sexta-feira, 30 de maio de 2008

Der Knabe im Garten (1915)

Ich will meine bloßen Hände aneinander legen
und sie schwer versinken lassen,
da es Abend wird, als wären sie Geliebte.
Maiglocken läuten in der Dämmerung,
und weiße Düftescheleier senken sich auf uns,
die wir eng beienander unsern Blumen lauschen.
Durch den letzten Glanz des Tages leuchten Tulpen,
die Syringen quellen aus den Büschen,
eine helle Rose schmilzt am Boden...
Wir alle sind einander gut.
Drauß durch die blaue Nacht
hören wir gedämpft die Stunden schlagen.

René Schickele

quinta-feira, 29 de maio de 2008

O Bêbado pela Bela


No último dia 20, Scarlett Johansson, atriz bonita, com alguns bons filmes no currículo, já tendo trabalhado com gente boa e importante no cinema, decidiu evocar o bêbado, o representante mor das navalhas na veia, dos pulsos desfalecidos, dos distúrbios emocionais musicados, da lúgubre onipresente música popular dos peitos dilacerados: Tom Waits.
Scarlett lançou este mês o seu 1° CD, com novas faces para as músicas de Waits - Anywhere I Lay My Head. Ao ouvir a primeira faixa, Fawn, percebe-se de pronto que é uma produção muito bem cuidada, delegada ao David Sitek, guitarrista do TV On the Radio. A sonoridade da banda nova-iorquina fica evidente na abertura e ao se ouvir o 1° single, Falling Down. Sitek com certeza é o maior responsável pelas eventuais críticas positivas para o disco de estréia de Scarlett. Em todas as faixas percebe-se uma atmosfera de sonho, onírica, como se fôssemos transportados a qualquer instante por um portal que nos fará enxergar a vida pelos olhos de crianças crescidas, sem tristeza. As batidas características e backing vocals do TVOTR estão presentes, mas não faz do trabalho um CD da banda acrescido dos vocais da SJ, pelo contrário, Sitek desenvolve o seu espírito criador para contrabalancear os arranjos das músicas com a voz de Scarlett.
Tentado pela mocinha, David Bowie faz participações especiais, mas bem discretas, nos vocais das músicas Falling Down e Fannin' Street.
No que concerne aos vocais de Scarlett, percebe-se que ela não arrisca muito e sua voz fica toda envolvida pela sonoridade e pelos instrumentos; a sua voz estabiliza num flat e às vezes parece coadjuvante de toda a aura mística dos sons que embebem o disco e a nova roupagem para as canções de Tom Waits. Mas o CD, ainda assim, é bom, é acima da média para uma atriz que gosta de brincar de cantar. O CD possui 11 faixas, 10 delas releituras de canções de Tom Waits, e uma de composição da própria Scarlett, Song for Jo.
Em entrevista à Paste Magazine, Scarlett diz ter 5 "pais": Woody Allen, Bill Murray, Barack Obama, Tom Waits e Bob Dylan. Scarlett já trabalhou com Woody Allen, contracenou com Bill Murray, apoiou Barack Obama às eleições presidenciais americanas, releu Tom Waits... E agora, o que falta fazer por Bob Dylan?
Um bom começo para Scarlett Johansson; com os tilintares puros e limpos de David Sitek foi bem acolhida e mostrou que tem um gosto apurado não só para os roteiros cinemáticos, mas para os musicais também...

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Bandeirinhas de Alfredo Volpi

Tela de Alfredo Volpi, anos 70


Gostaria de ter bandeirinhas de Alfredo Volpi enfeitando a minha casa...

