domingo, 5 de dezembro de 2010

sábado, 27 de novembro de 2010

Cantaloupe

Aloha! Ele torce pro Avaí, porque curte a cultura havaiana. Anda engraçado com a sua cúspide trangalhandança, doce tal qual mel, então, se tens diabetes, vás com calma!

Ele tem uma alma que o deixa longe da desalmadez. Ele é quente e não esquenta com nada. Tem amor, não tem amora. Mesmo com dor, não vai embora. Burila na cuca as estórias mais bonitas da história. Ele é um servo do verso. Um garoto maroto que gosta de lorota.

Ele não deixa boas impressões, talvez por causa do toner da impressora. Tonifique-a!

Pra Mangaratiba, meu rei, já voei.
Em Paraty já me hospedei.
Para ti o meu coração doei.
E não doeu, viu?
Garbosa, fastuosa, menina gostosa.

Por acaso a nectarina é uma tangerina com muito néctar ou o meu pomo-de-adão não está no Gênesis? Mas nem o Gênesis está com o Phill Collins. E o Phill Collins não está com a canção. E a canção está no samba. Então é samba-canção! Eu estou no samba-canção.

Vou andando contra o furacão, sem Kleenex, sem RG, no sol de quase dezembro, eu vou...

Tomo uma tubaína; danço com uma bailarina; como um gomo de tangerina. E os nenúfares raivosos me provocam: bum! chuá!

Deus, colha chuva pra uma arvorezinha de sombra. Colha e acolha.

Ele é quente e não esquenta com nada.

O redemoinho levou as redes e o moinho... Como vamos pescar? Como vamos moer? Vamos morrer? Vamos nada...

Ele respirava solto naquela docível noite do mar do norte. O peito cheio e o coração vazio. Havia uma mácula dentro, que o tempo era soldado raso pra lutar. A luz dele não podia amanhar agora, se ele não tem sono e só ganha arrepio.

Há um ar só naquele quarto, na casa. E o tempo é soldado raso pra lutar...

O gelo vem do céu pra sossegar o tédio. O calor vem do chão pra tramar as brigas pela vida de amanhã, de amanhã e de amanhã.

Ele quer um jazz profile e ouve Cantaloupe; e faz gestinhos com os dedos imitando tocar uma bateria no ar. A bateria não está lá mas a vizinhança ouve bem o tralhadar dos pratos e a gravidade dos bumbos. Direitinho: ouve sorrindo.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Está difícil

Está difícil escrever aqui. Por falta de tempo. Por falta de descanso. Mas uma hora eu volto. Sempre volto. Com as minhas pontuações absurdas. Ausências de vírgulas. Pontos-finais ao infinito. Nem ao menos um ponto e vírgula para escapar do comum.

Ufa. Pelo menos um parágrafo diferente para respirar. Se não há vírgulas que haja ao menos parágrafos para que se possa respirar neste texto sem volta. Sem fim. Com tantos pontos. Tantas paradas e orações descontinuadas.

Outro parágrafo para soçobrar esta intenção de texto que não tem intenção nenhuma.

Há alguma história a contar? Alguma novidade a não ser os primeiros pontos de interrogação?

Não há nada. Nem admiração. Um gesto seco. Um olhar ribeirinho de sono. Uma vontade lúdica de sonhar com palavras que não sonham a não ser que o ser que as pensa e as escreve seja um sonhador. Palavras não sonham. Seres que escrevem palavras sonham. Ou pelo menos devia ser assim. Se não é. Pois é. Tudo mais ou menos.

Indo. Tentando. Acabei fondo. Senão indo. Ir pra tentar. E não sei? Pois é. Zé. Me acorde para uma outra média vocabular.

Ele foi. Ele iu.

domingo, 19 de setembro de 2010

Elfchen

Blaue
Die Meer
Ich will alles
von Ort zu Ort
Nichts!

Hallo!
mein Leben
Sonne, Mond, Sterne
Tage, Stunden, Minuten, Sekunden
Hoch!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sintetiza Dores

Ouço "Heroes" e vem um turbilhão de coisas. Momentos que equilibram-se entre tristes e alegres. A canção foi um marco já na primeira vez que a ouvi, nos anos 80 (entre 88 e 89), ao assistir ao filme Christiane F. - Wir Kinder von Bahnhof Zoo (Christiane F. - Drogada e Prostituída). Quando apenas menino se ouve a canção ao final do filme, nos créditos, perturba. Eu me senti assim. Um exemplo de que a música tem o poder de transcender à mera questão idiomática.

Perturba também ouvir "Sense of Doubt" - instrumental - também do álbum Heroes e da trilha sonora do filme. É a música incidental do isolamento de Christiane. O filme de 1981 foi lançado quatro anós após o homônimo álbum clássico de Bowie, que compunha a informal "trilogia de Berlim".

Há alguns dias, passava pela esquina Augusta-Paulista, enquanto sintonizava alguma rádio, ouvi "Heroes". Algumas lágrimas escorreram. O dia não fora fácil; a luta que tenho nesses últimos dias também não. Não passei incólume ao verso We can beat them, just for one day.

Não fico imune à "Heroes". Não só à música, mas a todo o álbum homônimo, que dos discos de Bowie, é o mais intrigante; não é meu preferido dos discos do Bowie, mas é o que mais me causa pensamentos e lembranças. O lendário Brian Eno é o responsável pelos míticos sintetizadores que parecem atingir mais a espinha que os ouvidos que, junto com a linha de baixo positivista, marcam o álbum.

A "Heroes" que ouvi enquanto estava às 23h na rua Augusta não é a de Bowie, é uma regravação que o grupo nova-iorquino TV On The Radio fez para o projeto "War Child: Heroes", onde grandes intérpretes releem clássicos de Dylan, de Brian Wilson, do próprio Bowie, de The Clash etc.

Hoje, o álbum é relacionado ao desenvolvimento do que conhecemos hoje como música eletrônica, de sintatizadores e de bate-estacas - de "Beauty and the Best" a "The Secret Life of Arabia". "Heroes" já foi tantas vezes regravada, algumas versões muito boas, outras nem tanto; e entre os que já a regravaram estão Wallflowers, Oasis, Kasabian, Arcade Fire e tantos outros.

A canção fala da história de uma casal que se encontra e se beija ao pé do muro de Berlim, sob rajadas de balas que passam sobre suas cabeças. "A vergonha está do lado de lá", diz a letra.

É difícil dizer se Bowie ali é triste, se é cru, ou se apenas se utiliza de um fato real para fazer poesia com um momento particular que vivia, pois neste momento ele vivia na Alemanha Oriental, do "lado de lá" do muro. O outro lado ainda pouco conhecido. Mas o que tenho comigo é que a canção sintetiza alguma dor, sem dúvida, com aqueles, mais espaciais que terrenos, sintetizadores.

E ali diz que podemos ser heróis, ao menos por um dia...


"Helden" é a versão alemã de "Heroes".

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Três diamantes

Diamond Sea - Sonic Youth


Shine On You Crazy Diamond - Pink Floyd


Diamonds and Rust - Joan Baez

Inabalável são-paulinidade

Sucesso

O sr. K. viu passar uma atriz e disse: "Ela é bonita". Seu acompanhante disse: "Ela teve sucesso recentemente porque é bonita". O sr. K. se aborreceu e disse: "Ela é bonita porque teve sucesso".

(BRECHT, Bertolt. Histórias do sr. Keuner. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 38)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Achado

Gefunden

Ich ging im Walde
So für mich hin,
Und nichts zu suchen,
Das war mein Sinn.

Im Schatten sah ich
Ein Blümchen stehn,
Wie Sterne leuchtend,
Wie Äuglein schön.

Ich wollt es brechen,
Da sagt es fein:
Soll ich zum Welken
Gebrochen sein?

Ich grub's mit allen
Den Würzlein aus.
Zum Garten trug ich's
Am hübschen Haus.

Und pflanzt es wieder
Am stillen Ort;
Nun zweigt es immer
Und blüht so fort.

Johann Wolfgang von Goethe (1813)


Achado

Há pouco permiti-me
Fazer um passeio no bosque
E não procurar por nada,
Este era o meu desejo.

