sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Falar da quase culpa

Ah. Mm. Ss. Dizer. Uma minha quase nossa culpa. É minha. Desculpe-me. Eu devia ter prestado mais atenção. Mas não. Quem disse que sou quem quero que não quero ser? Mas desculpe-me. Meia-noite e vinte e nove e você com essa voz molenga. Não bebe, não irrita. Beija-me, inspira-me. Aspira meu ar no beijo, roça sua pele no meu lábio molhado. Cuspi tantas palavras em meu amor, ontem. Nesse horário; naquela hora.

Veja, meu benzinho, eu lhe quero tanto bem... A quero ardentemente bem. Mais ainda. A quero azeitada todas as noites pra mim. Para ser não só minha culpa e ser sua também. Não quero falar dessa quase culpa. Tem um tempo pra mim? Não leva-me a sério, não a levo pra cama, não deixa-me lhe entender, não a deixo poder coisa. Mea culpa. Mais um beijo? Se sim, responde-me. Se não, ausente-se.

Quando hoje serei dono novamente seu? Seja um pouco menos rancorosa, comunica. Comunique-se. Dá-me a mão, deixa-me chegar um pouco mais, perceber a fumaça que vem do seu corpo. Arder na minha mão. Ardê-lo, fervê-lo em mim, pra não poder ser mais e não falar-se mais de culpa pelo menos enquanto viver. Pode? Acode. Acuda-me, faz-me um favor, abençoa-me, que o que cri já não é de crer por tanto momento perdido. Tanto tempo que passou nesse tempo que você passou que você não notou-me. É só a via. Era a via. Minha via, minha estrada, meu caminho. Sinédoque. Veja o que fez-me. Nada é tão bonito como isso: Desiludir-me por "ti". Por você.

Viaja pro meu bairro, para a minha solidão de longe onde há de se fazer asfalto, não dá pra caminhar por lá... Nesta solidão é incaminhável. Tanta coisa por tapar e sanar e venho até você com discurso piegas, "salva-me, ajeita-me, direciona-me". Não caiu nessa, não é? Eu bem que já intencionalizava essa má intenção, mas sei que você em sua inteligência não deixará passar barato essa boca que eu quero fazer com você. Minha coloquialidade a constrange? Meu jeito?, minha pieguice?, meu discurso?, meu amor?

Querer alguém é fácil. Vá lá, fazê-lo feliz como o que quer... Vá. Está tudo feito e acabado. Debrucei-me sobre o seu colo, só pra ver se arrancava um pouco da sua atenção. Você é mesmo perfeita. Rígida. Não dividirá jamais as suas particularidades comigo. Ficarei à parte. Ficarei com a minha culpa. Nem quer, se esconde, ignora-me toda hora para não falar da quase culpa. Já assumi, a assumi. A quero mais que amanhã, menos que pensei, mas a quero, sim. É tudo o que sei.

Vou matar a lua, enlamear a sua rua; calçar os seus chinelos. Vai ficar descalça. É coisa de bem feitoria. Porque quer. Escolheu assim. Apesar de a amar; ainda faz uma pose de esperta: meia-vadia. Vadiagem honesta, claro. Mas é uma vadia de marca. Boa. Presunçosa. Ah, como me dilacero no seu corpo azedo, conforme, enorme. Sem nome. Quero um pouco mais de você. Quero mais de você. Quero você. É. Me estremece o corpo e as partes do meu enigma que reservei quando pudermos olhar um pro olho do outro e xingar-nos à vontade. Afinal, eu sou um puto novo pra você. Eu sei que você queria mais. Um velho safado, talvez. Um rei irado, pode ser. Um rico doente, sim. Um homem demente, penso. Mas eu sei que eu sou um pouco do que procura. Não perderia meu tempo aqui se não fosse. Eu sei. Deixa "eu" saber? Me conta alguma coisa. Pode ser desonesta. Eu aceito. Pode ser puta outra vez. Eu aceito. Eu quero.

