segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Caçando Cassavetes

Boníssima hora - pouco antes das minhas férias do trabalho findarem o Cine Sesc começa a exibir uma mostra dos filmes de John Cassavetes. Para quem nunca se aventurou na busca daqueles que fizeram do cinema mais do que a perspectiva da ilusão, dos estúdios, da luz, da ação, a princípio isto não deva signifcar muita coisa ou até mesmo nada, mas, para mim é muito, aliás, é tudo.

Não sou afeiçoado a rótulos e, assim, acho um pouco sem sentido denominar o cinema de Cassavetes como underground, já que este termo está relacionado ao que está embaixo, ao subterrâneo, mas o seu cinema é superior, está muito acima. A filmografia de Cassavetes, embora anárquica ao mercado cinematográfico americano, se destaca com roteiros que focalizam o ser humano, as tensões e particularidades inerentes a este e o faz com qualidade e de forma única. Sim, é verdade que a sua cinegrafia ainda permanece pouco acessível e pouco explorada mesmo depois de quase 20 anos de sua morte. Mas tal denominação não está relacionada a qualidade de suas produções, mas sim relacionada a forma que elas foram feitas.

Com orçamentos baixíssimos e produções resvalando a um cinema caseiro, Cassavetes conseguiu o que parecia ser impossível para qualquer um nos Estados Unidos: fazer filmes fora de Hollywood e mais, ter notoriedade e ser aclamado por esta rebeldia. Mas não foi por falta de oportunidade que Cassavetes não ficou na Califórnia, mas por questões de ideologia artística, tal como podemos discutir como Kafka escrevia em alemão e não em tcheco, a sua língua pátria. Esse pararelo é ilustrativo e deve denotar que o "cinema pátria" americano sempre foi Hollywood desde o início da década de 20, quando as indústrias ou os pequenos estúdios (que depois viriam a se tornar gigantes) se transferiram de Nova York para Hollywood à busca de um lugar que tivesse "céu azul" durante todo o ano. E Cassavetes, de certa forma, parecia buscar o seu próprio "céu azul", a sua liberdade, por esta razão seguiu um marginal ao mainstream. Fazia cinema com não-profissionais, pois, segundo ele, a recompensa disso às pessoas que compunham a produção de seus filmes deveria ser algo diferente do dinheiro e estas pessoas deveriam estar "preparadas" a compor o este diverso e entusiástico processo criativo, e a buscar a razão deste nos próprios elementos cênicos e do drama. Os filmes de Cassavetes são quase um teatro vertidos a película - não à toa o diretor dava a liberdade aos atores para que improvisassem, tal como Mile Davis numa jazz session. Os elementos de encenação não eram rígidos e o drama estava focado, principalmente, nos personagens e nas angústias deles arroladas. Não é mera coincidência as semelhanças com Brecht, Beckett e Tennessee Williams, estes são base e referência de Cassavetes na construção e desenvolvimento dramático de seus roteiros (como de suas peças).

Cassavetes é um emblema da "arte pela arte", termo já tão démodé, principalmente hoje que dificilmente acredita-se no poder de criação dos artesãos e na força de suas obras. Com a argila dura atingem a universalidade moldando o barro, transformando o que outrora fora lama no espelho dos sentidos de quem observa a argila, contemplada com fascinação além, do que virá a ser cerâmica.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

5 para as 6

Charlotte, por Willy Wanderperre

Quem nunca ouviu Je T’Aime (Moi Non Plus), hit n° 1 dos motéis do cantor, compositor, ator, poeta e provocador francês Serge Gainsbourg? Provavelmente, muitos de nós, e não é brincadeira, podemos ter sido "fabricados" ao embalo desta canção. Aquela música preenchida por gemidos que são, segundo a lenda, de Brigitte Bardot que gemia nua no estúdio para poder dar uma sensação mais próxima de uma situação “real”, para a produção dos sons que viria compor a canção. Mas isso é pura lenda mesmo, porque os gemidos da canção são da namorada de Gainsbourg na época, a também cantora e atriz inglesa Jane Birkin, que posteriormente viria a ser a sua esposa. Mas a melhor obra desses dois não foi Moi Non Plus, talvez ainda seja a mais conhecida, e de longe essa também não é a melhor canção de Monsieur Gainsbourg.