Atmosphere


Posterguei por (ou postergaram por mim) 7 meses, mas vi, finalmente, Control, a cinebiografia de Ian Curtis, vocalista do Joy Division.
Ian foi o meandro de uma turbulência, de um escape de um momento acre, doce, bonito e doloroso: minha adolescência. Já na minha adolescência, quando procurava amparatos ou figuras onde pudesse repousar as minhas perspectivas, como muitos, ainda tinha rockstars como uma das sínteses das deflagrações e representações das minhas angústias de então. A minha fase, quase PERMANENTE, alienava-se das celebrações ou das aglomerações, de lugares de muita gente, preferia ficar em casa, especificamente no quadrado do meu quarto, lendo, apreciando as minhas novas aquisições, dentre elas As Iluminuras ou Uma Temporada no Inferno, de Arthur Rimbaud. Isso aos 17. Arcabouço literário construído pela necessidade de me fundir a um ente como o meu, um espectro bajulando alimento e de algo para partilhar carência, dividir afeto, conseguir entender de uma forma mais ampla as divindades que contornavam a aura dos anjos rebeldes. As vozes de Jimbo (Jim Morrisson) e Ian ressoavam neste espaço como teares das idéias perdidas, encontradas em versos, música, gritos, auto-absolvições...
Essas vozes graves riscaram os momentos pré-felicidade dos 18, pós-perda do pai. Apesar de momentos novos na vida, tudo parecida já ter sido vivido, rememoriavam de uma vida de que eu não me lembrava, mas nada era tão novo quanto deveria parecer ser. Talvez efeito de uma mente lapidada também pelas páginas de outro Arthur, o Conan Doyle, o embate das idéias de ambos estava deflagrado em minha cabeça.
Sintonizava-me em Transmission, do Joy, compunha-me em Yes, The River Knows, dos Doors.
Essa era a SUBSTÂNCIA. A clemência, o fomento de outros embates... Conhecendo as estações do ano, vivificando-as nos trópicos onde não há estações, onde as praias são sublimes, mas não para quem vive num quarto de uma cidade de todas as luzes de prata para amperar os sentidos, medir a situação, perceber a morte da forma mais vívida, conhecer-se adulto. Isolation fazia muito sentido.
Ian Curtis foi importante, é importante, ainda ouço as suas músicas com fulgor, mas tudo é mais calculado hoje, menos idealizado, e ainda mais sincopado com as linhas do baixo elétrico do Joy, e, assim, parece que a razão de suas canções hoje é maior do que na ocasião em que foram concebidas, há quase 30 anos, ou quando as concebi, há mais de 10 anos. - Joy Division ainda é uma suma de uma parte de minha vida, mais ainda do que quando vestia a camiseta estampada com a capa de Closer no peito...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Meus sapatos velhos...

LEMBRANÇA. Essa é a palavra. Sim, lembrança. Tão utilizada e tão recorrente no prolífico léxico alimentado todos os dias com novos vocábulos, novas idas, novas voltas, novas lembranças. Muitas lembranças me remetem pra outra instância da vida quando olho para os meus coturnos velhos jogados num canto do meu quarto... Estão empoeirados, e até com cheiro de bolor, mofo. O preto que os sublinhava, agora é camuflado por uma camada de pó, e fios de cabelo, e partículas do ar que passaram por ali e ficaram, até pedaço de caminhos que se instalaram numa das frestas dos solados, e que permanecem ali, como se esperassem a vez de voltarem ao local de origem, a velha e sempre nova estrada original... Hoje é sexta-feira. Ouço Old Shoes (And Picture Postcards), Tom Waits, canção de seu primeiro disco, Closing Time, de 1973...
A sentimentalidade dos sapatos velhos, dos coturnos grossos, deixa-me frágil, enternece-me ainda mais. É só a lembrança de um velho músico e de um velho menino...

quinta-feira, 22 de maio de 2008

O que é "Te extraño"?