Arranque-me pra você. Leve-me com os seus apetrechos. Roce-me no seu lábio, como o seu batom. Deixa eu dar um pouco mais de beleza para a beleza que me dá um pouco mais de leveza na vida que me tira um pouco mais de alegria sem razão. Essas coisas não são nada razoáveis. Talvez, se deixar-me plantar semente do querer, nesse peito cansado, há uma promessa pra mais adiante de transformar essa semente no jardim todo que teremos, o germinal da saúde de nossos corpos, a benção de nossas bijuterias na penteadeira, a materialização e saudação de nossas boas fotografias, nem reveladas e ainda por tirar, ainda por fazer pose, ainda por dizer "xis"...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Outros instantes

Os "Instantes" e os "Outros Instantes" - o passado e o presente texto desta página - são uma forma de brincar, de conversar com os textos do mestre Jorge Luís Borges (ou mesmo com os seus não-textos).

"El Instante" é um poema que davam como Borges sendo seu autor, mas não é. É um texto que depois foram saber ser de autoria de Nadine Stair. Um poema-objeto, fala do que não costumamos dar atenção, pois estamos sempre ocupados com o futuro.

Este "Outros Instantes" faz analogia à "Otras Inquisiciones (1952)" (Outras Inquisições), dos livros mais notáveis de Borges - o argentino que aprendeu o inglês muito antes do castelhano.

A escolha de "Instantes" foi realmente inconsciente, pois a brincadeira se configura somente agora, com este "Outros Instantes".

Para complementar, para ser breve e outras boas outras coisas, encerro com um não-Borges, com um texto que era pra ser dele (ou não), mas não é. E nem sei se é mesmo de Nadine Stair.

É muito mais bonito e confiável ter uma obra assinada por Drummond, Borges, Pessoa ou Machado de Assis. O mundo internético sabe disso.

Instantes

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido;
na verdade, bem poucas pessoas levariam a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvete e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu
sensata e produtivamente cada minuto da sua vida.
Claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver,
trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feito a vida:
só de momentos - não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma
sem um termômetro, uma bolsa de água quente,
um guarda-chuva e um pára-quedas;
se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos
e sei que estou morrendo.

Instantes

Fico por alguns instantes a rememorar as razões que me causam sorrisos no rosto e uma outra paz maior. Não é invenção; é verdade, mesmo. Nem sempre me dou conta disso, sabendo que as aflições são inúmeras, as preocupações também. Para isso não é preciso filosofia. Mas quem saberá... Eu não sei. Às vezes penso que sim, que sei. Não, não sei.

O alívio de todas as coisas que incomodam será sempre bom, mas entendo que a vida não é assim. Me apego a estes momentos de sossego, de leveza, e apuro neles o que há de bom e constante.

Ai, dias de poder acordar um pouco depois ou de dormir o tanto que o corpo pede. Não é demais, é o justo. Ignoram tudo isso, eu sei. Descansar a suficiência nem pensar. Devemos ser anarquistas para sermos mais felizes? Quais são as ideologias legais? Permitir que tudo permaneça intacto dentro da mesma realidade vivida há anos, mais outras décadas?

Não é fácil ser revolucionário; não renunciar à sua verdade. Em nossa realidade não é permitido revolucionar coisa alguma; talvez aquela nos limites de seu quarto. Mas só ali, até ali. Fora dali, revolucionar é muito perigoso, pode ser doloroso para os revolucionários, para os da situação.

A maior e, sem dúvida, melhor revolução é mesmo a daquele sorriso que vem espontaneamente: sinal de que alguma coisa, mesmo pequena, mudou em mim e para melhor, sem a necessidade de hastear bandeira ou de proclamar independência, nem de compor grito de guerra. Mudei um pouco em mim e o mundo me acompanhou. Tudo que amo me acompanha, inclusive o chão. No desespero ou na libertação.

Sei que tenho o mundo, mas quero mais. Não pela insaciabilidade, mas pelo sentimento de justiça. Eu mereço mais, e por que não deveria por ele lutar? O "mais" é tão pessoal, inerente às necessidades individuais , que não posso, ainda que quisesse, coletivizar esse desejo. Sonhos podem ser partilhados, mas as ambições que os carregam vivem sempre em seu portador, em seu sonhador. Perdê-los é algo semelhante a perder a marca ou a identidade que nos distingue nesse meio.

