sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Flores na janela

Querem que eu, absolutamente, encontre as chaves de casa tão perdidas quanto eu mesmo, mas, jogadas num canto do banco daquele ônibus que dobrou a esquina. Ainda assim, desço do ônibus. Minha procura é outra, estou à busca desta minha relevância pela minha idéia de ser o menino da biblioteca, o menino que lustrou livros, o menino que vendia revistas para comer e dar-se o mínimo à subsistência contínua de estar no meio de todos os da cidade.
Desde que me peguei a essa situação, estou tão incompreendido por mim, e não julgo os meus que não mais me entendem, tendo a levá-los pela consideração merecidíssima, por sinal. Pelas tantas horas cansadas de questionar quem seria eu e não obter resposta. A resposta está aí, na certeza de não tê-la, de não advinhá-la, de não supô-la, de nada, de apenas estar certo de que nunca estarei certo e nisso já encerra em si o assunto que não seria abdicado, mesmo que não tivesse constância. Sou a própria substância que julga, setencia, culpa-se e cumpre a pena de ser o que já não se sabe. Sou essa idéia. Já é suficiente. Mas não sou suficiente. Tendo a querer no todo contrário, no todo obtuso, no todo inconseqüente, no todo de minha alma que despedaça-se, despetala-se ancorado e aportados sobre a janela, as flores que me cheiravam estão todas divididas em unidades, brancas, vermelhas, desespero? Não, sou as flores despedaçadas, sou esse interminável questionamento e o deplorável senteciamento de ser como flores na janela tiradas do jardim úmido.
O pé de feijão, os cabelos de Rapunzel, meu pé e minha mão, minhas sementes desta minha gloriosa ilusão, que devaneio, que alegria! É tão real que nem parece o mesmo dia, mas as horas não são tão formidáveis quanto o coração pensa, tudo é uma questão de suportar o intruso e entrever-se no rio caudoloso desta tortuosa história de nossa concepção. Chaves perdidas, pulo as janelas, danifico o jardim, desmorono a terra das flores da janela. Mas, já estou perdido: conto as moedas sobre a guia, tão estreita quanto os meus pensamentos, conto o dinheiro do futuro.

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