sábado, 5 de junho de 2010

1970

Eu viria em uma encomenda 9 anos depois, embalado pela Lei 6.683, a da Anistia, promulgada 11 dias antes de eu nascer. A ditadura perdia forças, mas ainda ecoava em todos os setores da sociedade brasileira. E quando se fala em ditadura, não há como ignorar o ato mais repressor desse período - o AI-5, que cerceou todo e qualquer resquício que ainda houvesse de liberdade e de direito de opinião. O Ato Institucional n° 5 foi decretado 11 anos antes da encomenda de meus pais que viria a ser eu; e um ano antes daquilo que costumamos hoje qualificar (e ganha força em época de Copa do Mundo) como o mais representativo "futebol arte": o escrete canarinho que viria a encantar o planeta com "manobras" realizadas com os pés.

Pois é, e quando se fala daquela seleção brasileira de futebol, é impossível indissociá-la dos tempos sombrios por que o país passava, vivia. Mas para os ultrajantes governantes deste continente "Brasil", a esquadra futebolística brasileira era a sua melhor propaganda, o seu maior símbolo - o de um Brasil vitorioso, progressista, combativo, guerreiro, forte e bonito.

Sabe-se que o povo brasileiro, a começar pelos nossos ancestrais colonizados pelos europeus, é tudo isso e mais um pouco, mas a propaganda - meio de comunicação aprimorado pelos nazistas, era agora uma arma ou uma aliada para usá-la junto à massa pelos governos populistas, para justificar tamanha reprimenda e limitação, e assim no Chile de Pinochet; no Paraguai de Stroessner; na Argentina de Videla; na Cuba de Batista; no Uruguai de Bordaberry; e no Brasil de Médici, apenas para ficar nas Américas.

Política e tirania à parte, quando nos deparamos com as pessoas, grupos, que faziam da arte e do esporte algo muito maior que não se restringe aos seus respectivos campos artísticos e esportivos, observamos que o panis et circenses infringe a sua própria razão e existência, desde a Antiga Roma.

Muitos indivíduos tiveram sua individualidade e vida corrompidos, num tempo em que era comum ouvir Beatles no rádio, ou no long play, porque eles não eram a história que fizeram, eles eram a história que faziam. Elvis, Warhol, Hitchcock, Morrisson, Kerouac, Pelé, Bardot; Woodstock, Nouvelle Vague e tantos outros marcos que compunham aquela era, que poderia ser a minha, mas os meus pais eram ainda muito jovens e não se conheciam.

Personalidades e fatos que hoje estão nas milhões de memórias que os presenciaram, e no video tape. Mas o video tape só reproduz as imagens, enquanto as pessoas ensinam o quão foi bom viver aquilo.

Tudo grande, majestoso, como se todos, apesar das limitações impostas pelos generais, entendiam cada segundo como a grandeza suficiente para uma coisa maior - "a celebração" -, como se um breve momento, rápido e fustigado que fosse, já brindaria à vida, que não se sabia até onde poderia durar. Ou até onde poderia haver encanto, e por isso encantaram.

Até os dias de hoje, nada disso pereceu.


Não é preciso gostar de futebol para gostar de ver "o jogo".

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