O sorriso me pareceu algo doce; meu. O sorriso, hoje, é minha pátria. Habito nele; com ele me revoluciono, me divorcio e me junto outra vez. Descubro a vida e digo adeus aos doentes que não a percebem. Brás Cubas no capítulo 82 de suas memórias já dizia: "Digam o que quiserem dizer os hipocondríacos: a vida é uma coisa doce."

Pois é, a vida é uma coisa doce e algo mais, o algo mais que me permito buscar, e fazer com que todo pensamento meu seja comemorado com reticências...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Aura

Aura tirava o excesso de areia das pernas. Batia as mãos nas coxas, espanava todos os grãozinhos impregnados à sua pele, branca tal como as falésias que davam fim à costa da praia em que estava. Podia se ver de lá, de onde estava lavando as pernas nas ondinhas do mar, as falésias de calcário, que mais pareciam gizes gigantes, com os quais se poderia escrever até no céu, marcar até no mar, na água solúvel que só não desmancha sentimentos sólidos.

Aura deu alguns passos para ir ao alcance da água, tirou a areia depois de ver-se saciada de sol, sem um bronze digno pois o dia não era mesmo de sol. Aliás, os dias não eram de sol já há algum tempo. Onde estariam os sóis que bronzeariam Aura? Muito poída com este tipo de pensamento, já nem se desgastava nestas lucubrações.

A sessão de sol acabou ali. Aura se levantou de sua toalha estendida na areia, apanhou o chapéu e foi até o mar vivificar o seu ritual destes dias do descanso. Por alguns minutos, ficou a levar, com as mãos em concha, água nos braços, no dorso, nas pernas e no rosto. Uma tarefa simples e tão despida de outras necessidades - não fosse a procura do bem-estar - que todos aqueles momentos pareciam ser mais suficientes do aqueles que se escolhe para viver aventuras. A aventura era não desafiar o corpo e respeitar a serenidade das coisas, optar pela beleza e a simplicidade, não ceder a tentação das grandes cidades. Preferir o íntimo lúcido aos portes insanos que o dinheiro oferece.

De alma pronta e corpo lavado, Aura olha pra frente e segue o caminho da volta à toalha e aos pertences que deixara ali pra Deus tomar conta. Deus não só tomara conta, como lhe dera uma bola colorida, que repousava sobre os seus óculos escuros. Mal dera o presente - nem houve tempo para espanto - Deus o pedia de volta, na pele de dois meninos mais corados que ela. Até então não havia reparado na presença das crianças - tudo lhe parecia um silêncio honesto. Pois então as crianças acenavam de longe, pedindo para que lhes devolvessem a bola. Meio desengonçada, Aura tentou devolvê-la com um chute, mas caiu: ela gargalhou com a própria trapalhada; os meninos não riram e correram em seu socorro. Nem foi preciso, no ínterim da corrida dos meninos, Aura já equilibrava-se, já de pé, com a bola colorida nas mãos, pronta para devolvê-la.

Os três entreolharam-se por um instante, com uma seriedade estranha, que acabou numa explosão de risos de vários níveis e de gargalhadas simultâneas: Aura lembrando-se do tombo trapalhão; os meninos percebendo a preocupação exagerada. Agora todos riam: Aura descorada e os meninos corados e, até mesmo, de algum modo, a bola colorida.


Num ímpeto, Aura se curvou e os abraçou. Eles, mesmo sem saber quem era aquela mulher com quem partilhavam risos de intimidade, a abraçou até onde os bracinhos podiam ir. Aura se despediu com um beijo na testa de ambos, e os meninos voltaram para onde estavam, com a bola colorida, a passar a tarde de lazer.

Um caso exemplar, não se poderá perceber tamanha agudeza da beleza das coisas; e a vida engrena mais um de seus movimentos para se valorizar o que realmente há.

Depois de algumas horas passadas, desde o episódio da praia, Aura racionalizou sobre tudo, e lembrava-se do aborrecimento inicial de não poder tropicalizar a cor de sua pele, porque o sol não a visitara naqueles dias de raro descanso.

