sexta-feira, 15 de abril de 2011

Telão-de-seda-azul

4h45, manhãzinha. Manhãzinha ainda: ela vai aparecendo agora, crescendo. Um grilo lá; um relógio aqui. A rebarba do sono fica no travesseiro; o zumbido do relógio, convocando para o dia, passa o facão no sono tegumentado à cama. "Que pensamento longo, Jesus". "Que vida curta, meu Deus". "Que dia torto, Senhor". E a santidade responde por todos os nomes, clamada quando o sono acaba e a vida tem um novo recomeço. Mas é manhãzinha ainda. E, cedo, chama a fé.

Quer barulho, quer vidinhas, quer murmurinhos ainda na cama, antes do café. Cheira o ar com cheiro de coador de café, cheiro de vô no quintal com rapé, cheiro de vó na cozinha com panela. É o cheiro de amor, é o cheiro dela.

Antes de pôr o pé pra fora da cama, lembra de quem ama, lembra de quem quer. O estrado estrala.

"Volta pra cama, amor".

"Num volto, quero café".

"Volta amor, descansa... Te acordo mais tarde num chêro e num cafuné".

"Volto. Pelo chêro, por ser o que é. Cê sabe que te gosto e gosto do teu café".

"Pois é, Zé, pois é... Vida onça, cabriola, te amo, rapaz, mas não sei como é que é".

"Nem sei eu como é o que você diz que não sabe como é que é. Só sei que é. É assim esse gostar de paixão que me rodeia".

"Mas é muita paixão, Zé. Perde-se nas contas... Mas o meu coração está muito bem achado, sabe muito bem o que quer: te quer".

"Senhora minha, amor de juventude, boa de saúde e boa do pé, quero brindar esse amor com um gole do teu café".

"Paixão devora a alma e a calma; a paciência e a ciência; a mim e a ti".

"Não é só paixão ligêra e fugaz, é amor, e amor engole o tempo".

"E o tempo é quem faz nascer o amor".

"Pois é. Amor senti".

"Pois é. Amor sem ti não há."

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Arestas

- O dia tá nebulento, não tá, meu filho?

- Não reparei.

- Pega o gibão pra sua mãe.

- Ahn?

- Ande, lesmo.

- Calma, mãe. A via é uma, não é duas.

- Seu pabola! Adiante minha vida, não desmantele minha calma!

- Ave...

- Por que tá bufando? A misericórdia de Deus me livre, mas essa agonia me cansa, e me enfastia me deixando fraca. Largue essa facécia, me dê a bolsa pra eu tomar o guarda-chuva.

- Fique distensa, mãe, acho que não vai chover...

- Se não vai? Olha o cheiro! Cheira a luz. Já escapole. É um desperdício esse seu pensamento.

- Mas que frivolice fora de hora, mãe. Já essas nuvens vão embora. Está vendo? O vento já vai arrebanhando elas.

- Tá duvidando do meu faro d'água, faceiro?

- Não mãe, não tô...

- Então, tome prumo e escute o que lhe digo. Passa o gibão.

- Arre.

- Desde menina respiro de longe a água. Falo sério, moleque. Não sou catirina.

- E essa caminhada ainda demora, mãe?

- Demora a suficiência necessária. A urgência de saber dessa dor que prensa os quarto.

- E o médico vai saber?

- Ah! Vai não, lesmo! Pare com parvoice. Ele é conhecedor. Leu pra isso. Pra entender a dor dos outro.

- Mãe, a dor não é entendimento de quem sente, e se remói?

- Filho, a dor é complicada, por milhor que seja o doutor. A dor é coisa íntima, e o seu valor e a sua força só atesta mesmo em quem dói.

- Sofre não, mãe. A gente já vai chegando... Você toma um remédio e fica boa.

- Mas a chuva já resolve um pouco. Este tipo de dor que faz o céu banhar toda a gente.

- É, mãe. O céu tá mesmo nebulento.

- Então deixa a chuva descer, sem guarda-chuva.

- Não quer mais o guarda-chuva?

- Deixa assim. Água na moleira pra aliviar a dor e os dias...