Mas, ali na sombra, vi
Uma flor plantada,
Cintilava como estrelas,
Como lindos olhos.

Desejei pegá-la,
Quando, gentilmente, ela dirigiu-se a mim:
Quer mesmo me pegar,
Só para me ver murchar?

Então levei-a a um jardim,
Com todas as suas raízes
Para contribuir com sua beleza
Em uma casa também tão bela.

Plantei-a novamente
Em lugar arejado;
Agora, seus ramos crescem
E florescem para mim, para sempre.

(Tradução de Marcelo Maia Torres)

sábado, 14 de agosto de 2010

"Tem que acreditar"

Há quase 10 dias, eu estava num ônibus quando o São Paulo Futebol Clube jogava a segunda partida pela semifinal da Copa Libertadores da América. São Paulo vs. Internacional. O São Paulo venceu o jogo, porém não se classificou à final. Pela regra da competição, o gol marcado fora de casa é o primeiro critério de desempate, quando a soma dos resultados dos jogos é de igualdade entre as equipes.

A perda da possibilidade de disputar mais um título da Libertadores é menor. Futebol, como outros meios, é entretenimento, pelo menos eu encaro assim. E a tristeza de um torcedor, muitas vezes, é compensada com gestos ou posturas emblemáticos de seu time do coração. O São Paulo este ano joga um futebol aquém das expectativas, mas, dentro de suas limitações, no jogo do dia 5 de agosto, demonstrou ao menos vontade de vencer. Isso somente não ganha jogo. Ainda que a equipe saia derrotada, o que não foi o caso, ou eliminada, há de fazer o seu torcedor se sentir consolado ao menos pelo espírito de luta.

Mas naquela noite há um fato maior que tudo isso que me fez reflexivo. No ônibus em que eu estava entrou um menino, de seus 10 ou 11 anos, vendendo balas, drops. O que é comum no Brasil, infelizmente. Depois de oferecer a bala para os passageiros que estavam sentados no ônibus, o menino parecia cansado, logo procurou o primeiro lugar ao seu alcance pra se sentar, que era ao meu lado. O menino, com a sua caixinha de drops no colo, se virou pra mim, cutucando o meu ombro, quando começou o nosso diálogo:

- Cê tá ouvindo o jogo do São Paulo?

- Sim.

Ele prosseguiu:

- Cê é são-paulino?

- Sim. E você?

- Eu sou também... Quanto tá o jogo?

- 2x1 para o São Paulo...

- Caramba, o São Paulo precisa fazer mais um, né?

- É... Mas tá dificil.

- Eu posso ouvir o jogo com você?

- Ah, pode... - e entreguei um dos fones de ouvido para ele poder acompanhar a partida.

Foram mais ou menos 20 minutos de jogo em que dividi o fone com o menino. Por um momento esqueci do jogo, e fiquei reparando nas expressões dele quando o São Paulo desperdiçava uma chance de gol ou quando era contra-atacado pelo Internacional... O menino parecia mesmo aflito.

O jogo ainda não havia terminado quando chegamos ao destino final do ônibus, quando o menino devolveu o fone, e me disse:

- Vamos acreditar, né? - e agradeceu por ter lhe emprestado o fone.

Eu só disse um tímido "de nada".

Quase onze da noite e uma criança vendendo balas no centro de São Paulo, de ônibus em ônibus. De algum modo fiquei fragilizado, mas o menino parecia não estar preocupado com coisa alguma.

Ali me parecia que desejava somente que o seu time vencesse, talvez para partilhar com alguém, consigo que ele era, em suma, um vencedor, porque o seu time havia vencido. Não sei das condições de vida do menino, nem de sua família, mas a minha ignorância e hipocrisia, fruto da desgraça cotidiana, foi estilhaçada naquele momento.

O menino embarcou em outro ônibus. Se não encontrou outro companheiro de viagem que divida o som do rádio, só deve ter sabido em casa ou no dia seguinte, na primeira banca de jornal, que o time dele não fez o placar que precisava.

Pensei no rosto do menino quando ele disse "tem que acreditar, né?"

Tive uma infância limitada, pobre, passei por apertos, mas nunca me faltou uma casa e eu não precisei vender balas nos ônibus. Espero, sinceramente, que este garoto continue acreditando, agora na força da vida, e que a realidade dele como homem seja bem diferente da que ele carrega enquanto menino.

Digo para mim: "tem que acreditar". Acreditar em algo bem maior que um jogo de futebol. Algo que me impele lembrar desse fato e que me faz esquecer tantos outros, que me empurra para algo bem maior, e que não posso esquecer.

sábado, 7 de agosto de 2010

Sia

Entre os meus mp3, reencontrei o de uma cantora australiana chamada Sia Furler, ou apenas Sia. Uma das canções que possuo tem também um clipe de uns 2 anos atrás, que é de um visual muito bonito.

Se podes ver, vê.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Argentinamento das coisas

Como parte do meu processo de argentinamento, assisti há algumas semanas o filme Rompecabezas (Quebra-cabeças). Uma belíssima surpresa. Ao mesmo tempo que é uma belíssima decepção. Decepção não pelo filme, mas por saber que filmes desse porte muitas vezes não entram, nem resvalam, nem tiram tinta da trave do circuito comercial. É mesmo uma pena. O filme tem recebido prêmios por aí afora. A direção é de Natalia Smirnoff.

Já no ano passado eu tinha lido a respeito desse filme, e assistido ao trailer. E a oportunidade de assisti-lo surgiu há algumas semanas no Festival de Cinema Latino-Americano. Bons filmes como esse, infelizmente, acabam restritos a "guetos", a um nicho.

Mas também, filme bom, que não seja de explosão, comédia, romance ou não seja de Hollywood, aqui é difícil vingar.

The Changeling

Um pouco de música na sexta de música.

O pequeno filme está legendado em espanhol.

Mudanças!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Será?

O fim de uma era de infâmia

por Luis Nassif

Diogo Mainardi está saindo do país. Na sua crônica, brinca com o medo de ser preso. É medo real. Condenado a três meses de prisão pelas calúnias contra Paulo Henrique Amorim, perdeu a condição de réu primário. Há uma lista de ações contra ele. As cíveis, a Abril paga - como parte do trato. As criminais são intransferíveis. E há muitas pelo caminho.

Há meses e meses meus advogados tentam citá-lo, em vão. Foge para todo lado. A intimação foi entregue na portaria do seu prédio, mas os advogados da Abril querem impugnar, alegando que não foi entregue em mãos. Tudo isso na era da Internet, quando todo mundo sabe que ele está sendo procurado para ser intimado.

A outra ação, contra Reinaldo Azevedo, esbarra em manobras protelatórias dos advogados da Abril. A ação prosperou porque colocada no Fórum da Freguesia do Ó - região da sede da Abril. Os advogados da Abril insistem em transferi-la para a Vara de Pinheiros.

Minha ação de Direito de Resposta contra a Veja vaga há quase dois anos, devido à ação da juíza de Pinheiros. Primeiro, considerou a inicial inepta. Atrasou por mais de ano a ação. Em Segunda Instância, por unanimidade o Tribunal considerou a ação válida e devolveu para a juíza julgar. Ela se recusou, alegando que a revogação da Lei de Imprensa a impedia - o direito de resposta está inscrito na Constituição Federal.

No caso da ação Mainardi-Paulo Henrique Amorim, ela absolveu Mainardi, alegando que as ofensas não passavam de mero estilo de linguagem que não deveriam ser levadas a sério. O disparate da sentença foi revelado pelo próprio TJ-SP ao considerar que o autor merecia uma condenação de três meses de prisão.

O problema não é Mainardi. É apenas uma figura menor que, em uma ação orquestrada, ganhou visibilidade nacional para poder efetuar os ataques encomendados por Roberto Civita e José Serra.

Quando passar o fragor da batalha, ainda será contado o que foram esses anos de infâmia no jornalismo brasileiro.

Fonte: blog do Luis Nassif. Postagem de 25/07/2010.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Não sou o que então eu era, mas ainda me é dado recordar

Até um tempo atrás, se algum cliente reportasse a mim dessa maneira:

- Por favor, você tem "O Aleph"?

