quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Conservar

Querem a minha conserva. Minha conserva. Pra quê? Utilidades à parte, querem a minha conserva. Conservar o sorriso amarelo, a aparência, o jeito educado e a polidez. Conservar a distinção, a obrigação, a leviandade e retidão. Conservar o que for alcançável e possível, querem conservar. Querem, de algum modo, a conservação de um estado de coisas do espírito, do sexo, de mim. Querem conservar a aceitação aos conservadores, à afetação aos meus parecidos. Querem, mas por que querem a aparência bem conservada, fina. Conservar a conversa, o verso, a teimosia, o repente, a poesia, o estrado trincado, o dente trincado, o espelho trincado, o corpo trincado. Querem conservar a trinca desespero, dinheiro e amor. Conservam longe tudo que sonham, tudo que querem conservados bem distantes fora de alcance. Querem conservar o que não se pode conservar, querem conservar as nossas almas perecíveis guardadas ao gelo, como os sentimentos. Querem conservar a idade e a juventude e a beleza, querem conservar o infinitivo impessoal, mas assim as coisas estão tão pessoais que já não dá mais, tudo é só querer e conservar, que exterminam o que conservarem, o que conservarmos... O mundo pessoalizou e não vão fazer nada pra mudar, não vão fazer nada para conservar o mundo do jeito que conservamos.

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