domingo, 30 de setembro de 2007

Prosa, Tabaco e Amor


Prosa, Tabaco e Amor: esquisita tríade, mas bem sincera quando tratamos do escritor peruano, ainda pouco conhecido no Brasil, Julio Ramón Ribeyro.
Foi lançada há pouco, pela Cosac Naify, uma bela edição de seleção de contos do autor, entitulada Só Para Fumantes. Este lançamento faz parte da coleção Prosa do Observatório da Cosac Naify. Com esta coleção, a Cosac pretende reunir escritos de autores latino-americanos de todas as épocas, que abranjam também todos os segmentos das artes, tal empreitada carregada pelo crítico literário Davi Arrigucci Jr.
Acabei de ler o livro, que contém contos de um sabor parecido àquele biscoito molhado ao leite num dia qualquer onde as temperaturas mais baixas o impedem de fazer qualquer coisa fora dos domínios condomínicos de seu lar. Ah, é assim, sim. Eu mesmo não conhecia o autor até ler esta jóia lançada agora. Julio Ribeyro é de uma simplicidade que destrói a vontade de buscar aventuras magnânimas dentro da literatura, um texto que cheira chocolate ao leite, é básico, essencial e de gosto tão direto.
A seleta de contos feita pela tradutora Laura Janina Hosiasson inicia com o conto homônimo da obra, Só Para Fumantes, onde, de um viés bem autobiográfico, o autor repassa as saborias, gostos e prazeres, além das angústias, do vício do fumo, da indolor escravidão que tal vício provoca nele e a importância deste no delinear de toda a vida.
O segundo conto, Urubus Sem Penas, trata da vida de duas crianças, Efraim e Enrique, que vivem para fazer as coisas para o avô, seu Santos, este manco, praticamente escraviza os meninos para lhe servirem. O espaço é lúgubre e cruel, pois, os meninos têm que diariamente ir ao lixão para o avô, afim de fazerem buscas em meio aos entulhos e apodrecimentos, para a troca, venda e alimentação, além da engorda do porco Pascual, pelo qual seu Santos tem muita preocupação em inchar, para que possa depois vendê-lo por uma boa quantia.
Seu Santos às vezes mostra um lado monstruoso, em algumas situações nos causa pena, mas uma pena enraivecida, no sentido agudo da palavra, pois, para este não há estreitos e limites para que atinja o objetivo da engorda do porco. O relato segue, digno de uma fábula dos andes, é dolorido é belo, tratando de uma crueldade difusa no cotidiano aceita por todos nós, que fazemos vistas grossas. Situação muito particular a todos nós, vivamos dos lixões ou não.
Os dois primeiros contos já valeriam a leitura, mas os demais que se sucedem servirão para afirmar a fineza do autor peruano.
Surpresas e revelações nos surpreendem em todos os contos, e simplicidades arrebatadoras e momentos, com a prosa de Ribeyro não seria diferente. Agora quero relê-lo bem e sempre, como outros não lidos e esquecidos. Sem dúvida, está no patamar de Vargas Llosa e José Maria Árguedas, dois outros nomes maiúsculos da literatura peruana, mas Ribeyro ainda não é reconhecido ainda como tal, principalmente no Brasil, onde Só Para Fumantes é o primeiro livro do autor.
Viva as letras dos vinhos, dos tabacos! Com a de Ribeyro estamos, ainda que não estejamos envolvidos por nenhum narcótico, estamos então abençoados e entorpecidos com a felicidade poética da densidade tão simples da palavra sentida bem no fundo e extravazada, ainda mais assim, com amor em filtro, em copo...

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