"Te extraño" quer dizer "Não te reconheço", é isso? Obrigado! Sua sincereza é pusilânime (O que é isso?) (Agora limpe as gavetas para poder enchê-las de novo). Você pode fazer um favor bacana, acho... Troca essa foto de cara sisuda? É. Sim. Tira essa foto e põe uma mais suave, de boa... Se cuidar de si mesmo é uma dádiva reservada a pouquíssimas pessoas, menina siberiana, das neves, da Ibéria, de Moscou, de Havana ou das Havaianas verdes que arrancam o couro do pé (ou só do dedão do pé). Pegou as conchinhas que eu te pedi? Pegou? Pegou nada, eu sei... Se sei... Humpf! Não pegou conchinhas. Depois fica toda apavorada quando os peixes lhe mordem a bunda... Se pode? Claro que pode! "Dêxa" os peixinhos mordedores de traseiros mergulhados, devem por estar em extinção, deve de ter só uma pequena porção por esse mar. Então deixa eles. Então pode! Ei, quer trocar de chinelo? É uma sugestão. Os seus lhe arrancam o pouco couro branco que lhe sobra (o resto ou está roxo ou está vermelho). Pele de boricar, de boricar. Borica, então, vai. "Carça" minhas sandalhinhas de Jesus, coisinha de Jesus. Os meus chinelos já se arrastam e me arrastam, só. Tão pesado. Deixa os verdes, não vão me arrancar o couro, nem pele, nem o ouro nem o tesouro, então vai com as "percata de jesuis". Que cenho, senhor! Veja bem nos meus olhos por estes seus olhos de vidro contrabandeados (Um abraço a todos os chineses que nos ajudam no contrabando de cada dia, barateando as coisas minhas mais lindas: olhos para enxergar, cartãozinho de memória que funciona errado, oremos ao deus Xing Ling - Que nossos "olhim" bem parcos possam ser bem "vedores", que os produtos automáticos funcionem sem precisar reclamar, que nossas "foto" não sejam estragadas e que os cartõezinhos de memória trabalhem direito, e que a única memória que funciona não seja só a nossa, né? Mas mesmo assim, obrigado a todos que barateiam a vida e nos fazem os pastéis de bauru mais secos, com uma lasquinha de queijo e só uma rodelinha de tomate). Agradecemos a Xing Ling, o todo poderoso de nossas sapiências juvenis, que nos deixa mais crianças. Silêncio. Pronto! Eu comi bauru, você misto-quente! Tava bom o café-com-leite? Às vezes, acho que eu sou café-com-leite, mas, tipo, mas, você, mas, hum, ei, olha, quero dizer, bem, deixa eu pensar, bom, sim, tá, eu sou... hum, pra ver, eiii, é, eu sou café-com-leite, mas daquele bem "fresquim", com cheiro de girassol de Paraibúna. Lembrei. Tirou as "foto" lá? Na máquina tudo tá tão colorido, os "mundo" muito mais e tão bonitos. Você é "mei" colorida também, "num é"? Roxeadinhos, Branqueadinhos, Vermelhadinhos, Azuladinhos... Veja! Vamos brincar de fruta? Eu sô moreno, num sô roxo, mas quero ser açaí. É. Eu sou o açaí, mesmo quase "pretim" do sol. Você é cupuaçu, certo? Mas sem leite condensado, chega disso! (Novamente, agradeço aos chineses - ou será os japoneses? - saber lá... - que nos roubaram o cupuaçu, mas já devolveram, não é? Devolveram ovas! Nós fomos lá e tomamos de novo! Oras... O cupuaçu é nosso, e não abrimos mão disso. Fiquem com os olhos falsos e os cartõezinhos de memórias que não funcionam, mas me devolvam o cupuaçu, meu deus! Que falta de respeito, deus não é deus, mas, sim, Deus, com "D" bem maiúsculo, afinal Deus sempre foi bem "mais grande" que Dor e Dostoiévski, até onde eu sei. Estou certo, certo? Jesuis não vai gostar disso e vai tomá as percata. Tá vendo que nem as aspa aparecem mais, tão gasta, gastinha... Olha lá, olha, olha, olha! Olha lá! É gel? É? Deixa eu mexer com o dedão. Queimei o pé. Ai! Tão bonito era aquilo, colorido, transparente, gelatina... Água-viva. Vai me deixar bem morto ou bem sem pé... Ai! Gosto bacana de você, mas eu gosto mais de mim, acho que eu sou muito mais bonito, você não é feia, não, nem é, parece florzinha amarela sem nome no caminho do ouro do Jabaquara, acho que sim, talvez até um tantim até mais bonita. Eu sou bonito, num sou? Eu acho que você é... Já esvaziou as gavetas que falei dentro dos "parêntese" lá em cima? Acho que não, mas eu vi que você sorriu, nisso olhos brilharam, arranquei sorriso e guardei no bolso, no mesmo bolso que guardei as conchinhas que quebraram quando eu sentei...

terça-feira, 13 de maio de 2008

Um Beijo Roubado...


Beijo roubado é bom? Sim. Pode ser. Não é regra. Depende do ladrão. O delinqüente, por si só, poderá sentenciar ou fazer-nos sentir se o beijo roubado é mesmo bom. O "Beijo Roubado" do Kar Wai é bom, mas poderia ter sido melhor. Só pela Norah já é bom, pela Natalie Portman é melhor ainda... Como disse, depende de quem rouba.

domingo, 11 de maio de 2008

So Young

Vanessa Redgrave em Isadora (1968), direção de Karel Reisz

Bibi Anderson e Liv Ullmann em Persona (1966), de Ingmar Bergman


Estou ouvindo So Young neste domingo funesto, embora tenha tido os seus altos. Mas So Young seguida por Animal Nitrate me faz lembrar muita coisa e pensar.
O agora encaixa com um filme com Liv Ullmann, Vanessa Redgrave, Bibi Anderson. Todos bem observados, estudados.
A execução de Suede no que poderia ser chamado de vitrola se sucede... Eu estou bem aqui e não estou aí, mas bem que gostaria de estar.

