domingo, 8 de fevereiro de 2009

Sonhei que sonhei

- Sonhei que sonhei, mãe.

- É, filho? Que ótimo.

- É.

...

...

...

- Você não vai dizer nada?

- Precisa dizer alguma coisa?

- Bem, nada, não precisa dizer nada.

- Filho, diga. O que é que você quer que eu diga?

- Não, mãe, nada não.

- Diga...

- Não, mãe. Esquece.

- Esquecer e deixar você encabrunhado?

- Deixa.

- Filho, olha aqui.

- Humpf!

- Estou pedindo, filho, olha aqui.

- Mãe, tô aborrecido. Deixa pra outra hora.

- Filho, estou te pedindo, por favor, olha aqui...

- Fala...

- Por que você ficou aborrecido assim, de repente?

- Nada.

- Diga. Você me disse que sonhou que sonhou. Depois fechou a cara...

- Ah, mãe... Eu pensei que a senhora ia ficar curiosa pra saber o que eu havia sonhado que havia sonhado.

- Desculpe-me, então. Mas é um pouco estranha esta história de 'sonhar que sonhava'. O que isso quer dizer?

- Na verdade, não quer dizer nada. Talvez queira dizer, sim, mas só um pouco.

- O quê?

- Mãe, eu tenho sentido que as pessoas não sonham mais. Sonhar de verdade, sabe?

- Filho, querido, desculpa, mas está difícil de entender o que você está querendo me dizer.

- Bem, como eu posso dizer... Mãe, os meus colegas de escola têm me dito que os pais deles passam pra eles que sonhar é bom, mas que os sonhos devem ter limites...

- Continue...

- E, mãe, isso tem ocorrido várias vezes. Tem alguns colegas que têm medo de fantasiar sobre os desejos deles. Como se não fosse certo, proibido. Eles me dizem que é preciso viver a realidade. Tenho medo de acreditar nisso.

- Mas, filho, você tem medo de acreditar no que os seus amigos pensam, ou você tem medo de pensar como eles?

- É, acho que é isso. Tenho medo de pensar como eles.

- Bom, querido, você sabe bem que eu nunca te proibi de nada que seja bom, principalmente de sonhar.

- Tenho medo, mãe.

- Querido, não entendo o seu medo. Tem mais alguma coisa?

- Mãe, é esse negócio de viver a realidade. Eu sei que é a vida real de todo dia é a que vale de verdade. Tenho medo de que o meu sonho de andar de trem por aqueles países gelados fique só no pensamento... Mas é que eu acho estranho a gente ser proibido de sonhar, de imaginar coisas pensando, sonhando, lendo um livro...

- Filho, você deve sempre sonhar, não pode pensar diferente. Mas não entendi ainda esse negócio de 'sonhar que sonhou'... Me explica?

- Mãe, eu sonhei que sonhei. Eu sonhei que o sonho só era possível num outro sonho, que a gente vivia uma realidade onde já não pudesse sonhar. Vivíamos num mundo onde só existiam duas cores, o laranja e o cinza. As coisas eram estranhas, o mundo era estranho. Fiquei com medo. Será que isso é uma premonição do futuro? Sei lá, tem gente que diz que a gente pode ver o futuro pelo sonho.

- Filho, meu amor, vem cá. Olha para a mamãe. Não tenha medo dos sonhos e nem dos pesadelos. Se os sonhos dizem sobre o futuro eu não sei, mas são os sonhos que nós temos que podem fazer com que sejamos felizes no futuro. Por isso, te digo, não tenha medo dessas coisas. Não se envergonhe do seus sentimentos e desejos, um dia você vai viajar num desses países gelados, vai rolar na neve, mas isso não faz com que você esqueça da realidade que você vive hoje, sem abrir mão de sonhar.

- É mesmo, mãe.

- Então, vai lá pro quintal, vai brincar. Muitas crianças do mundo gostariam de ter este Sol na janela e de sentir o calor dele pra fazer muita coisa, pra se aquecer e brincar.

- O Sol também é bonito, né, mãe? O Sol é bonito igualzinho às montanhas de neve.

- Isso filho, igual às montanhas de neve...

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