cuba de Batista; no Uruguai de Bordaberry; e no Brasil de Médici, apenas para ficar nas Américas.

Política e tirania à parte, quando nos deparamos com as pessoas, grupos, que faziam da arte e do esporte algo muito maior que não se restringe aos seus respectivos campos artísticos e esportivos, observamos que o panis et circenses infringe a sua própria razão e existência, desde a Antiga Roma.

Muitos indivíduos tiveram sua individualidade e vida corrompidos, num tempo em que era comum ouvir Beatles no rádio, ou no long play, porque eles não eram a história que fizeram, eles eram a história que faziam. Elvis, Warhol, Hitchcock, Morrisson, Kerouac, Pelé, Bardot; Woodstock, Nouvelle Vague e tantos outros marcos que compunham aquela era, que poderia ser a minha, mas os meus pais eram ainda muito jovens e não se conheciam.

Personalidades e fatos que hoje estão nas milhões de memórias que os presenciaram, e no video tape. Mas o video tape só reproduz as imagens, enquanto as pessoas ensinam o quão foi bom viver aquilo.

Tudo grande, majestoso, como se todos, apesar das limitações impostas pelos generais, entendiam cada segundo como a grandeza suficiente para uma coisa maior - "a celebração" -, como se um breve momento, rápido e fustigado que fosse, já brindaria à vida, que não se sabia até onde poderia durar. Ou até onde poderia haver encanto, e por isso encantaram.

Até os dias de hoje, nada disso pereceu.


Não é preciso gostar de futebol para gostar de ver "o jogo".