Bom, eu, com um sorriso sorrateiro, ficaria feliz com a busca do cliente, afinal este era um daqueles que de vez em quando me deparava para partilhar algo interessante do mundo da literatura... Ah, eram outros tempos.

Hoje não sou mais vendedor de livros, mas sei que os vendedores de livros de hoje também sabem que se alguém pedir a eles "O Aleph" não será esse um predicado literário voltado àqueles que buscam boa leitura, pelo menos não somente. O Aleph, título do clássico livro de contos de Jorge Luis Borges, é o nome do novo livro de Paulo Coelho. Pois é.

Enquanto Borges foi gênio, de fato, Coelho se autointitula 'mago'. Pois é outra vez.

O livro de Borges é crucial para o que se denomina paixão pelo aprender, pelo saber, por ler, pela metafísica da vida. O título do livro de Coelho: eu não sei, soa uma ignomínia; não à Borges, mas à literatura como um todo.

O mago é 'imortal' 'e não sabe o que faz'. Ou sabe?

Diga-se, isso não é a primeira vez que Paulo Coelho infama Borges, ou sei lá coisa que o valha. Pois, em 2005, lançou o livro O Zahir, que, por coincidência ou não, é o nome de um dos contos do Aleph de Borges... e um dos melhores do livro.

Qual é a do mago eu não sei, mas costuma conseguir êxito no que intenta, talvez por isso seja mesmo um mago. A mesma academia que rejeitou Carlos Drummond de Andrade o acolheu de braços abertos, para o aconchego da câmara do chá das cinco... Politicagens: Getúlio Vargas também foi aceito pela academia. Me diga o livro de Getúlio ou a participação dele na cultura deste país? Necas. Getúlio foi eleito graças a uma edição, coligida na época, de seus discursos. Pela terceira vez: Pois é.

Populismo e magia à parte, é preciso considerar que Paulo Coelho é notável para aqueles que consideram a sua produção digna de nota, o que não são poucos. Mas me compadeço com Quintana quando dizem que Paulo Coelho é um mago; acreditam que ele é mesmo um mago, ele faz milagres, não é?

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!


Mas volto a Borges que por meio de uma simples descrição dizia muito.

Excerto de O Zahir (do Borges, tá?)

Em Buenos Aires, o Zahir é uma moeda comum, de vinte centavos; marcas de navalha ou de canivete riscam as letras N T e o número dois; 1929 é a data gravada no anverso. (Em Guzerat, em fins do século XVIII, um tigre foi Zahir; em Java, um cego da mesquita de Surakarta, que os fiéis apedrejaram; na Pérsia, um astrolábio que Nadir Shah mandou atirar no fundo do mar; nas prisões do Mahdi, por volta de 1892, uma pequena bússola que Rudolf Carl von Slatin tocou, envolta numa dobra de turbante; na mesquita de Córdoba, segundo Zotenberg, um veio no mármore de um dos mil e duzentos pilares; entre os judeus de Tetuan, o fundo de um poço.) Hoje é 13 de novembro; no dia 7 de junho, de madrugada, chegou às minhas mãos o Zahir; não sou o que então eu era, mas ainda me é dado recordar, e talvez contar, o ocorrido. Se bem que, parcialmente, ainda sou Borges.

(O Zahir, em O Aleph, de Jorge Luis Borges. São Paulo: Cia das Letras, 2008. Tradução de Davi Arrigucci Jr.)

domingo, 1 de agosto de 2010

Sintonia

Sintonia é algo muito importante. Entre pessoas, no meio familiar, no meio profissional. Ideias, empreendimentos... para tudo dar certo, devem estar em perfeita sintonia.

E não é em vão que falo desta boa ferramenta que faz com que tantos não pereçam à míngua, tudo por causa de uma rele e fina sintonia.

Qual não é a surpresa quando se assiste a um filme de Robert Aldrich e observa Joan Crawford e Bette Davis numa plena, controversa e ilibada sintonia. É de matar. Ou de morrer. Um filme que faz-nos ganir de raiva, ou rir de ódio com a risada macabra de Jane Hudson ao servir uma "iguaria" a Blanche Hudson, sua irmã.

Robert Aldrich sabe que é importante a sintonia, por isso escala Crawford para ser a desavisada e vítima irmã de Davis. Tudo absolutamente perfeito: sintônico!

O que terá acontecido a Baby Jane? é maluco, soberbo, indigesto, frio... e exuberante!

Tudo por causa da sintonia que nos é mostrada desde o início, e nos é vivificada no fim.

Que Deus salve os clichês, mas o filme é um esplendor, vil e tem uma sintonia...

Quem não o assistir não saberá por que e por qual razão fala-se tanto de sintonia ao ver Crawford e Davis lado a lado.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A vitória

A Espanha fez um bom mundial e merecidamente levou a Copa. Simples. Não é a máquina de futebol que todos agora dizem que é. Como é a campeã, virou moda dizer que a Espanha é a máxima expressão do futebol. Menos.

A "Fúria" é a melhor seleção de futebol dos últimos três anos, e isso é incontestável. Jogou menos do que podia na Copa, mas o suficiente para conquistá-la. É um selecionado competitivo, ofensivo, de bom toque de bola. E só. Os ibéricos não reinventaram o futebol, mas espelharam-se no que de melhor já foi produzido nele: a Hungria, de 1954; o Brasil, de 1970; a Holanda, de 1974... Mas ainda está bem longe destes esquadrões.

O bom de a Espanha ter vencido é que retoma-se com a sua vitória algo que ficou exemplarmente nítido principalmente a partir de 1954, com a Hungria do inominável Puskás. O futebol ofensivo e bonito pode ser vitorioso, ainda que a Hungria não tenha vencido aquela Copa. Pela tristeza do Brasil e pela alegria do futebol, o Brasil não venceu. Ainda bem.

Mediocridades a parte, a Espanha teve o equilíbrio necessário para tornar-se a legítima campeã, pelo fair play, pelo futebol. Quem gosta de futebol, já se cansou do jogo "de contra-ataque", dos volantes brucutus, das estratégias monocórdicas de se chegar ao gol: em vez de jogar no erro do adversário, desenhar os caminhos do acerto.

A vitória ou a derrota são os resultados do esporte. Ainda que se jogue lindamente e limpamente, a vitória poderá não vir. Vencer é ótimo, mas a proposta de como buscar os louros vale até mais do que a própria vitória. E as propostas corajosas ficam para a eternidade. A seleção de 82 ainda é mais lembrada que a de 94, ainda que a segunda seja a campeã; a maratonista Gabriela Andersen-Scheiss é mais lembrada que a vencedora, Joan Benoit, da maratona das Olimpíadas de Los Angeles, em 1984.

Corajosos, vitoriosos ou não, serão sempre dignos de mérito.


***

Mesmo sem nunca ter vencido uma Copa, as intenções dele o tornaram um dos maiores: Ferénc Puskás.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Um planeta tão pequeno

Certas vezes uma professora acadêmica uruguaia, em algumas de nossas conversas, fazia questão de "linchar" o seu compatriota Mario Benedetti, escritor que admiro muito. Benedetti faleceu em 2009. Mas antes mesmo de partir, romances e contos do uruguaio me fizeram rir e, por ventura, me fizeram verter lágrima, mesmo em dia feliz. Eu fazia questão de deixar claro para a professora que eu gostava do Benedetti, mas ela ressaltava que o escritor, em Montevidéu e em todo o Uruguai, era visto como um daqueles meros figurantes da cena literária uruguaia, vá lá da América Latina. Para mim isso nunca foi importante. Benedetti é grande, tal como Onetti, outro grande escritor na literatura uruguaia.

Ressaltava os dotes de Juan Carlos Onetti, escritor que Copacabana e eu conhecemos muito bem. E eu comigo: por que para ela Onetti sim e Benedetti não?

Dois fabulosos, dois grandes, únicos.

Pois é. Por que eu digo tudo isso? Não é por Onetti, nem por Benedetti. É por outro. É por Saramago. Na verdade, este texto não sairia agora, ou talvez nunca. Pois não quero fazer aqui algo que já ocorre mundo afora, falar de alguém só porque esse alguém morreu. Mas Saramago não é alguém. É que a morte de Saramago me lembra um pouco a morte de Benedetti. É lógico que Saramago, por ser um escritor agraciado com um Nobel e ser um escritor de nossa língua portuguesa tenha sua morte mais repercurtida nos jornais. Não é pelo Nobel, mas porque Saramago era quem era.