Marina Tsvetayeva

Domingo à tarde, dia das mães:


Silêncio, palmas!
Cessa o teu apelo,
Sucesso!
Um só palmo:
Mesa e cotovelo.
Cala-te, festa!
Cotação, contém-te!
Cotovelo e testa.
Cotovelo e monte.
Juventude - rir.
Velhice - aquecer.
Que tempo pra ser?
Para onde ir?
Mesmo num tugúrio,
Sem uma pessoa:
Torneira - murmúrio,
Cadeira - ressoa,
Boca recomenda
- Mole caramelo -
Mais uma comenda
"Pelo amor do Belo".
Se vocês soubessem,
Longe ou perto, gente,
Como esta cabeça
Me deixa doente.
-Deus numa quadrilha!
A estepe é vala,
Paraíso - ilha
Onde não se fala.
Macho - animal,
Dono - vender!
A Deus é igual
O que me der.
(Venham de vez
Dias a juros!)
Pata a mudez -
Quatro muros.

Marina Tsvetayeva
(Trad. Augusto de Campos e Boris Schnaiderman)

Que caminho seguir?


Não sei qual caminho, a releitura de Mann, a brevidade de Fiódor ou o sintetismo de Piglia, devo seguir. O alemão, o russo ou o argentino. Como Sócrates, Solo so che niente so...

Rufus Wainwright em São Paulo


Enfim, um post em primeira pessoa. Bom, e é para falar do Rufus Wainwright, melhor, do show dele aqui em São Paulo, anteontem. Estive lá: foi belíssimo! Rufus proporcionou a nós brasileiros algo que não é comum na sua turnê européia e americana, apresentação solo e ainda acompanhado da família - da irmã Martha, da mãe Kate McCarrigle e do cunhado (marido de Martha) Brad Albetta.
Havia menos pessoas do que se esperava, mas isso foi um dos "melhoradores" do show, pois o deixou ainda mais intimista. Rufus apresentou seu cancioneiro em sua grande maioria ao piano solo, outras foram acompanhadas de algumas notas no violão.
O cantor mostrou-se espirituoso e simpático, não perdia um gancho para fazer uma piada e interagir com o público, as brincadeirinhas incluíam Martha e Kate, o cantor não perdoava mesmo. Adorei! Beleza difícil de se achar que foi rapidamente percebida nos acordes, na virtuose vocal de Rufus. Uma noite da qual não me esquecerei. Tudo parecia iluminado, mesmo na penumbra da casa de espetáculo que reservava apenas alguns pequenos jatos de luz sobre o piano e o semblante de Rufus Wainwright.
Pude ouvir "Grey Gardens" na voz barítona de Rufus e piano e arrefeci o meu espírito a apenas alguns metros de sua reprodução, minha iluminação...

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Buster Keaton - O Timing Perfeito do Riso

Todo mundo conhece Sir Charles Chaplin, não é? Um dos homens mais conhecidos no século XX, portanto dispensa apresentações. Chaplin deixou-nos para sempre o personagem Carlitos, talvez o mais imitado de nosso tempo. Quantos já não vimos por aí, com o bigodinho trapézio e com o andar de pato, com o fraque preto meio amarrotado. Pois é, este era Carlitos, que ria das próprias desgraças. Mas o alvo deste texto não é Chaplin, nem a cria Carlitos, mas um contemporâneo, que como Chaplin e Carlitos fez o mundo rir, mesmo no silêncio da era do cinema mudo. Ao contrário de Chaplin, não ria das próprias desgraças, mas levava-as muito a sério e talvez por isso tenha sido, em alguns momentos, até mais engraçado que Chaplin. Este era Buster Keaton, embora apregoado como "rival" do "vagabundo", os dois eram amicíssimos um do outro.


Buster Keaton no seu mais célebre filme, A General (The General, 1927)

Buster Keaton começou no vaudeville (forma de entretenimento muito popular no século XIX, na América; uma espécie de circo a céu aberto, com um palco onde havia uma miscelânea de atrações, desde musicais, encenações teatrais passando pelos espetáculos de horror - mulheres barbadas, anões, etc...). Para quem não conhece o cinema nas suas origens, talvez nunca tenha ouvido falar de Keaton, mas sim de Chaplin. Há inclusive uma "rixa" entre críticos e cinéfilos sobre quem destes é o melhor. O importante é que temos todos. Keaton e Chaplin compõem o sustentáculo mor da origem da comédia no cinema, e não porque dizer também do drama.

