quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A Literatura no Cinema

Não é de hoje que vemos adaptações de obras literárias para o cinema, mas nos últimos tempos este número tem sido maior, e parece que os estúdios, cada vez mais, apostam na produção de filmes baseados em livros. Muito interessante, principalmente quando o livro é bom e a adaptação herda a qualidade do livro tornando-se uma obra ímpar, e não uma mera cópia do original.

Discute-se muito sobre as adaptações, e fala-se muito que o filme nunca é tão bom quanto o livro. Tal afirmação é só parcialmente correta. Devemos admitir que transportar um livro, um clássico da literatura para a linguagem fílmica requer, no mínimo, habilidade de roteiristas e boa análise sensorial de diretores. O roteiro adaptado requer maior cuidado em relação aos diálogos, na montagem dos personagens, nas sequências que serão utilizadas para compor a história - o tempo cronológico cinemático encaixar-se no tempo literário que será apresentado na tela, porque, claro, a adaptação já é uma história conhecida. O filme adaptado poderá, como optar produtores e diretores, ser livremente inspirado ou uma adaptação fiel ao conto, novela ou romance.

Claro, existem romances que talvez sejam infilmáveis, ou melhor, inalcançáveis pela cinemática, por aspectos próprios dos romances, inerentes à linguagem onírica peculiar às letras, que transborda à sintaxe, regência e imagem, como, por exemplo, as novelas de Franz Kafka. Mas seria muito bom ver, um dia, uma adaptação de A Metamorfose, mesmo parecendo ser dificílimo entender como fariam verter a agonia de Gregor Samsa ao acordar um dia e ver-se metamorfoseado num inseto. Entende-se - um inseto. Kafka em nenhum instante cita que tipo de inseto, se é um besouro, uma mosca, uma barata ou um escaravelho, portanto, cabe a nossa imaginação trabalhar com esta expressão, com este enredo surreal e compor a nossa ideia particular de Gregor Samsa. A palavra e a imagem são, evidentemente, meios distintos de veiculação de informação e pensamento, e transportar o pensamento e enredo kafkiano, tal como os vemos em seus livros, para as telas, não é algo simples e que, certamente, exigirá muito suor aos engenhosos da arte cinematográfica. Mas, sem dúvida, seria uma experiência interessante. Orson Welles bem que tentou; levou ao cinema a novela O Processo, do autor tcheco. É um bom filme, mas ainda longe da grandeza e da semântica do romance. Welles era mesmo audacioso pois, além de Kafka, levou ao cinema adaptações de William Shakespeare, como Othello e Macbeth - Reinado de Sangue.

Para desmentir este mito do livro ser sempre superior ao filme, há na história do cinema adaptações que se tornaram independentes da obra original, equivaleram ou mesmo suplantaram em importância e qualidade as obras em que foram baseadas. Vão alguns deles:

Carrie, a Estranha, de Brian de Palma
- livro homônimo de Stephen King

O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson
- livro homônimo de J. R. R. Tolkien

Depois daquele Beijo, de Michelangelo Antonioni
- conto Las Babas del Diablo, de Julio Cortázar

Mágico de Oz, de Vincent Minelli
- livro homônimo, de Lyman Frank Baum

Uma Rua Chamada Pecado, de Elia Kazan
- peça Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams

Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock
- livro homônimo de Cornwell Woolrich

Solaris, de Andrei Tarkovsky
- livro homônimo de Stanislaw Lem

Jules e Jim, de François Truffaut
- livro homônimo de Henri-Pierre Roché

O Dia em que a Terra Parou, de Robert Wise
- conto Adeus ao Mestre, de Harry Bates

O Falcão Maltês, de John Huston
- livro homônimo de Dashiell Hammett

Só pra dizer alguns.

No cinema em voga boa parte dos lançamentos - e de destaque - são os filmes adaptados de obras literárias. Vale citar alguns:

O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher
- conto homônimo de F. S. Fitzgerald

O Leitor, de Stephen Daldry
- livro homônimo de Bernard Schlink

Foi Apenas um Sonho, de Sam Mendes
- livro Revolutionary Roads, de Richard Yates

A Bela Junie, de Christophe Honoré
- inspirado livremente no livro A Princesa de Cléves, de Madame de Lafayette

Interessante que, sobre o conto de Fitzgerald, O Curioso Caso de Benjamin Button, o próprio não é tão original, pois Fitzgerald o escreveu com base na frase de Mark Twain, por quem nutria grande admiração: "A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18".