Em maio de 2009, com a morte de Benedetti, Saramago disse:

O planeta se tornou pequeno para abrigar a emoção das pessoas.

A poesia de Benedetti é um alento em dias difíceis, como a prosa de Saramago é um contínuo redescobrimento de uma língua e do jeito de pensar essa língua.

Os reacionários normalmente têm aversão às letras de Benedetti e Saramago, será porque os dois eram de convicções políticas de esquerda? O segundo mais radical que o primeiro. Mas as convicções políticas agora não são importantes. Importa saber que temos um material riquíssimo quando temos o livro de um ou de outro em mãos. É uma ferramenta e tanto para ajudar a fazer com o que o mundo possa abarcar melhor as emoções.

Lendo ambos, apreendi a consciência de sermos contistuídos de uma matéria infinitamente finita, tal constatação de Saramago me acorda de um sono difícil. Mas as palavras leves de Benedetti em meio a tormentas fazem com que a minha cabeça retorne ao repouso.

É mesmo: mais do que nunca, o mundo tornou-se ainda mais pequeno. Incontestável.

Benedetti era gigante e Saramago assim também achava. Quem sou eu para discordar do português? Fico com os dois.

domingo, 6 de junho de 2010

Os finais

O final de um filme é como o recomeço da vida. Nos desligamos da tela e voltamos a prestar atenção nas luzes, nas pessoas, no amigo, no amor que está ao lado. Alguém que dividiu uma alienação para uma outra vida que se passava na tela; uma vida em que as coisas são mais fáceis ou mais difíceis - conforme os roteiros e personagens - que a nossa.

Para que saiamos da sala de cinema com um ar de satisfação, com um sentimento de que aquela hora, uma hora e meia, duas horas, três que sejam, é preciso que o fim do filme seja bom, não necessariamente feliz, mas bom no sentido de "bem realizado", de "emblemático".

Há finais felizes que são uma tragédia, há finais tristes que são soberbos. O final de um filme tem que funcionar tal como uma aula para o que chamamos de vida real. Se aprendemos ou desaprendemos com esta arte é relativo, mas dali pode incorrer sonhos, desatinos, tristezas, alegrias, humores, amores, fome, cansaço e um rol quase infinito de sensações e sentimentos. Seja qual for o que lhe cause, a cena final de um filme deve despertar pensamentos ricos, saudáveis, inteligentes. É lógico que não só o fim do filme, mas todo ele deve ser assim.

É importante não confundir bons finais com finais complexos, porque alguns acreditam que um bom final de filme são aqueles em que o roteirista e o diretor trabalham para que o final seja quase como uma "teoria inversa às leis surrealistas sob a ótica romântica da relatividade". Esqueçam essa teoria que eu acabei de inventar, um final é sublime quando calcado na simplicidade, não quando "simplista"; quando faz-nos refletir sobre a mensagem, não quando pretende relativizar sobre o mundo e sobre todas as coisas que há nele.

É difícil falar e lembrar de finais de filmes marcantes. Foram tantos desde a infância, mas eu posso dizer que há alguns que me marcaram, como o de "Rainha Cristina", com Greta Garbo; o de "Paisá", de Rossellini; de "Os Incompreendidos", de Truffaut; o de "Nove Rainhas", de Fabián Belinsky; de "A Malvada", com Bette Davis; "Noites de Cabíria", do Fellini, enfim, tantos outros, que não vou conseguir lembrar de todos agora.

Mas há um final que é extremamente marcante para mim, como o de tantos outros, mas de uma maneira estranha, peculiar, única. Neste final não há diálogos, há um gesto (que eu não vou falar qual é) de extrema força, ainda que simples. O filme é "A Aventura", de Antonioni. O filme em si já é perturbador, um filme "anticlímax", por esta razão o clímax do filme será esperado pelo espectador até o fim, o "grand finale". Quem já assistiu ao filme, sabe do que estou falando, e quem não assistiu entenderá quando assisti-lo.

O filme de Antonioni é só um exemplo entre tantos que eu poderia utilizar; a força de "A Aventura" é muito mais do que poderia supor quando o vi pela primeira vez, por esta razão utilizo-o como exemplo. Mas finais de filmes podem ser marcantes, podem ser chatos, pois são tantos os filmes que lembramos por ter sido bons, mas com finais chatos, e dos tão ruins com os seus finais tão bons (isso quando há paciência de se esperar o fim de um filme ruim). Em mais de um século, já se fez tanto no cinema; tantos créditos, atores, personagens, vidas, espectadores marcaram ou foram marcados, com os filmes de seus intangíveis finais. É muito coisa para um texto pequeno num blog perdido no Cone Sul.

Algo parecido acontece com os romances; no entanto não concluimos a leitura de um romance em 90 minutos. Por esta razão, por questões de tempo e paciência, é muito mais fácil terminamos um filme ruim, do que um livro ruim.

Bem, independentemente do final desse ou daquele filme, o legal é que, de alguma maneira, os destinos de personagens, a conclusão dramática, o diálogo final de um filme, de uma peça, de um livro, sejam sempre enriquecedores, no que se refere à vida que levamos fora da representação: a vida de obrigações, de problemas, das contas a vencer etc. Se o final de um filme não é feliz, não é o mais importante; importa sim que o final de um filme seja um pequenino recomeço, ainda que em um milésimo de nossa constituição, para a vida que retornamos quando são acesas as luzes do cinema.

A vida segue e outras nos esperam nas próximas sessões.

sábado, 5 de junho de 2010

1970

Eu viria em uma encomenda 9 anos depois, embalado pela Lei 6.683, a da Anistia, promulgada 11 dias antes de eu nascer. A ditadura perdia forças, mas ainda ecoava em todos os setores da sociedade brasileira. E quando se fala em ditadura, não há como ignorar o ato mais repressor desse período - o AI-5, que cerceou todo e qualquer resquício que ainda houvesse de liberdade e de direito de opinião. O Ato Institucional n° 5 foi decretado 11 anos antes da encomenda de meus pais que viria a ser eu; e um ano antes daquilo que costumamos hoje qualificar (e ganha força em época de Copa do Mundo) como o mais representativo "futebol arte": o escrete canarinho que viria a encantar o planeta com "manobras" realizadas com os pés.

Pois é, e quando se fala daquela seleção brasileira de futebol, é impossível indissociá-la dos tempos sombrios por que o país passava, vivia. Mas para os ultrajantes governantes deste continente "Brasil", a esquadra futebolística brasileira era a sua melhor propaganda, o seu maior símbolo - o de um Brasil vitorioso, progressista, combativo, guerreiro, forte e bonito.

Sabe-se que o povo brasileiro, a começar pelos nossos ancestrais colonizados pelos europeus, é tudo isso e mais um pouco, mas a propaganda - meio de comunicação aprimorado pelos nazistas, era agora uma arma ou uma aliada para usá-la junto à massa pelos governos populistas, para justificar tamanha reprimenda e limitação, e assim no Chile de Pinochet; no Paraguai de Stroessner; na Argentina de Videla; na Cuba de Batista; no Uruguai de Bordaberry; e no Brasil de Médici, apenas para ficar nas Américas.

Política e tirania à parte, quando nos deparamos com as pessoas, grupos, que faziam da arte e do esporte algo muito maior que não se restringe aos seus respectivos campos artísticos e esportivos, observamos que o panis et circenses infringe a sua própria razão e existência, desde a Antiga Roma.

Muitos indivíduos tiveram sua individualidade e vida corrompidos, num tempo em que era comum ouvir Beatles no rádio, ou no long play, porque eles não eram a história que fizeram, eles eram a história que faziam. Elvis, Warhol, Hitchcock, Morrisson, Kerouac, Pelé, Bardot; Woodstock, Nouvelle Vague e tantos outros marcos que compunham aquela era, que poderia ser a minha, mas os meus pais eram ainda muito jovens e não se conheciam.

Personalidades e fatos que hoje estão nas milhões de memórias que os presenciaram, e no video tape. Mas o video tape só reproduz as imagens, enquanto as pessoas ensinam o quão foi bom viver aquilo.