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ano-novo

Há vários modos de se dizer “bom-dia, querido, feliz ano-novo”, pois é, assim, eu gostaria de que pudessem ser as coisas, simples e objetivas. Ah, se assim fosse, e não fosse o pretérito perfeito do subjuntivo do “ser”, da complacência do existir de um indivíduo – e a minha existência não é pândega, nem patusca – eu não sei se sou mais algo que denominam como “indivíduo”, se nesta nova década que se inicia a individualidade parece ser algo dos demônios, tosco e brutal para o qual lutar e desejar.

“Uma seara nova, hiperbólica” para os novos tempos... É a repetição do que eu já escrevera em outra oportunidade com a intenção de valer para as novas oportunidades que virão no correr dos dias e de nossas gloriosas lutas com os próprios dias.

“Bom-dia, amor, feliz ano-novo”. Simples, cômodo para os meus ouvidos, para a minha espécie que sabe que tudo é velho neste mundo de novidades abruptas, insensatas; mas o querer de coisas novas neste mundo velho não é exclusividade minha, mas o meu particular desejo de que a década, os anos, os meses sejam outros na sereníssima realidade de ser o que sempre foram, apenas realistas e parte de mim.

domingo, 5 de dezembro de 2010

sábado, 27 de novembro de 2010

Cantaloupe

Aloha! Ele torce pro Avaí, porque curte a cultura havaiana. Anda engraçado com a sua cúspide trangalhandança, doce tal qual mel, então, se tens diabetes, vás com calma!

Ele tem uma alma que o deixa longe da desalmadez. Ele é quente e não esquenta com nada. Tem amor, não tem amora. Mesmo com dor, não vai embora. Burila na cuca as estórias mais bonitas da história. Ele é um servo do verso. Um garoto maroto que gosta de lorota.

Ele não deixa boas impressões, talvez por causa do toner da impressora. Tonifique-a!

Pra Mangaratiba, meu rei, já voei.
Em Paraty já me hospedei.
Para ti o meu coração doei.
E não doeu, viu?
Garbosa, fastuosa, menina gostosa.

Por acaso a nectarina é uma tangerina com muito néctar ou o meu pomo-de-adão não está no Gênesis? Mas nem o Gênesis está com o Phill Collins. E o Phill Collins não está com a canção. E a canção está no samba. Então é samba-canção! Eu estou no samba-canção.

Vou andando contra o furacão, sem Kleenex, sem RG, no sol de quase dezembro, eu vou...

Tomo uma tubaína; danço com uma bailarina; como um gomo de tangerina. E os nenúfares raivosos me provocam: bum! chuá!

Deus, colha chuva pra uma arvorezinha de sombra. Colha e acolha.

Ele é quente e não esquenta com nada.

O redemoinho levou as redes e o moinho... Como vamos pescar? Como vamos moer? Vamos morrer? Vamos nada...

Ele respirava solto naquela docível noite do mar do norte. O peito cheio e o coração vazio. Havia uma mácula dentro, que o tempo era soldado raso pra lutar. A luz dele não podia amanhar agora, se ele não tem sono e só ganha arrepio.

Há um ar só naquele quarto, na casa. E o tempo é soldado raso pra lutar...

O gelo vem do céu pra sossegar o tédio. O calor vem do chão pra tramar as brigas pela vida de amanhã, de amanhã e de amanhã.

Ele quer um jazz profile e ouve Cantaloupe; e faz gestinhos com os dedos imitando tocar uma bateria no ar. A bateria não está lá mas a vizinhança ouve bem o tralhadar dos pratos e a gravidade dos bumbos. Direitinho: ouve sorrindo.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Está difícil

Está difícil escrever aqui. Por falta de tempo. Por falta de descanso. Mas uma hora eu volto. Sempre volto. Com as minhas pontuações absurdas. Ausências de vírgulas. Pontos-finais ao infinito. Nem ao menos um ponto e vírgula para escapar do comum.

Ufa. Pelo menos um parágrafo diferente para respirar. Se não há vírgulas que haja ao menos parágrafos para que se possa respirar neste texto sem volta. Sem fim. Com tantos pontos. Tantas paradas e orações descontinuadas.

Outro parágrafo para soçobrar esta intenção de texto que não tem intenção nenhuma.

