domingo, 6 de setembro de 2009

De Bota pra Copa

foto: arquivo pessoal

Baía de Guanabara, que para Levi-Strauss parecia uma boca banguela, num pôr-do-sol de junho de 2009



Desembarcávamos na praia de Botafogo numa manhã de insucessos, indescansável. (Como eu queria agora uma escrita mais corrente sem precisar usar sufixos como "in", sinônimos, não incerto, de infelicidade.) Mas havia uma vontade muito grande do descanso, da manhã descansável. E como era ruidosa a paciência que temia nos dominar, ficamos então dominados pela impaciência. O alojamento não havia recebido a nossa confirmação de reserva. "Que reserva?" O albergue era "lindo" o que não nos causaria surpresa se ali estivessem hospedados alguns belos senhores da família
Muridae. Fomos atendidos por um dos administradores gringos da estalagem, quase sob a escuridão, parecia-nos proibido o acendimento das luzes para atender educamente hóspedes que chegam para ocupar os aposentos. Não sei a razão. Por que pagaríamos por "tudo" aquilo? Mas não pagaríamos mais, graças as intervenções divinas que não fizeram chegar a eles o nosso e-mail de confirmação da muquifa reserva. E não havia mais vaga. Graças! Ah, muito melhor assim seria. Com poucas pilas no bolso, teríamos de nos revirar para encontrar outro lugar para dormir, tentar um dia descansável.

Raivosos pela insolência sofrida, saímos andando por Botafogo enquanto pensávamos no que seria, no que poderia, no que viria, no que não será, no que não poderá e no que não virá. As insistentes ponderações de grana nos martelavam a cabeça. Procurar um hotel, um outro alojamento, outro hostel, outro albergue, outra pousada, outro quarto, outro abrigo, quando àquela hora já um tapume de madeira que nos protegesse da maresia, do som periódico da avenida e do barulho dos carros, e onde poderia nos proteger de uma chuva fina, tal tapume seria de infinitas estrelas.

E não sei porque razão havíamos entrado na São Clemente, o que me fez lembrar do
Balé do Pato em Botafogo, de um dos mineiros mais cariocas, Paulo Mendes Campos, que narra, dentre outras, um fato com o salva-vidas que testemunha, por força de macumba pra ter o marido de volta, uma francesa indo a um aviário, que ficava ali no comecinho da São Clemente, pra comprar um pato branco pra soltá-lo na praia. Se o pato seguisse pela baía, o marido voltaria; se o pato voltasse, saísse da água, o marido não voltaria mais. Mas Alexandrino, o salva-vidas, não perderia tempo, lógico. Quando a madame fosse embora nadaria até o pato, e como pediria posteriormente à patroa para cozinhá-lo ao molho pardo.

Alguns acreditam em destino, eu acredito em travesseiro. Pois era só naquilo que eu queria acreditar. Mas seja o destino ou a atração definitiva por uma cabeceira no miolo de Copacabana, acabamos por parar a uns quarteirões do Copacabana Palace. Estávamos tão perto e tão longe do hotel das estrelas. Mas estrela de verdade era brilhar seis andares sobre a avenida Nossa Senhora de Copacabana e ouvir o murmurinho do Rio de Janeiro. As saliências cariocas. As desmedidas fluminenses. Não era à toa. Recordava-me de outros acepipes, sobre aquela mesma e eterna Copacabana. Esses dias são as matizes de sonhos. Poderia pensar? Não. Definitivamente, não. Exclamávamos que não poderíamos pensar. Deixemos que os poderes astrais que nos levaram incontinentis pelas calçadas da zona sul nos fizessem enfim sobre o pé do céu dormitar por algumas horinhas apenas, e que a insônia paulistana fosse insuflada de uma tomada de ar quando no caminho das arestas sem fim do hedonismo carioca.

A Botafogo dos planos convaleceu-se à pequena e larga história do dormitório copacabaniano, ou copacabanense, ou copacabanês. Há tantos houvera tantos. Lembrança de chuva, de mar, de nuvem. E quantas nuvens...

Mas sobrava sol. E foi tudo tanto assim tão. Para nós. A leveza suja de Botafogo valorizou a enorme e mascarada Copacabana. Terminando igualmente igual num outro texto em que de original não há nada senão ser o próprio palimpsesto de um outro, de uma outra lembrança, outra viga do tempo e da memória, no caminhar vadio, alegre, de Botafogo à Copacabana.

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