Tudo grande, majestoso, como se todos, apesar das limitações impostas pelos generais, entendiam cada segundo como a grandeza suficiente para uma coisa maior - "a celebração" -, como se um breve momento, rápido e fustigado que fosse, já brindaria à vida, que não se sabia até onde poderia durar. Ou até onde poderia haver encanto, e por isso encantaram.

Até os dias de hoje, nada disso pereceu.


Não é preciso gostar de futebol para gostar de ver "o jogo".

sábado, 15 de maio de 2010

Tarde de Maio

Me pergunto sobre tudo, sobre o mundo, sobre as coisas e pessoas que me cercam. Há algo de não finito e de tão bom em tudo, que não me faz ter a ideia de que sou perecível. Tenho um prazo de validade. Vou até um instante. Depois, haverá outros instantes que não serão válidos para mim; que já não serão demais para mim. Eu serei uma memória, ou duas memórias, ou infinitas memórias - todas alimentadas com o instante que estive aqui neste plano sublime, ordinário e maravilhoso.

Se tudo é então finitude, que eu me acabe de uma vez, transformando-me em coisas de bem, como em palavra ou em espelho de uma canção.

E como nada é tão estupendo que possa viver para sempre, é tão inalcançável como beijar a própria nuca, entendo que eu sou mais um que lê, e relativiza leituras, de contos, novelas e poesias. Em um minuto para sempre, nesta tarde de maio.

Marcelo

***


Tarde de maio


Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não perceptível, e tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh´alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza
sem fruto.

Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa...
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.

Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência de resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.
E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nunca houve testemunha.

Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.

Carlos Drummond de Andrade

("Tarde de Maio" encontra-se na segunda parte (Notícias Amorosas) de Claro Enigma, de 1951)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Arranjos de Ismael

Uma noite que se estendeu além das horas que cabiam ao sono, que o corpo de Ismael devia à sua mente. Sábado de Aleluia, ou Sábado Santo, precisa se aprontar para a Ressurreição, não à Insurgência dos que não têm fé. Ele tem fé. Tem a tarefa de desarmar um pelotão e outros homens que não acreditam nele e no que pode e no que já elaborou, já fez.
Alguma incoerência, meus senhores? Eu não sei. E não partilho nada demais de Ismael porque temo, desconfio, não sei o que pode me acontecer se cada vez mais externar as coisas, os casos, os acontecimentos, e a ausência de tantas outras que compõem este indivíduo.
Mas é Sábado Santo, ensaio minha Vigília Pascal, que não é senão a de mim mesmo.
Ismael em prece: O Senhor está no meio de nós!
E o seu Senhor é o avante não mais forte do que o seu coração, guiamento da voz seca encrostada na garganta, que pede uma amizade, uma bondade e o entendimento do amor.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Songs for Lulu

Rufus Wainwright (fonte: site oficial)

Rufus Wainwright, além de grande cantor, é compositor sensível, sem pieguices ou melações que são encontradas por aí como as que vemos sendo vendidas em hortifrutigranjeiros ou em grandes supermercados, na gôndola que deveria ser a de mel e açucarados em geral. Talvez, por isso, Rufus seja um dos artistas mais procurados para elencar trilhas sonoras de filmes e seriados, pelos estadunidenses e pelos europeus, mesmo sem que o cantor faça parte do grande stablishment da música, ou seja, do mercado e da feira das vaidades que norteiam este meio e tantos outros de nossa vida "contemporaneazinha".

Se atento, pode-se encontrar referências diversas nas letras de Rufus, especialmente de literatura e de cinema. Tais referências, nunca são gratuitas ou sem algum significado e, muitas vezes, servem para explicar um episódio de sua vida, em outras servem para filtrar a sua dor ou dividir a sua alegria, enfim, trabalhar a dualidade de ser artista e de ser um indivíduo que diariamente tenta aprender a lidar com as suas questões essenciais, a eterna conjunção entre dor e arte: a segunda tentando explicar a primeira ou a primeira tentando justificar a segunda. Não que para se fazer arte necessariamente é preciso que haja dor, mas a associação destas, até nos temas alegres e pastoris, em muitos casos, é irrefutável.

Bem, tudo isso só pra dizer que o cantor acaba de lançar um novo álbum: All Days Are Nights: Songs for Lulu. Um álbum mais intimista que os demais, composto de uma beleza um pouco triste, mas não ruim, porque, ainda que a felicidade seja preconizada por nós, indivíduos "modernos", em algum momento de nossa formação a tristeza nos faz bem. O que não é bom é quando este sentimento tende a perdurar mais que uma estação e então abre um vazio que "cutuca" as questões existenciais que abrem espaço para outras questões, as do valor de "se viver", de "viver-se". O álbum de Rufus é bonito, não é triste, pra ficar no "mais do mesmo".

A leveza dos álbuns anteriores aqui dá lugar a uma seriedade e introspecção não vista no trabalho de Rufus Wainwright até então. O cantor perdeu a sua mãe em janeiro, a cantora Kate McGarrigle. E essa perda implica renovação ou estabelecimento de conceitos antigos deixados de lado por desconhecidas e inúmeras razões, mas Rufus estabelece um marco na sua carreira e na sua vida, porque as coisas seguem, apesar das tristezas e dores fazer-nos entender que seria preciso parar o mundo por alguns instantes. Pelo menos o tempo necessário para que as nossas ideias entrem outra vez nos eixos.

Conhecendo a discografia de Rufus Wainwright, talvez nenhum disco de sua coerente carreira tem uma "aura" tão autoral como o que é lançado agora. Rufus parece abrir-se para dilacerar assuntos que de tão pessoais, parece um trabalho de assentar os conflitos internos, tal qual um bardo o faz quando senta pra rasgar no papel sua poesia, ou pra ratificar a falta ou excesso de esperança no mundo que Deus lhe confiou; e o bardo não entende tamanha a confiança de Deus em sua possibilidade de velar um mundo com as palavras que maquinalmente são trabalhadas por ele, são desintegradas, transformadas, lapidadas e aparecem vez e vez, repetidas, encardidas, cansadas, renovadas para compor o repertório do poeta, que Deus nomeou como embaixador. E Rufus não é embaixador de coisa alguma, ou porta-voz de ninguém, a não ser de si mesmo, pelo menos é o que fica evidente ao ouvir qualquer uma das faixas de seu novo disco.

Este novo trabalho é não só uma terapia para o cantor, mas também parece estabelecer o fechamento de um ciclo ou de ciclos de sua via pessoal que reverberam no seu trabalho e na caracterização dele, indivíduo Rufus Wainwright.

Rufus voltou a morar em Montreal, no Canadá, depois de um tempo morando em Nova Iorque. Este período, além de ter lhe trazido amadurecimento artístico, deixou marcas profundas, de tamanha força que o fizeram voltar a pacata, se comparada a megalópole estadunidense, Montreal, cidade onde passou toda a infância, embora seja nova-iorquino de nascimento.

A faixa que abre o CD é "Who are you New York?", levantando indagações deste período na cidade que já não reconhece; a terceira faixa, "Martha", é uma homenagem a sua irmã Martha Wainwright, que acabou de ter um bebê; homenagem como seu pai, o cantor folk estadunidense Loudon Wainwright III, já fizera certa vez, ao compor a canção "Pretty Little Martha".

É o CD em que Rufus mais trabalha o piano. Não há outro instrumento a não ser o piano e a voz do cantor, nas 12 faixas do disco recentemente lançado no Canadá, no dia 25 de março; na Europa no dia 5 de abril - ainda tem pouco (ou quase nenhum) material de divulgação. Esse disco não combina com clipe, mesmo. Os estadunidenses o terão nas prateleiras de suas Mega e Mini Stores apenas no dia 20 de abril, logo depois do dia do Índio, aqui no Brasil. Ainda não há previsão do lançamento do álbum de Rufus pelas terras dos Índios do Brasil.

Pela coesão e coerência de seu trabalho, um disco de Rufus Wainwright é sempre bom de ser ouvido, independentemente do estado de espírito do cantor, porque arcadista, parnasiano, moderno ou romântico, Rufus e a música constituem um signo e junção cada vez mais raro nas artes.