O melhor feito de Jane e Serge se chama Charlotte. Com a marca registrada dos dois, Charlotte Gainsbourg mostra-se como um dos símbolos do novo cinema francês e, como o pai e a mãe, não se limita a um único ofício, a garota também canta e, diga-se de passagem, muito bem. Charlotte causou polêmica quando na adolescência fez um dueto com o pai na canção Lemon Incest, onde os dois aparecem com pouca roupa na cama recitando a canção. Essa canção viria a dar o nome ao seu primeiro álbum, lançado em 1998.

Mas a razão desta resenha é mesmo o mais recente álbum de Charlotte, 5:55, um dos melhores do ano de 2006. Bem produzido e repleto de belas canções, e sem delongas: você tem que ter. É doce e provocativo em todas as faixas, tal como em Beauty Mark, That Songs That We Sing e Little Monsters. Mas para fazer este álbum Charlotte se cercou do melhor, podemos dizer, que há hoje no mundo pop. O grande Jarvis Cocker, ex-líder do Pulp, e Neil Hannon, do The Divine Comedy, encarregados das letras acertaram em cheio. A parte musical foi delegada à dupla Air, Jean-Benoît Dunckel e Nicolas Godin, que também sempre acertam, não só nos seus álbuns como na excelente trilha sonora do filme As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides), dirigido pela Sofia Coppola. Charlotte não é boba, portanto, sabe muito bem que com um time destes fica muito mais fácil ganhar o jogo, ponto para ela e para o quarteto fantástico, que conseguiram construir uma das mais belas preciosidades do pop dos últimos tempos. A faixa título que abre o disco faz com que você sinta vontade de ouvi-lo inteiro logo de cara e a seguinte, AF607105, que é bem o estilo do Air, mostra que eles estão mesmo falando sério, mas bonito. As bases de piano são lindas que, acrescidas da voz sussurrante de Charlotte, fazem das canções declarações múltiplas, não só de amor.

Ding-dong, ding-dong. Do you hear the bells go ding-dong?

Não é Natal e creio ainda não estar louco, mas eu ouço os sinos tocarem, como se alertassem a todo o momento que precisamos viver pelo menos boa parte do tempo que nos é dado a usufruir deste plano. Comecemos um sábado, um domingo ou uma segunda-feira fazendo verdadeiramente o que queremos fazer. Esquecer um pouco o que "eles" querem, faz bem.

Ah, neste video poderá ver Gene Kelly e Liza Minelli numa apresentação inesquecível, com direito a um flashback. Bom para começar o sábado.


