sábado, 28 de novembro de 2009

Reminiscências sobre uma cidade em síncope

"- É o Exu Tranca-Rua. Raça do 'carai'.
- Alimenta o governo com imposto. Imposto pago, dinheiro gasto e não visto.
- Obra do governo do cão!
- Asfalto não bebe água.
- É muito sangue pra pouca artéria..."

A lâmina d'água escorre pelo vidro pelo lado de fora. Estou dentro, pra dentro não há chuva. Ela só acontece lá fora. Um mundo se dissolve em água, impaciência e atraso. E a água não serve para baixar o fogo da consciência.

"- Raça do 'carai'."

Passaram-se já 20 minutos e eu ainda estou preso no semáforo. O ônibus não se move. Proibiram o trânsito? Não, é o próprio trânsito que impossibilita o trânsito.

São Paulo, quase 8 da noite: no ônibus, vejo uma fila de inequívocas luzes vermelhas acendendo-se em meio à lentidão dos maus e dos bons. O ônibus sobe a ponte, e é dali que vejo o rio que corre sujinho sujinho... Nem corre mais, já morreu. E por que insistem com o rio? Não sei, mas acredito que seja pelo mesmo motivo que insistem com as pessoas. Acreditam que do rio ainda possa fluir um fio de saúde. Como ocorre entre as pessoas, acreditam que dali possa fluir saúde e um riso raso, que se aprofunda dentro, pra dentro, pra sempre.

sábado, 21 de novembro de 2009

Lá vai Laila

Aí. Lá vai Laila. Vai com a sua mansuetude retemperando as equivocadas ideias. As ideias equivocadas. Era tão hora de dormir que ela acordou, porque na tão hora de acordar ela dormirá. Na folgança dela tão beligerante ela alimenta a cupidez por melhores dias, de pouco equívoco do choco do cotoco do derroco do massaroco do mundo oco. Ela aprende com os quebas, e erra de tão promesseira. Ela acredita que a bocedização das pessoas estraga o mundo, o mundo oco.

"Deixa esses despiciendos, não os importantize com tão mora importância, pois a minha espécie mor de volitiva vontade era de virar água neste seco-seco oco do meu coração, meu mundo de benção, das coisas doentes e sãs".

Era Laila senão se não não era se não não não era Laila. Laila respirava entre os seus paragões, vivia naquela parecença diferente da igualdade distinta das particularidades comuns dos seres coletivos únicos. Laila naquelas tardes descansava sob uma boceta-de-mula com as mãos ocupadas com uma sempre-viva, e era tão assim que não era tão bem assim mas era Laila na atuosidade esperada dos descansantes.

"Queria um bochinche pra distração, sem discutição ou modo de preocupar. Sem locupletamento para a minha alegria, que venha o Sol e me sorria, pois não estou para não sorrir, estou é o contrário".

Laila e os seus etcéteras e tanta parentesiação para não se aguentar. Mas Laila não temia, sorvia vida, música e o desespero tão suave que tudo lhe parecia verde, nem do vermelho lembrava. Era tudo certo, e qualquer sorriso que dela vinha era lidimamente produzido. Muito bem fabricado pela autenticidade carismática dos seres inócuos mais perigosos, fracos e tão fortes. Era Laila assim com tudo, com seus cupinchas, brindando com curaçau o festejo, mesmo nas jaças das verdades.

"Amiúde, pensei que o mundo era pra sonho além. Insistem comigo que é aquém. Mas eu sou o objeto sonhado, cá, além de mim".

E Laila vivia e sonhava. Escusava-se dos levados, mas ela mesma tão só levada que a fazia escrever sonho por sonho em sua caderneta, ao som do sanhaço-cinzento, que esperava colorir os momentos que fabricavam os seus dias:

"Caligrafei o achado sonhado. Estipulei o verbo findo conjugado na letra grossa tanta de tanta tinta e de tanta vida. Meigo é o meu desejo sincero de querer relatar e escrever essa vida que não se fia, pois há anjo que me espia".

Laila serenou e voltou a cabeça para o lado de lá, para desacordar num sonho que lhe mostrará naquela noite os dias vividos de amanhã que ela simpatizou ontem, e que vive sempre. A mão direita delicada dela desprendou-se do peito e deixou cair rente à cama a sempre-viva...