Na falta de clipe do novo CD, segue uma canção do disco anterior, Release the Stars, onde ele já aponta insatisfação com a "América":


domingo, 4 de abril de 2010

St. Vincent

A estranheza passa. A minha na segunda audição. Sons etéreos, confusos que no embaralhamento das notas, dos instrumentos ficam bonitos. Minha definição para a música de St. Vincent, "projeto" da cantora estadunidense Annie Clark.

St. Vincent - Marrow




St. Vincent - Actor Out of Work





St. Vincent - Laughing With a Mouth of Blood

sábado, 27 de março de 2010

Cores de Almodóvar

Sofisticado e popular, Renato Russo canta sob a luz das cores de Frida Khalo, Almodóvar, e entoa desvarios que um livro de Henry James não narra; sob a prenda do amor melodias e notas que, como as de Pixinguinha, carinhosamente, afagam.

Cores de Almodóvar



Louco



Carinhosamente

quarta-feira, 24 de março de 2010

Quiprocós para relaxar

Divulgação

A "Santa Ceia"


Com alguns dias de atraso, registro as minhas considerações sobre o novo filme de Fatih Akin - Soul Kitchen - que estreou na última sexta-feira.

Digo "alguns dias de atraso" porque a impressão deixada pelo filme me deu vontade de escrever sobre ele logo que saí da sala. Me espantou um pouco, numa sexta-feira, dia de estreia, o Unibanco Arteplex Frei Caneca estar "vaziinho", com pouquinhas pessoas por lá, para assistir um filme que levou o prêmio do júri do Festival de Veneza de 2009, e foi um dos mais comentados e também considerado como um dos mais queridos da 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, quando então recebeu ótimas avaliações da crítica especializada e do público.

Primeiro, o filme tem o motivo da gastronomia de fundo, e Fatih Akin faz questão de trabalhar esse assunto de um modo não usual, com uma despretensão que o faz, de fato, não ser um filme sobre comida e, por isso, pela forma despojada com que trabalha o tema, desvia-o dos clichês e dos estereótipos em que filmes desta temática costumam derrapar e, algumas vezes, nos enjoar. Há ótimos filmes que têm a comida como motivo principal ou coadjuvante, dentre eles eu me recordo e destaco O Anjo Exterminador, A Festa de Babette, Estômago, Ratatouille, Sideways, Os Cinco Sentidos, Marvada Carne, e por aí vai...

Soul Kitchen não lembra nenhum deles, ou melhor: lembra todos, mas só no que há de realmente bom nestes filmes. Isso, todos. Um filme, seja ele bom ou ruim, ao se entrever na temática que apetece aos nossos estômagos, estereótipos e modelos costumam povoar o gênero, tais como paixões alucinadas por meio do garfo, casais românticos embriagados, viagens gastronômicas, cozinhas afrodisíacas, road movies pelas estradas dos bandejões etc.; mas a virtude de Soul Kitchen está na ausência desses, digamos, "estratagemas", porque Akin, diretor prestigiado e conhecido pelos seus excelentes dramas, também premiados (Contra a Parede - Urso de Ouro no Festival de Berlim, e Do Outro Lado - Melhor Roteiro no Festival de Cannes), não segue nada disso, melhor, nos faz rir e encará-lo sem seriedade, por isso qualquer apresentação que eu venha fazer não fará jus ao filme, porque ele é povoado por improbabilidades partindo-se de uma ideia simples e sem alardes.

Portanto, o filme é uma daquelas boas criações feitas para relaxar e descontrair com um universo de quiprocós sem fim, ou quase sem fim. Os quiprocós são a razão de ser de Soul Kitchen. E faço questão de não me ater a detalhes do enredo para que o interessado em assistir ao filme nos cinemas possa ter a espontaneidade de receber as situações vividas pelo protagonista Zinos (vivido por Adam Boudouskos, que com Akin também assina o roteiro), dono de um restaurante em Hamburgo, Alemanha, da forma mais natural possível. O restaurante, de início, é quase um botecão onde, de início, o grande prato da casa é Hambúrguer com Fritas. Que diferente, e original, não? Bem, diferente fica a coisa quando o irmão de Zinos, vivido pelo excelente Moritz Bleibtreu, sai da cadeia em regime condicional.

Além do clima relax e de momentos recheados de boas estupidezes, os trunfos do filme são outros dois, que digo ser fundamentais: o elenco e a trilha sonora. Além de Bleibtreu, - um dos melhores atores alemães da atualidade - e Boudouskos - que para mim foi uma grata surpresa - está no elenco Birol Ünel, (excelente!) e Demir Gökgöl (cômico) - ambos estrelaram Contra a Parede - e outros que compõem a salada greco-turco-alemã que é o filme.

A música é o que amarra todas essas coisas, dando um tempero a toda a mistura. A seleção das canções é ótima e dispensa comentários, pois agrega música grega (juro que a rima não foi proposital) a muito bons embalos de soul e funk (é prudente lembrar que o funk aqui não é o carioca, certo?, mas o bom e autêntico som propagado por James Brown). Para quem já assistiu algum filme do diretor Fatih Akin, sabe que a trilha sonora é algo com que ele trabalha com muita acuidade, porque, de algum modo, a trilha sonora, pela intensidade e presença em seus filmes, é um dos principais personagens e fatores para ditar a força dos temas e dos personagens; e ainda funciona quase como um narrador da história, com uma carga de emoção que só é possível corresponder por meio da música.

Com tudo isso, pude perceber, sob o ponto de vista do diretor, que Soul Kitchen não é só um passo diferente de um diretor conhecido pelos seus dramas, mas também funciona como um "muito obrigado!" de Fatih Akin à sua cidade natal, Hamburgo. Durante o filme, pode-se verificar que, vez ou outra, o diretor mostra lugares que são os símbolos da cidade alemã que acolheu os pais vindos da Turquia, onde Akin passou a infância e aprendeu os ensinamentos da vida, tendo que enfrentar problemas que hoje são seus maiores legados - as identidades turca e alemã.

Fatih Akin é alemão de nascimento; e turco de coração, e não à toa, que o restaurante do protagonista, que nomea o filme, tem soul (alma) no nome. Por meio dele, do restaurante de Zinos, Akin quer nos mostrar que todos nós somos providos de uma essência, e essa essência reside em nossas paixões ou em nossas vocações, como será bem percebido no desenvolvimento do filme: a cozinha, como todas as outras coisas, precisa ter uma "alma", uma essência para funcionar.

A estrofe abaixo é de uma canção dos Doors, homônima ao filme (ou será o filme homônimo à música?):

Let me sleep all night
In your soul kitchen,
Warm my mind
Near your gentle stove.

Turn me out and I'll wander, baby,

Stumblin' in the neon groves.


Em tradução livre, é:

Deixe-me dormir a noite inteira
Na cozinha de sua alma,
Aquecer minha mente.
Em seu doce fogão.
Ponha-me pra fora e ficarei vagando, baby,
Cambaleando pelos bosques de neon.


Esses versos talvez expliquem alguma coisa do que foi dito, ou nada. As durezas, dificuldades e comicidades do filme podem ser resumidas no ato em que a agulha toca os sulcos do vinil e dá som à comida, à arte gourmet; comida é o combustível do corpo, tal como o coração dá energia a alma.