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Falling Star


Acabei de assistir Some Like It Hot (Quanto Mais Quente Melhor) e Don't Bother to Knock (Almas Desesperadas), ambos estrelados pela Marilyn (a Monroe). Estou extasiado! Sou franco - nunca a imagem desta loira platinada me pareceu arrasadora e arrebatadora como agora, pois, desde que me conheço ouço falar dela e, sinceramente, a achava um pouco blasé. Mas o mundo muda, não é? Não é à toa, as imagens que eu tinha dela eram a da loura (com u ou i, como preferir) fatal, mas ela a é, só que muito mais. As percepções acompanham as transformações de nossa vida, pois, após assistir todos os filmes dramaticamente relevantes de Norma Jeane (nome verdadeiro de Marilyn) - boa parte destes pela Fox - a minha percepção sobre a "ilegal blonde" parece mesmo ter se alterado.
Ela parece ter mesmo um "não sei quê" de que citei no primeiro post, para parafrasear Camões novamente. Esta jovem que morreu muito cedo (com 36 aninhos, em 1962) não parece ser própriamente uma atriz, sensação equivalente me ocorre quando vejo Audrey Hepburn, mas são duas personalidades distintas, e sobre a segunda falarei numa outra oportunidade. As cito pois creio que não seja a personalidade dramática destas que chamem a minha atenção, no caso especial da Marilyn, esta imagem ascende ao status de "mulher gostosa". Afinal, mulher gostosa se vê em qualquer lugar, não? Particularmente em Hollywood, nas décadas de 40 e 50, temos Kim Novak, Rita Hayworth, Lana Turner (outra loira) e outras, mas a Marilyn agora me parece um caso à parte. Além de assistir aos seus filmes me debrucei em sua biografia, escrita por uma psicanalista fã da loira (psicanalistas: personalidades corriqueiras na vida de Marilyn), assim, pude esmiuçar um pouco a vida da mulher que é mais conhecida pela cena do vestido subindo ao passar sobre uma galeria subterrânea do metrô em The Seven Year Itch (O Pecado Mora ao Lado), ou pelos quadros de Andy Warhol, muito mais por estes do que pelos seus filmes.
Como disse anteriormente, não é a performance dramática de Marilyn que "tilinta" aos meus olhos quando a vejo e, com isso, não quero desmerecê-la por suas representações na tela, aliás, sou partidário de que ela não foi devidamente valorizada pelos estúdios, o stablishment intelectual e executivo de Hollywood de então a via com olhos de desconfiança, ainda que lhe trouxesse rios de dinheiro com as bilheterias de seus filmes. Marilyn nunca foi rica, acredite. Na década de 50 ninguém, no show business americano, era capaz de causar estardalhaços ou furores como ela, talvez somente equiparada a Elvis Presley, mesmo assim lhe pagavam mal. Em seus primeiros filmes, quando já era o furacão loiro de que temos conhecimento, para se ter uma idéia, no primeiro filme em que ela é protagonista, o Don't Bother To Knock, nos créditos deste filme o seu nome aparece ao lado do de Richard Widmark, ou seja, os dois astros do filme, mas este também é estrelado pela moreníssima Anne Bancroft, e estima-se que Anne, que aparece de vez em quando no filme, tenha recebido a bagatela de 100.000 dólares pelo filme, enquanto Marilyn apenas 10.000.
Mas, a parte desses números, Marilyn transpira um misto de sensações, perpassando da menina ingênua à mulher diabo. Vendo os seus filmes eu posso perceber o quanto aquela mulher era tão bela quanto triste. Esta tristeza não era evidente, mas sabendo-se de sua trajetória, com alguma sensibilidade, poderíamos perceber que as suas habilidades de interpretação superavam de longe a sua angústia e a sua solidão do mundo real. Agora percebo (e sinto!) que ela muito facilmente deixava os marmanjões "alegres" e as mulheres com um tico de inveja, e quem não queria ser ou ter Marilyn? Mas aquela moça que apreciamos ver rodeada de diamantes, em The Men Prefer the Blondes (Os Homens Preferem as Loiras), tinha mesmo uma vida cheia de complicações atrás das câmeras.
Marilyn nasceu mesmo para fustigar, provocar os fracos e estes, com a sua fraqueza, tentaram se esquivar dela tentando destruí-la. Marilyn não era santa, graças a Deus, era uma mortal, mas que teima em não morrer, sabemos porquê e não sabemos explicar esse "não sei quê" que ela possuía, este misto do carnal com o sacro, do profano com o divino. A personalidade de Marilyn era frágil na medida que buscava ser bruta para suportar os solavancos que previa receber da vida, do meio social ao qual pertencia. Tudo isso faz com que reflitamos sobremaneira a respeito dos valores e anseios mais íntimos das pessoas, mesmo que as conheçamos bem.
O mundo não havia sido feito para Marilyn, nem ela para este mundo, por isso o deixou cedo, causando espanto nos seres que aqui vivem até hoje, fomentando dúvidas e fábulas a respeito da época em que poderíamos acreditar que via-se, de fato, entre as estrelas, uma estrela cadente.
Faz horas. Caí. Levantei. Caí novamente. Cá levantei e ouço River da Joni Mitchell. Pródiga sexta-feira, meu amigo. Tudo prometido. Tudo mesmo.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

O primeiro

Este é o primeiro post de um blog que nasceu (sinceramente) por acaso. Pois não haveria muitos motivos de sua existência, a não ser a turrice de seu "escrevente" ou, como preferir, seu "dono". Pois é, aqui estamos. Não precisarei acordar cedo na manhã desta sexta-feira, pois ainda gozo de minhas férias, mas as horas que antecedem o meu retorno ao ofício parecem escapulir tão ligeiramente dóceis que este processo é indolor, mas causa sofrimento. Não dói, mas angustia. Não me estenderei sobre isto, por esta razão, então, senhores, sejam bem-vindos ao que trataremos adiante "do não sei quê que nasce não sei onde". Uma hora me descubro e, quando isso ocorrer, sintam-se a vontades de escolherem a direção para a fuga.