O estreitamento e força do diálogo entre literatura e cinema, que existe desde a criação deste segundo, ganha força na safra nem tão interessante de roteiros originais. O livro e o filme, como meios de informação de massa e não apenas entretenimento, reforçam cada vez mais que toda novidade é uma existência renovada. Como ouvimos dizer há muito, a frase do químico francês Lavoisier: "Nada se cria, tudo se transforma". Nos perguntamos: em que Lavoisier se baseou pra fazer tal afirmação?

As informações e criações parecem mesmo ser circulares, e é bom para todos que neste sistema de renovação haja aperfeiçoamento, boa adequação e harmonia - requisitos fundamentais para a criação, para a boa arte. Processo natural que começa pela água que nos alimenta e rega nossos jardins.

Seguem alguns trailers das obras adaptadas que valem ser vistas, por ora, nos cinemas, e lidas, por horas, em casa:




A Bela Junie


Foi Apenas Um Sonho


O Leitor

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A dança

Um dos meus musicais prediletos é o A Roda da Fortuna (The Band Wagon, 1953), com Cyd Charisse (já viu Meias de Seda?), Oscar Levant (já viu Sinfonia de Paris?) e com Fred Astaire (já o viu dançar?).

Bem, antes de me encantar com Bob Fosse, Janet Leigh eu apreciava, desde criança, um outro dançarino. Um que revolucionou a linguagem e o show business da dança, do pop - ele, claro, é Michael Jackson. Lembro-me de pegar o bolachão emprestado do meu tio, do então recém-lançado Bad, e tentar imitar os passos, os gestos, a dança, os trejeitos do meu primeiro ídolo de verdade.

Quando falo sobre idolatria, aqui entende-se como veneração descarada, mesmo. Eu não só admirava Michael Jackson, mas pensava como seria se eu fosse Michael Jackson. Era bom, hoje eu sei mais ainda o quanto era...

Podem me perguntar: 'Ok! Fred Astaire, Michael Jackson, tá... O que o pato tem a ver com o ganso?' E eu respondo, 'É simples: tudo.'

Ao começar a ouvir, cantar, dançar MJ não sabia que para que estas siglas existissem, ou para que tivessem tamanha importância, foi preciso que existisse uma outra, algumas décadas antes, a saber, FA, de Fred Astaire.

Nos idos anos 80, quase chegando ao final da década, MJ, logo após o lançamento de Bad, estrela o seu primeiro filme como protagonista, Moonwalker. É uma trama inocente, um roteiro desenhado com ações que interajem com o que MJ sabe fazer melhor: dançar.

Uma das ações - e melhores partes do filme - é a cena do bar, em que Michael Jackson, algumas dançarinas e um grupo de indivíduos bem vestidos com os seus ternos, em sua maioria pretos, e chapéus, misturam elementos dos filmes noir, gangster e de máfia, para construir uma atmosfera alcaponiana dos anos 20 e, assim, fazer, e bem, o que todos esperam, hipnotizar-nos com a sua dança. A música desta sequência é Smooth Criminal.

Até assistir A Roda da Fortuna, filme formidável - da ainda era de ouro dos musicais - que começa já com FA cantando By Miself na plataforma de uma estação de trem; seguida depois pela - que adoro repetir quando assisto o filme - cena do engraxate. Mas até aí, apenas canta. Perto do final do filme, o personagem de FA juntamente com a trupe teatral que viaja por toda a América para a apresentação do espetáculo, encenam uma sequência, tal como a de MJ, há muito ensaiada e esperada pelo grupo para ser então apresentada. FA interpreta o papel - com seu traje branco e camisa azul - que seria depois de MJ.

A passagem de Smooth Criminal é uma homenagem de MJ ao maior dançarino da história cinema, FA. E isso só fui descobrir muito depois.

Com as suas peculiares formas de expressão da dança, Fred e Michael, deslizavam os sapatos de verniz e mocassim nos assoalhos mais ásperos, fazendo parecer que patinavam no ar, no gelo. Sem qualquer aderência.

Mas qual não foi a surpresa, nestas andanças pela rede, ao encontrar este vídeo:





domingo, 25 de janeiro de 2009

"Do I disappoint you"

Não vale. Nem o maior dos cansaços. Não deveria nem a um cinocefalídeo. Não deveria. Meu amor, meu ardor. Cansei-me outra vez. Dá-me um olhar e uma sensação. Estou fraco. Quase envelhecido.

Ai, como queria uma orla para olhar, para caminhar. Não há. Existe uma infinita extensão de asfalto para cegar, subir a pressão nas têmporas e elevar a distância. Aquela, a nossa.

Depression - Pasillo. Som, a leitura. Rasga o violino toda esta provação. Com muito carinho, tento recuperar-te neste ror de gente. Manda-me tuas lembranças. Paro à mesa para montar o quebra-cabeça. Tantas peças espalhadas, outras perdidas, vão deixar buracos. Faltará.