Soul Kitchen não tem a pretensão de explicar algo que tantos já tentaram - artistas, psicólogos etc. -, mas não conseguiram ainda uma definição aproximada do que é "alma". E é justamente por não pretender que o filme é bom. E vale esperar até o fim dos créditos.

domingo, 14 de março de 2010

Novas

O ano não começou. A sintonia capturada pelas antenas de minha percepção diz que o ano-novo é muito velho, passado, tal qual um senhor já de idade avançada, e que mal apara a barba que alcança o peito. Esse velho senhor tem algo a me ensinar? Esse jovem já velho pode me dizer novas, e falar sobre livros velhos e filmes antigos e histórias caducas, esperados também por uma plateia sedenta por novidades?
Mas como tudo isso pode acontecer se as novidades calham de ser as velhas coisas conhecidas, as mesmas que passaram em algum momento por mim, e não as percebi - estava então distraído - que eram coisas novas que se tornariam velhas, mas com um jeito velho demais para serem coisas novas?
"O que esperar das coisas novas já envelhecidas e das velhas ainda novas?", pergunto, quase como um sussurro, ao senhor-quase-jovem. Esse senhor, que não é bem um senhor, mas tem cara de senhor, embora seja ainda um jovem de idade avançada, dá um sorrisinho sorrateiro, coça o queixo enroscando os dedos nos fios da barba espessa e suspira, "Bem, menino, espere tudo, inclusive o que não é esperado", e silencia por uns instantes, e imagino que sua fala, quase gutural, termina ali, quando é chegada a hora de ele seguir um novo rumo, só para não ter que responder questões enfadonhas como a minha, principalmente para um jovem-senhor que é um senhor-jovem, mas ele prossegue com aquela voz cavernosa, "Mas tudo com uma dose de paixão; assim, aí, nenhuma espera, por mais longa que possa ser, será em vão."
Penso um pouco. Tento entender a mensagem daquele menino com cara de velho. "Esperar o não esperado"? Como assim? Confesso que fiquei intrigado, aborrecido, pois eu esperava do senhor-menino alguma resposta que pudesse me ajudar a desemaranhar as linhas do meu pensamento, que anda muito confuso com o passar do tempo, com o passar da minha juventude que vai envelhecendo enquanto minha velhice rejuvenesce; mas o senhor-jovem me deixou sem entender patavinas, fiquei mais lelé.
"O tempo é senhor", é o que ouço. "O tempo segue", é o que sinto. Nada li, nada vi, apenas apreendi pelo espírito, por tudo que aquele senhorzinho-menino me ensinou. E continua. "Ele é voraz." O tempo é o tempo, e é a imensidão que a vida acolhe, sem indagações. A partir disso, posso entender tudo, ainda que não venha a aprender nada.




Sigur Rós - Hoppípolla

Acesse o link a seguir, para assistir ao vídeo em uma melhor resolução:

http://www.youtube.com/watch?v=4L_DQKCDgeM

terça-feira, 2 de março de 2010

O camisa 10 da Gávea




Estou no solo onde o esporte bretão se desenvolveu como em nenhum outro. As minhas cores são três - vermelho, preto e branco. No entanto, não é de Friedenreich, Leônidas (O Diamante Negro), Dario Pereira de que venho falar. Nenhum daqui das cercanias paulistas. Mas lá da Gávea, em terras fluminenses. De um Galinho de Quintino que se tornou o maior ídolo da apaixonada torcida do Flamengo. Quem gosta de cinema e futebol se embebeda assistindo ao Canal 100, onde um rapaz franzino desfilou um modo de jogo ímpar na futebolização do Brasil, na futebolização de todos os futebóis. Uma cornucópia que enchiam olhos, bolas, gramados e estádios. Ângulos até então ainda não explorados pelas transmissões comuns de televisão juntavam algo como um "balé futebolístico" apresentado nas suas nuances, detalhes aliados a uma narração dramática, romântica. Assim era o futebol que eu não vi e de que sei apenas através dos documentos midiáticos, arquivos e as imagens antes quase inacessíveis que a web nos regala. E o "Galinho" tem agora uma estátua no Maraca, um voleio reproduzindo as lembranças de suas peripécias no gramados.

E Jorge e Zico, o que dá? Jorge, a poética do canal 100 e Zico canalizam o enredo de uma herança de uma melancolia herdada dos lusitanos, nostalgia que nos dirá que o passado sempre será melhor que o futuro. E vemos "o jogo". Vencemos "o jogo"?

Às imagens não há expiação; ao jogo ainda menos, e o que não transcende perece no mero documental. Os milhares de indivíduos aplaudem: não se rendem, ainda que seja a rede de sua agremiação a estufada.

***

É falta na área. Adivinha quem vai bater?

sábado, 27 de fevereiro de 2010

I am the walrus

Eu não sou uma morsa, mas, muitas vezes, sou um pouco confuso, tal como a dupla Lennon-McCartney em suas letras, só que a minha confusão não tem tanto talento assim.

Estava lendo roteiros e documentos de cinema, quando olhei para minha estante e, do nada, parei a pensar, e me chamou a atenção - entre os tantos livros de cinema ali - um branco, grande, destoando dos demais, o The Complete Beatles Recording Sessions (The Official Story of the Abbey Road years 1967-1970), de Mark Lewisohn. Peguei a ler e o abro, involuntariamente, nas páginas 122 e 123, onde há as informações do início das gravações do "Magical Mistery Tour", em 1967.

Ao ler esta parte do livro, recordei e aprendi: o ano de 1967 é marcado por ser o ano de lançamento do considerado melhor disco dos Beatles, o "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", e também pela morte do mentor intelectual e comercial do grupo, Brian Epstein, que ocorreu em 27 de agosto daquele ano; e o grupo começaria as gravações do álbum "Magical Mistery Tour", a trilha sonora do filme, especialmente, a canção "I am the walrus", em 5 de setembro de 1967, data em que o glorioso Gentil Batista Maia completava 53 anos. Faltavam ainda doze anos e 3 dias para que eu viesse ao mundo.

1967 leva-me a um passado remoto, de lembranças confusas, mas bonitas em sua maioria. Me lembro das roupas de Paul, John, George e Ringo, na West Malling, como se lá tivesse estado. Mesmo sem ter nascido eu já carregava lembranças.


The Beatles - I am the walrus

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Wilson Martins

Este blogue não pretende transformar-se num obituário, não mesmo. Mas, assim como lembrou da despedida desse plano por parte de Salinger há algumas semanas, não há como não falar de outra pessoa que contribuiu para que a literatura não fosse uma coisa chata, como tantas que há no mundo.

Me refefiro a Wilson Martins, pois é difícil que nenhum estudante de literatura ou apaixonado por esta arte aqui no Brasil - e em diversos lugares do mundo - não tenha ouvido falar dele. E seria se o lessem, se não é pedir demais. Mas eu acho que é pedir demais. Não costumo e não gosto de ater-me a superlativismos, mas Wilson Martins é, sem sombra de dúvidas, o maior crítico literário que este país já produziu. E olha que, embora nosso país ainda não tenha cultura de produzir formadores de opinião em grande escala, aqui nasceram Antonio Candido, Ivan Junqueira, Afrânio Coutinho, Antonio Carlos Secchin, João Adolfo Hansen, Raimundo Carrero, Silvio Romero, Alfredo Bosi, Gilda de Mello e Souza, Roberto Schwarz e muitos outros.

Wilson Martins deixa uma obra vasta, para os futuros escritores e pensadores de nosso país, o que esperamos que sejam muitos. Em sua última fase como professor, lecionava literatura brasileira na Universidade de Nova Iorque. Autor da grandiosa História da Inteligência Brasileira, obra com a qual ainda não tive contato. Mas foi por outra obra de Martins que aos poucos descobri a relevância de seu trabalho e o seu papel: Crítica Literária no Brasil. Considero o seu trabalho heroico, porque ser professor, não guardar o conhecimento adquirido para si e ser portador do conhecimento que tinha num país como o Brasil, considero que indivíduos como ele possam ser chamadas de heróis. E como o bom brasileiro que escolhe esse caminho, tinha pouco espaço por aqui, pouca visibilidade, ainda que o seu trabalho fosse tão grande e de muitos resultados, coisa que não se vê de alguns que se intitulam intelectuais e recebem todos os espaços possíveis nos meios midiáticos nacionais.

Martins rolou a bola para que outros a chutassem; e nós, jovens ou não, testemunhamos dias em que a cultura brasileira, em especial a literária, precisa ser melhor trabalhada junto aos jovens e adultos para que, através dela, estabeleça senso de crítica e de afirmação. A arte literária é, antes que só a dualidade ficção/realidade que se transporta ao papel, é o uso que se faz dela; portanto, é instrumento de libertação. Estou aprendendo ainda, e tenho tanto por ler, por ver, por testemunhar nesta arte que Wilson Martins, como poucos no Brasil, deu forma e transformou.

A literatura é caracterizada no trabalho de Martins com uma das ferramentas que nos auxilia no entendimento de nossa época. O nosso próprio entendimento.