Mas tudo aquilo agora perdera toda importância e Aura não conseguia pensar em outra coisa senão na bola colorida, nos meninos, no tombo e nos risos daquela tarde. Aura não ganhara cor, mas ganhara uma bola colorida que residiria para sempre em seu imaginário: o mote para um riso qualquer; assim como aqueles meninos que, dali por diante, ririam para sempre em seu coração: a circunstância de seus dias.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

"¿Y quién no tiene un amor?"

Alejandra

A maior poeta argentina uma vez escreveu - o que dá nome a este post - em seu poema Exílio, este dedicado à Raúl Gustavo Aguirre, poeta argentino do meio do século passado, e pertencente a corrente da poesia argentina conhecida como "Invencionismo":


"¿Y quién no tiene un amor?

¿Y quién no goza entre amapolas?
¿Y quién no posee un fuego, una muerte..."

Raúl Aguirre estava à frente da revista "Poesía Buenos Aires", e foi responsável pela apresentação de vários novos poetas e promessas literárias da Argentina de então. Apresentou-nos Alejandra Pizarnik. Na ocasião, Alejandra era estudante de filosofia da Universidade de Buenos Aires.

Alejandra, com sensibilidade e apuro, deixou um legado poético intenso, nos seus ensaios, poesias e diários. Surrealista e lírica, apresenta-nos uma tênue dilaceração dos sentidos na sua busca incessante por alguém ou algo que possa lhe presentear com repouso e esperança, saná-la da angústia. Quase uma poeta neo-romântica, vivia os tenebrosos dias das guerras e perturbações, fora das conjurações da tísica e das revoluções do século XIX.

A poeta nasceu em Avellaneda, em Buenos Aires, em 29 de abril de 1936. Depois dos estudos na Argentina, passou a colaborar em periódicos, quando foi apresentada a Raúl Aguirre. No início dos anos 60, residiu em Paris, quando estudou literatura na Sorbonne. Nesta época também contribuiu para inúmeros periódicos literários na França, inclusive na Cahiers du Cinéma (revista que tinha como colaboradores também François Truffaut e Jean-Luc Godard).

Os anos 50 é a sua fase mais produtiva, época que escreve incessantemente e de tudo. Resvala no erotismo e na homossexualidade. Por esta razão, sua família, nos textos desta época, acaba subtraindo muito de suas anotações.

Aos poucos, é percebida fora dos países de língua espanhola. É praticamente desconhecida no Brasil. Em português do Brasil, a vi apenas em uma antologia publicada pela editora Iluminuras: Poesia Argentina 1940 - 1960, organizada por Bella Josef e lançada em 1990. Outro caso em que os filhos da língua portuguesa, que não se enveredam por outras línguas, ficam carentes de apreciar e de sentir as obras das palavras, ainda que estas sejam universais, ficam limitadas.

Alejandra faleceu em 1972, com apenas 36 anos, pouco depois de passar uns dias numa clínica psiquiátrica, após uma crise de depressão. Morreu devido a ingestão anormal de barbitúricos.

Não é inédito o fim de Alejandra, principalmente na poesia. Vimos isso, e muito, com tantos outros bardos que não se encontram e caem; mas permanecem como nossos eternos aedos.

Sem fugir da simplicidade e sem ater-se ao lugar comum, perguntou a si:

E quem não tem um amor?
E quem não goza por entre amapolas?
E quem não possui um fogo, uma morte,
um medo, algo horrível,
ainda que fira com plumas,
ainda que fira com sorrisos?

(extraído do poema Exílio)


Dois dos poemas mais belos:

La Jaula

Afuera hay sol.
No es más que un sol
pero los hombres lo miran
y después cantan.

Yo no sé del sol.
Yo sé la melodía del ángel
y el sermón caliente
del último viento.
Sé gritar hasta el alba
cuando la muerte se posa desnuda
en mi sombra.

Yo lloro debajo de mi nombre.
Yo agito pañuelos en la noche y barcos sedientos de realidad
bailan conmigo.
Yo oculto clavos
para escarnecer a mis sueños enfermos.

Afuera hay sol
Yo me visto de cenizas.


**********


Exílio

a Raúl Gustavo Aguirre

Esta manía de saberme ángel,
sin edad,
sin muerte en qué vivirme,
sin piedad por mi nombre
ni por mis huesos que lloran vagando.