Obviamente, este texto não pretende biografar Keaton, mas lembrar que ele sempre soube como e o momento certo de arrancar um riso, até dos semblantes mais pesados. As gags e as peripécias de Keaton eram muito bem calculadas e até hoje admiradas pela ousadia de seu autor, já que Keaton fez cinema numa época ainda de poucos recursos de montagens e edição. Mas ainda assim não é possível passar imune aos seus filmes, ele o fará rir mesmo que não perceba. Um pouco dessa magia tem inclusive uma explicação científica pois Keaton, intuitivamente, já antecipou o que mais tarde viria ser denominado como Efeito Kuleshov. Keaton, com seu semblante imutável, criava no público uma relação subjetiva entre o plano de suas apresentações e o das emoções de cada espectador. Em síntese, o efeito ou a experiência Kuleshov foi demonstrada pelo cineasta russo Lev Kuleshov da seguinte forma:

  • Fez um plano com um ator e o deixou com a única expressão facial e, em edição, cortou para a cena de uma prato de sopa;
  • Com o plano da expressão do ator da primeira seqüência, cortou para a cena de uma criança morta em um caixão;
  • Depois, repetindo o processo, Kuleshov cortou para o plano de uma mulher.

A platéia que assistiu ao filme editado por Kuleshov foi unânime em dizer que o ator que ali representava era um ótimo ator, já que expressava muito bem os sentimentos de fome (no prato de sopa), de dor (na criança no caixão) e o de desejo (na mulher), ainda que a expressão do ator tenha sido a mesma para todos os cortes e seqüências, na edição de Kuleshov. (A experiência poderá ser visualizada no video abaixo).

Pois bem, voltando a Keaton, ele já antecipara o que Kuleshov demonstraria empiricamente através da montagem acima, o qual explica que Keaton tinha o tom e o semblante "perfeito" para as suas gags, já que Keaton terceirizava a expressão de sentimento ao seu espectador, criando a identificação instantânea. Coisas desse tipo o caracterizam como um criador ímpar do cinema de todos os tempos.

Até 1920, Keaton limitou-se a produção de curtas, quando então começou a fazer os seus primeiros longa-metragens, com destaque ao A General (foto acima), que retrata um período da Guerra Civil Americana. O filme é baseado na história real de um maquinista que tenta recuperar a suas duas amadas: a sua namorada e a sua locomotiva. Entre os curtas de Keaton, merece destaque o The Playhouse, uma montagem audaciosa onde quase todos os personagens são representados pelo próprio Keaton.

Hoje, vivemos a era dos recursos sonoros avançadíssimos no cinema; sistemas Dolby, THX, DTS e toda a engenharia de som a favor de que se ofereça cada vez mais a interação do barulho, das explosões e das invencionices dos comediantes que tentam utilizar-se destas precisões para fazer-nos rir, enfim, mergulhar de fato no mundo e na arte que conta a história do homem há mais de cem anos, mas sabemos que ainda que aliados a tamanha tecnologia, de imagem e de som, o timing do riso tem sido difícil, a começar pelos comediantes e roteiristas que tem trabalhado muito pouco ou deficientemente neste sentido. No cinema atual vemos muitas cores, resoluções das mais variadas, mas o preto e branco junto com o silêncio de Keaton continuam insuperáveis perante tanto amparato. Não é nostalgia, não. No decorrer dos anos, a partir de Chaplin e Keaton temos sido agraciados com senhores do humor absolutos, mas parece-me que a tecnologia anda na contramão disso, embora ela venha apenas para melhorar e facilitar a percepção de nossos sentidos, presentear os nossos olhos e ouvidos.

Mas a tecnologia não pode ser acusada como inimiga da comédia, aliás, pelo contrário, ela aparece como companheira na tentativa de fazer o homem rir, seja no circo, nos espetáculos de rua, no teatro, no cinema, nas piadas caseiras, nas tiradas on-line. A verdade é que Keaton não queria fazer-nos rir somente, ele mesmo queria rir de alguma forma, como nós quando vamos assistir a uma comédia. E ele, mesmo sem o som e as cores, funcionava como o nosso vizinho de poltrona na busca solitária pelo riso, com o seu rosto de pedra procurava e desafiava as mais diversas situações, e jogava a nós a responsabilidade dizer onde estava o sorriso perdido. O problema é que sempre nos transformamos em crianças ao assistir a Buster Keaton, e como crianças não sabemos esconder o ouro, Keaton, como o bandido, pedia para que entregássemos a ele o ouro ao nos explodirmos em riso, com a mais simples das gags, pois ele sabia que ser criança é rir mais fácil.