Há alguma história a contar? Alguma novidade a não ser os primeiros pontos de interrogação?

Não há nada. Nem admiração. Um gesto seco. Um olhar ribeirinho de sono. Uma vontade lúdica de sonhar com palavras que não sonham a não ser que o ser que as pensa e as escreve seja um sonhador. Palavras não sonham. Seres que escrevem palavras sonham. Ou pelo menos devia ser assim. Se não é. Pois é. Tudo mais ou menos.

Indo. Tentando. Acabei fondo. Senão indo. Ir pra tentar. E não sei? Pois é. Zé. Me acorde para uma outra média vocabular.

Ele foi. Ele iu.

domingo, 19 de setembro de 2010

Elfchen

Blaue
Die Meer
Ich will alles
von Ort zu Ort
Nichts!

Hallo!
mein Leben
Sonne, Mond, Sterne
Tage, Stunden, Minuten, Sekunden
Hoch!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sintetiza Dores

Ouço "Heroes" e vem um turbilhão de coisas. Momentos que equilibram-se entre tristes e alegres. A canção foi um marco já na primeira vez que a ouvi, nos anos 80 (entre 88 e 89), ao assistir ao filme Christiane F. - Wir Kinder von Bahnhof Zoo (Christiane F. - Drogada e Prostituída). Quando apenas menino se ouve a canção ao final do filme, nos créditos, perturba. Eu me senti assim. Um exemplo de que a música tem o poder de transcender à mera questão idiomática.

Perturba também ouvir "Sense of Doubt" - instrumental - também do álbum Heroes e da trilha sonora do filme. É a música incidental do isolamento de Christiane. O filme de 1981 foi lançado quatro anós após o homônimo álbum clássico de Bowie, que compunha a informal "trilogia de Berlim".

Há alguns dias, passava pela esquina Augusta-Paulista, enquanto sintonizava alguma rádio, ouvi "Heroes". Algumas lágrimas escorreram. O dia não fora fácil; a luta que tenho nesses últimos dias também não. Não passei incólume ao verso We can beat them, just for one day.

Não fico imune à "Heroes". Não só à música, mas a todo o álbum homônimo, que dos discos de Bowie, é o mais intrigante; não é meu preferido dos discos do Bowie, mas é o que mais me causa pensamentos e lembranças. O lendário Brian Eno é o responsável pelos míticos sintetizadores que parecem atingir mais a espinha que os ouvidos que, junto com a linha de baixo positivista, marcam o álbum.

A "Heroes" que ouvi enquanto estava às 23h na rua Augusta não é a de Bowie, é uma regravação que o grupo nova-iorquino TV On The Radio fez para o projeto "War Child: Heroes", onde grandes intérpretes releem clássicos de Dylan, de Brian Wilson, do próprio Bowie, de The Clash etc.

Hoje, o álbum é relacionado ao desenvolvimento do que conhecemos hoje como música eletrônica, de sintatizadores e de bate-estacas - de "Beauty and the Best" a "The Secret Life of Arabia". "Heroes" já foi tantas vezes regravada, algumas versões muito boas, outras nem tanto; e entre os que já a regravaram estão Wallflowers, Oasis, Kasabian, Arcade Fire e tantos outros.

A canção fala da história de uma casal que se encontra e se beija ao pé do muro de Berlim, sob rajadas de balas que passam sobre suas cabeças. "A vergonha está do lado de lá", diz a letra.

É difícil dizer se Bowie ali é triste, se é cru, ou se apenas se utiliza de um fato real para fazer poesia com um momento particular que vivia, pois neste momento ele vivia na Alemanha Oriental, do "lado de lá" do muro. O outro lado ainda pouco conhecido. Mas o que tenho comigo é que a canção sintetiza alguma dor, sem dúvida, com aqueles, mais espaciais que terrenos, sintetizadores.

E ali diz que podemos ser heróis, ao menos por um dia...


"Helden" é a versão alemã de "Heroes".

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Três diamantes

Diamond Sea - Sonic Youth


Shine On You Crazy Diamond - Pink Floyd


Diamonds and Rust - Joan Baez

Inabalável são-paulinidade