Faz falta.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ele, o amor

"(...) amor, me dizem, é algo tão medieval, antiquado, velho, sem cor, desbotado pelo tempo".

Volto alguns posts para encontrar a frase que deixei registrada em 21 de dezembro do ano passado, há exatos dois meses. Me parece que todas as coisas são, de alguma maneira, regidas pela égide do amor; o homem em seu íntimo tende a refletir os seus passos, a sua história com um lirismo que tem como alicerce o que denominamos por "sentimento puro". Até mesmo histórias e eventos que nada pareçam relacionar-se com o que julgamos ser o mais nobre dos sentimentos.

Em meio às selvagerias sociais e outros desequilíbrios provocado pelo homem - e não é de hoje - procuramos, por meio da fina sintonia que o pensamento ocidental dá ao significado de amor, algo que nos dê a redenção, e tal redenção se apresenta, muitas vezes, como aquele pote de ouro que dizem que há numa das pontas do arco-íris: na causuística de um destino infinito ou inexistente.

Com ou sem amor, estamos longe do que qualificamos de pureza. A pureza é um estrato inatingível, inexistente principalmente na qualificação mais simples - e não simplória - dos verbos "gostar", "amar", "apaixonar", todos sintagmas verbais que pedem um grau de impureza para que possam funcionar.

Caro leitor - adoto uma metalinguagem pueril, mas honesta -, o começo do texto serviria para a introdução de uma história de amor que é uma das mais belas do cinema, realizada por um dos melhores e mais controversos diretores franceses: Claude Lelouch.

Lelouch não é o queridinho da crítica cinematográfica internacional (eu não sou crítico, sou amante do cinema, portanto dane-se a crítica), e muitos compram a ideia feroz do que um grupo ou um segmento de pessoas diz, acatando como a maior das verdades, como a vertente de que as temáticas dos filmes de Claude Lelouch são estritamente superficiais, fincando-se com primazia nos alicerces que viabilizem, basicamente, o sucesso comercial de seus filmes.

Eu gostaria de poder falar de todos os filmes de Lelouch que até o momento pude assistir (que foram poucos) mas prefiro ater-me, indicar-lhe que assista, por razões lógicas, a um de seus filmes: Um homem, uma mulher.


Um homem, uma mulher - Claude Lelouch

A razão disso é que nesta semana assisti ao filme O segredo dos seus olhos, filme que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Trata-se de uma produção argentina, cujo diretor é um dos maiores expoentes do que se produz de película na região do prata: Juan José Campanella. A cena da estação de trem desse lembra muito a daquele filme.

Campanella e Lelouche, mesmo com um jeito enviesado de compor uma história, ambos, em seus filmes, se estabelecem na premissa do amor, sendo que o filme de Campanella ainda recebe uma aura detetivesca, policial, que em muitas vezes nos faz perder o fôlego, como no espetacular plano-sequência de uma perseguição num estádio de futebol. O papel de Ricardo Darín (como Benjamín Espósito), um dos grandes atores argentinos (e é quem dá o tom do filme) lembra o Sam Spade de Dashiell Hammet, de o Falcão Maltês, mas mais burocrático, apaixonado e saudosista. A diferença maior é que Espósito é um mero contabilista, que em todo o filme tenta recontar a sua história, por meio de memórias e de de um romance que há muito tenta concluir. Como se tudo isso pudesse resgatar o tempo que passou e o amor contido por sua chefe, a belíssima Irene (Soledad Villamil), pudesse então ser resolvidos (ou dissolvidos).

Com fino humor, o filme se desenvolve através de flashbacks para contar a história de amor de Espósito por Irene; e o filme não se perde, o que faz com que o espectador fique atento ao desenrolar do que é contado, e nada é óbvio, evidente, e devido à sua objetividade não tarda a atingir o espectador em cheio. Enfim, é um filme que não causa bocejos.

Este era pra ser apenas um "relembramento", e acho que estendeu-se até demais. Mas Lelouche e Campanella precisam ser vistos, porque o amor ali é tão comum, tão cotidiano, que nem parece obra de ficção, parecem histórias que, de alguma maneira, vivemos e testemunhamos com os olhos longe da tela, e sem as mesmices e clichês tão normais dos filmes que querem falar de amor, de paixão. Nos filmes, há muito mais do que um sentimento, mas um misto de alegrias e frustrações, nos quais nos identificamos em meio a risos e perplexidades de histórias que falam de corações apaixonados. E paixão pode até parecer demodé, mas nunca sai de moda.



O segredo dos seus olhos - Juan José Campanella

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

J.D. Salinger

Hoje, o mundo despede-se de um indivíduo recluso, avesso a todos aqueles que buscam saber mais sobre o que o faz ser quem ele é: o que ele escreveu.

Mas Holden Caulfield continua. Atormentado, ainda aguardando uma resposta sobre as coisas mais elementares da vida - mal ele sabe que a resposta é a própria vida. E é vida, no âmbito material, que Jerome David Salinger agora não é, mas, mais do que nunca, é pura literatura, ainda que esta confunda-se com a vida de maneira a deixar-nos confusos e não saber o que é uma e o que é outra.

No seu rancho, do seu rancho, por seu rancho Salinger nos apresentou a perturbância de Holden Caulfield, e como essa não cessaria, a não ser com a abstinência do que citei: vida.

Como diz Otto Maria Carpeaux, "as obras de vanguarda apenas são lidas pela vanguarda". Pois Apanhador no Campo de Centeio (Catcher in the Rye) começou assim, com uma tiragem limitadíssima antes de ser descoberta - tal qual outras da literatura norte-americana e mundial - como uma joia. Agora, o campo de centeio espraia-se para o vasto espaço em corações que ainda tentam suprir uma carência que eles mesmos ainda não sabem qual é.

No meu modesto conceito, o Apanhador é muito menos do que dizem e muito maior do que propriamente é. Um "romance da inocência", parafraseando novamente Carpeaux.

Sigo o curso das páginas, de uma ou outra linha, e mais páginas, pontos e exclamações, até que vem aquela interrogação. O que tantos estes caracteres tem a ver comigo? Na real, nada. É que me caracterizo, de literatura em literatura, de rua em rua, para aprender um pouquinho mais daquilo que preciso.

Salinger se foi, como Hesse também. Mas basta esticar o braço até a estante para alcançar as metáforas de Emil Sinclair e de Holden Caulfield, ou se perder para a morte na casuística sonífera vida de um contador de estórias.

Antes de agradecer a Salinger e Hesse, agradeço às palavras, estas as pontes, fios interconectores de uma verdade de um presente contínuo.

O melhor Salinger não estava nem em Caulfield, mas nas pequenas estórias.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Mudanças

Apesar deste blogue ser algo muito pessoal, não participar de qualquer meio de divulgação, me impressiona que em menos de 1 ano tenha recebido mais de 4.000 cliques.

Mas a pessoabilidade deste meio passará por mudanças, e é também por isso que as postagens têm rareado por aqui.

Em breve volto para as novas, e com frequência já não rara.

Marcelo

3650 dias

Há 3650 dias eu ouvia essa música pela primeira vez.

Eu era um garoto bem menino. Crescendo, desaprendendo, desafinando, sorrindo, indo... Para onde não sei. Ainda não sei. É tudo o que procuro saber, com música ou quieto, provando um silêncio debaixo do travesseiro.

Com 20 você não pensa jamais chegar aos 30, ainda que diga: "Quando eu for gente grande, serei...". Mas essa "gente" aqui não cresce nunca. Não cresce mesmo. Espera um bocado de tempo para perceber que ainda é moleque. Homem? Que nada! Imaturo, fraco, tímido... As mesmas coisas de quando criança, a diferença é de que hoje os tempos estão modernos, os modernos não têm tempo, e o tempo já não consegue se ver se colocado na palma da mão - vivo um período diferente, mas parecido com o tempo que já passou.

domingo, 10 de janeiro de 2010

A volta

A volta para o batente da escrita. Para reorganização da vida, que parece agora recortada em episódios. É a volta. Não há uma taça para saudar um início, para todo fim, para tudo.

É a hora de tudo começar, no ciclo que todos conhecemos: o da vida.

Marcelo Maia Torres - domingo - 10 de janeiro de 2010