domingo, 13 de setembro de 2009

Glicerina

Silence is all we dread.
There's Ransom in a Voice -
But Silence is Infinity.
Himself have not a face.

Emily Dickinson


Eu lavo a saboneteira tirando dela os restos de outros sabonetes, restos de água e de outros detritos, para deixá-la pronta para o novo sabonete de glicerina que comprei. Estou sob a água do chuveiro enquanto a limpo para o novo sabonete. A água escorre pelos cabelos, desliza no pescoço, torso e partes íntimas e descem perfumando todo o meu corpo com os rastros do perfume glicerinado do sabonete, condensando na espuma uma espécie de paz que espalho pelo corpo.

A tarde é bonita. Há um sol vigoroso lá fora. Vejo tudo da janela do banheiro, ainda que não dê para ver muito. E sinto um sol bom. O dia é bonito. Vi um filme com fotolitos de um país bonito. Acho que não era o meu. E eu queria passar a tarde limpando a saboneteira, lavando o meu corpo e deixar que a figura do sol se resumisse aos rabiscos entre águas que sobravam de fora para dentro através da pequena janela do banheiro. Eu sabia que poderia, se quisesse, ter mais.

Acabo o banho, com o prazer de ter trazido a mim, com a água e com o perfume, o sossego de que precisava, apesar das preocupações não terem sido escoadas pelo ralo como a espuma muito branca e cheirosa do sabonete de glicerina que comprei.

Aquele país do filme parece estar longe, se é que existe. Mas existe. Eu sei porque eu já ouvi falar dele, daquelas cores, daquela música.

Seco o cabelo, os olhos daquela paisagem, a do filme e a da janela do banheiro. Com a toalha e um suspiro fundo, longe. Um pouco de azul e branco mesclados a um amarelo tranquilizante, de um tom 'maracujá', é o tom da paisagem, do filme, da minha imagem numa esquina de uma história não fantástica, mas de uma força muito azul, muito branca e de um amarelo-maracujá, dão-me sono, olhos bem abertos para o lado de 'lá'. E eu nem percebi que já estava jogado sobre a cama, sobre o edredom amarfanhado que me cobre já há tantos sonos.

Preciso de uma música de dentro para acalmar o que está fora.

Puxo a cadeira. Sento um pouco. Pego o telefone para dizer para alguém como me sinto bem, e o quanto me falta. Mas não, não é assim. Ninguém precisa ouvir isso. Eu não preciso dizer, por isso eu quero pensar no país bonito e naqueles fotolitos que de alguma maneira me fazem acreditar em outras possibilidades que não só aquela da janela do banheiro. Como o sol imensamente pode ser mais quente, mais...

É suave a água escorrer assim. Sinto um cheiro bom que fica na minha pele por algumas horas, talvez até o próximo enxague. A glicerina menos rude com a fragrância. A esperança menos rude com o dia.

Sentei para pensar, para escrever e não consegui. Não consegui misturar o cheiro às imagens com algum texto que poderia ter escrito. Não pude ou talvez não quis.

Um comentário:

Imira disse...

Qué bello... puedo sentir la nostalgia de aquello que todavía no viviste, pero que no tarda... ¡Chico, no tarda!