¿Y quién no tiene un amor?
¿Y quién no goza entre amapolas?
¿Y quién no posee un fuego, una muerte,
un miedo, algo horrible,
aunque fuere con plumas
aunque fuere con sonrisas?

Siniestro delirio amar una sombra.
La sombra no muere.
Y mi amor
sólo abraza a lo que fluye
como lava del infierno:
una logia callada,
fantasmas en dulce erección,
sacerdotes de espuma,
y sobre todo ángeles,
ámgeles bellos como cuchillos
que se elevan en la noche
y devastan la esperanza.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

29



1 dia depois: a bonança?

qual?

ah, nada! nada mesmo!

muita alegria e felicidade e um pouco mais de amor, o próprio.

sou o homem-tocha.

estou enorme, mesmo na limitação do homem.

estou perfeito.

fui eleito.

me escolhi.

me distanciei por um tempo e depois retornei para...

...celebrar.

Celebrar?

Ainda que não haja tantos motivos, nem circunstâncias...

...é preciso celebrar nossas formosuras diárias.

Um ano foi e eu fui e nós fomos.

Mais um, mais outro e outros deverão ser assim.

Parece já previsto.

Bem previsto.

Nesta previsão aqueço meu coração,

porque tudo é tão repentino,

mesmo as horas marcadas...

Tudo me parece tão repentino...

sábado, 6 de setembro de 2008

Fausto Wolff

Apenas dois dias depois de ter registrado um texto seu aqui no blog, o escritor Fausto Wolff faleceu nesta sexta-feira, no Rio de Janeiro. O escritor estava com 68 anos.

Uma tristeza, já que Fausto era um dos grandes cronistas brasileiros, e da turma do "O Pasquim", nos anos 60, periódico que visava burlar as regras vigentes na comunicação e política brasileiras.

Eu o conheci e comecei a apreciá-lo através do livro A Milésima Segunda Noite, uma coleção de crônicas. Era um grande contador de histórias, e também publicou vários romances, os quais ainda não tive o prazer de ler.

Atualmente era colunista do "Caderno B" do "Jornal do Brasil", coluna da qual extraí o texto que publiquei há dois dias, cujo post entitulei Tiras Literárias.

A literatura brasileira, mais uma vez, órfã.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Bom sonho

A todos que me fizeram feliz: eu os amo incondicionalmente. Aos que me fizeram crescer: eu os tenho no espaço mais nobre das minhas recordações. Aos que me tenham em mágoa: ajoelho-me aqui e peço perdão.

Nos detritos dos dias, exalamos os nossos odores nem tão suaves - somos tão sujos e queremos amores incondicionais e prestação de conta instantânea. Mas como somos tão pútridos, acabamos nos identificando no meio do ar fétido desta nossa existência vulgar.

Mas falemos de flores. De sabonetes e da alfazema que perfuma o jardim vizinho, ou aquele jardim longínquo que passamos vez ou outra em frente, no caminho de um compromisso ou num caminho qualquer de nossas andanças.

Quero mais perfumes que filosofias, mais sensações deste tipo que só o pensamento de que poderia tê-las.
Quero um beijo no pescoço e um daqueles abraços que descansam o corpo.

Essas palavras são algumas daquelas lembranças que tive no sonho da noite passada - das poucas horas de sono, dos leves enjôos, das costas pesadas.

Bom sonho.

Nice Dream - Radiohead

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Nostalgia

Uma nova aurora em PJ

Nostalgia dilacerante. Isso me ocupa. Ocupa os meus pensamentos, minhas atitudes cotidianas e o peito que alimenta aquela dor sobre o tempo que já passou. Estou extremamente nostálgico, sem rodeios: melancólico. As recordações da adolescência, dos tempos maravilhosos. Todo o tempo é maravilhoso. O que vivo hoje é maravilhoso. Mas existe algo que diferencia o que está só na memória e nas fotografias daquilo que respiramos e presenciamos agora.

Enquanto escrevia o primeiro parágrafo ouvia My Hero do Foo Fighters, música de 1997. Ah, como era bom, lá, há 11 anos, sintonizar o dial da FM e aumentar o volume para ouvir My Hero. Na força máxima - completava 18. A harmonia não era perfeita e nem tinha como, na ocasião o meu herói passava a figurar só nos álbuns de fotografia e em mim.