Vou ouvir uma marcha sueca. Olhar para o relógio e ver o tempo que falta, que passa, que se adianta. Caminhar
onde as gramas aparadas permita-me deslizar sobre o restolho.

Mas ainda não saí, continuo na mesa com o quebra-cabeça. Tantas peças faltarão, sei.

E falto.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Obrigado por pensar em mim

Eu a vi de longe. Cruzava a rua, com um caderno de capa preta e dois envelopes coloridos. Num deles consegui enxergar a sua caligrafia vermelha e redonda. Estava bonita, estava bem. A sua saia verde de linho lhe caía formidavelmente bem, tal qual meu queixo quando a vi. Estava apenas a alguns passos, sentado no banco da praça da matriz. Os seus cachos que pendiam descansando nos sombros refletiam a luz do sol mormaço daquele dia, que vez ou outra dava as caras. Mas o dia era mesmo de uma só estrela. Sabe o nome dela.

Percebi a sua aproximação quando ouvi o estalar das folhas secas, com os seus passos, que preenchiam a calçada. Eram tantas espalhadas pelo chão, quase não notava-se o concreto liso que havia ali. Não é outono, mas as árvores parecem ter antecipado suas sazonais calvícies.

As oportunidades em que pude a observar assim, com tamanha minúcia, desabroxou em mim uma vontade de escrever, de externar em palavra essa glauca alegria. Rascunhei poesias, como essa:

Nos olhos redondos que retesam maior ímpeto,
contenho-me, na minha inconclusão.
Menos por mim, mais pelo meu coração.

Eu perdi a mim mesmo, desde que a conheci. A sua verdade, que concebo, é muito para mim. A sua essência é mais do que os meus sentidos podem compreender. Mas, a cada olhar, a cada caminhada, a cada sorriso lépido, a cada lembrança do seu modo de andar, de se vestir e de deixar as coisas ao seu redor existirem em ambivalência, consagro como indiscutível. Consegue entender o que digo? Desculpe-me se eu às vezes sou impreciso nestas minhas descrições, afinal minha composição é imprecisa. É possível que um dia entenda.

Vê-la cruzando a rua me provocou uma sensação de calmaria e de bondade instantânea. Bateu-me uma vontade incontinenti de sair por aí fazendo caridades, abraçando desconhecidos, beijando amigos ou quem cruzasse o meu caminho. Mas de toda esta efervescência denotava que brotava mais uma frivolidade característica dos meus hormônios em desarmonia com a realidade em que trabalhava o meu coração: você não me notava.

Na natureza e nos tempos, em muitos casos, tudo se altera com tamanha rapidez, que a força do homem não há de mensurar.

Hoje, acho, é um dos dias mais felizes de minha vida. Descobri que existo. Não sei em que proporção ou intensidade, mas existo. Tudo adquire outra forma, minha cabeça uma nova filosofia de entender os sentimentos que tecem os seres humanos. Especialmente a mim.


Saí há pouco no quintal, a trote cruzei o jardim e cheguei no portão. Vi que lá, preso em uma das grades, havia um envelope colorido. Nele cintilava a mesma caligrafia vermelha e redonda que notara em um dos envelopes que carregava em suas mãos juntamente com o caderno de capa preta, há dois dias. Estranhamente, o envelope estava selado e com o carimbo dos correios. 'Não era possível, moramos apenas a três quadras', e, por isso, não havia razão de receber carta sua, pareceu-me inverossímil o que minha mente confabulava antes de verificar o remetente constante do envelope.

Mas as minhas suspeitas confirmavam-se: o envelope fora mesmo postado por você. Trêmulo, deixava a carta instável em minhas mãos. O susto. A surpresa. A existência. 'Eu existo, mais do que poderia supor', mais: pra você.

'Calma, vamos com calma', eu dizia a mim mesmo. Desdobrei, desajeitado, o papel que continha poucas palavras, mas as suficientes para estreitar o significado e significante de meu passado para estabelecê-lo agora, na pequena carta que guardarei no meu criado-mudo para todo o fim.

Na carta continha apenas o convite para o seu aniversário, mas não é apenas: é tudo. A honraria de vê-la, entre outros convivas, no dia em que faz anos, num momento em que fica mais bonita, pra mim é maior. O meu contentamento agora suplanta o outrora sentimento de pequenez frente a indiferença que parecia nutrir por mim, seja dentro da sala-de-aula, seja no pátio do colégio. A verdade não é assim e eu também muito menos. Que tudo tenha sido apenas timidez.

Sinto-me melhor. Será o dia do seu aniversário, e o dia de meu renascimento. O dia da troca, e da nova esperança; de compreender que, mesmo que me reprovem, gritarei para o mundo que sou grande. Você me convenceu.