Em uma época turbulenta e de dor, restam para dilacerar jóias que eram os momentos com o herói. Relembro a época dos pegas, dos ficas, das pequenas baladas, tão ingênuas, mas tão aventurosas para os meninos e meninas de 16, 17 e 18. São muitas as imagens - ouço Allright do Supergrass.

Os anos passam - 97 - 98 - 99 - 2000. No ZAP do Estadão, lia sobre Ash e descobria a nova aurora em PJ Harvey. Big Exit. O máximo que tinha, desde os 16, eram as costeletas - cultivadas desde o início da puberdade. O rosto lisinho, a possibilidade de pêlos era só mesmo possibilidade para os anos posteriores. Eram as minhas histórias da cidade e as minhas histórias do mar com PJ.

Destes relatos, destas cenas, destas vivências, destas sofreguidões, destas benevolências, destas presenças, destas canções, destas letras que vão perdendo a força na tina de água quente, nos balanços dos ônibus - as lembranças ainda ameaçam algo dentro, algo incômodo, se não é possível que eu não estivesse nem aqui, nem lá.

As minhas forças do presente ganham atividade nas possibilidades passadas - nas concluídas ou incocisas. Hoje, ando em círculos na vida e nos textos. Subo e desço na montanha mágica de Mann ainda com os acordes rasgados de PJ embebendo os meus sonhos metropolitanos regados aos roncos dos motores dos ônibus que me transportam. Tudo tem o seu espaço reservado - inclusive no sono.

Tudo virou uma bagunça: misturo tudo. Desde os 19, num mesmo tempo Milan Kundera e PJ Harvey - em uma busca, quase erótica, ternamente sexual (se é que se pode dizer assim), das descobertas naturais do corpo jovem que amadurece e hormoniza o ar para encontrar a sua harmonia, no sexo e nas leituras, na música e no novo amor. This is Love. Sou tão pequeno, me enobreço com as lembranças, com as andanças e os prazeres.

De um jeito, estes continuam a ser os amores cultivados, as idéias acreditadas. As convicções mudam, mas a essência de tudo permanece reluzindo no pensamento.

Nostalgia que acalma o coração e desocupa-nos dos maus pensamentos e que abençoa nossa vitalidade para prosseguir.

Tiras literárias

Eventualmente, James Joyce ditava partes do seu romance Finnegan's Wake para seu discípulo, secretário e office boy Samuel Beckett, ao qual dava alguns centavos quando estes apareciam. Joyce reclamava que ''este negócio de ditar não funciona comigo'' quando bateram à porta e Beckett, que mais tarde escreveria três obras-primas do teatro mundial, não ouviu. Joyce disse:

- Entre.

Beckett escreveu este ''entre'' no papel.

Mais tarde o discípulo leu para o mestre o que ele havia escrito. Quando chegaram no ''Entre'', Joyce perguntou:

- Que ''entre'' é este?
- Foi o senhor quem ditou.
- Ditei, é? - E depois de uma pausa. - Então deixe ficar.

É por isso que Finnegan's Wake é incompreensível e Beckett aprendeu a lição: até hoje ninguém entendeu seus três romances.

publicado em 31/5/2005 no Caderno B do Jornal do Brasil, por Fausto Wolff

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Love Street

she has robes and
she has monkeys
lazy diamond-studded flunkies
she has wisdom and
knows what to do


Verso isto há tanto: "Ela tem sabedoria e sabe o que faz". É isso. Quem é ela? A dona dos macacos? Os servos preguiçosos adornados com diamantes?

Ela mora na rua dos amores, o primeiro verso - não escrito - apresenta-nos o seu endereço. Eu também gostaria de saber o que acontece na Love Street. O que há com a dona do jardim. Eu acho que aprecio este mistério, o da dona dos macacos, moradora da rua dos amores, senhora daqueles servos...

Tendo a crer que tudo é mais uma canção, ou mais que uma canção. Tenho a sensação pelas portas da percepção, não das do Huxley, mas das do Jimbo. Sim, Jim.