quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Os escritos do papel

Se multiplicam, infinitamente, os meios de comunicação nessa era, que não me submeto a nomear. Já há tantos nomes e predicativos, e não me preocupo com eles. Nesses dias (dessa era) é quase impossível não saber sobre as coisas, ainda que, incidentalmente, a quantidade de todas as coisas cresce inversamente proporcional à qualidade e, melhor, à credibilidade.

Os artigos e conteúdos dos zilhões de sites, blogs - a tal da "blogosfera" - são em bilhares, e pressupõem um espírito muito crítico e cuidadoso para consumi-los e absorvê-los. Nesses não há nenhuma garantia de que o que é informado é mesmo verdade, ou se o conteúdo-informação é saudável para os cerébros-destino que ousarão processá-los. Estes tempos dos celulares "liquidificadores" que, se duvidar, fazem até vitamina, tal é o tamanho de recursos que congestionaram nesse aparelho, requer dúvida e mais questionamento sobre as coisas que possamos extrair deste pequeno aparelho. Não será nenhuma surpresa um desses que possa coar café ou tostar um pão - alguns já se parecem mesmo com tostadeira. O celular era para ser, primeiramente, uma alternativa e bem prática para se dizer um "oi" e outras coisas diversas, à distância, sem ter que estar em casa ou no trabalho, dependente daquele fio que vai no plugue para viabilizar as comunicações pelos arredores que o mundo convencionou chamar de "mundo".

Esta revolução é muito mais antiga do que costumamos pensar. O homem sempre foi imperialista e nunca conformou-se com seu aparte do mundo, quando, até antes das navegações, descobriu que havia um universo borbulhando longe de sua visão, do alcance do seu poder animal e transformador. As conquistas de território, desde os helênicos tempos, dos matizes alexandrinos, já instituía-se como uma forma de o homem poder abarcar o que, num primeiro instante, não se podia, por deveras grande que era aquela porção de terra imersa no espaço que não se sabia ainda ser plana ou redonda (ainda não sabemos). O sentimento de império, hoje, está estritamente ligado às informações, e como essas percorrem e alcançam o mundo. É o império da palavra, melhor, da mídia eletrônica, meio "virtual" (palavra já tão batida, mas necessária) que toca bilhões de pessoas, num segundo, num átimo. E isso pode funcionar muito bem para todos, inclusive para mim e para você.

Mas, apesar de tudo isso, ainda fico reticente com muito que é veiculado pelos meios que não são os físicos, táteis. Como se a infinitude de códigos binários que metamorfoseiam-se em holografias que servem de meio para que eu escreva estas palavras e as disponibilize para um número infinito de pessoas pela internet, fossem, por algum motivo, mais vulneráveis a mentira. Há uma autenticidade (discutível, claro) nos telegramas, nas cartas, nos diários, nos papéis, nos livros, que parece difícil para um blog, um celular, um portal na internet alcançarem. Que sejam louvados todos os meios que absorvem as vozes do mundo; as palavras precisam ser semeadas; e a internet e outras mídias eletrônicas têm sido inigualáveis nisso.

Muito foi produzido antes da revolução tecnológica, e muito disso foi registrado em papéis. Muita mentira foi autenticada em cartório, portanto os meios de comunicação que identifiquei como "táteis" não são menos sucetíveis à mentira.

Acontece que, para um antigo como eu, por mais mentirosa que seja uma carta, ela se compõe, do que denomino "síntese de existência", coisa que a mais verdadeira e bela das mensagens eletrônicas não possui. Na carta ainda é possível sentir a textura e o relevo da esferográfica, e até o cheiro. Sentir o amasso produzido pelos caminhos percorridos até chegar ao seu remetente. O e-mail é um conjunto infinito de sequências lógicas e matemáticas transcritos por um processador, a partir de um software, a partir de um servidor, e por este segundo, enviado por meio de impulsos elétricos, irrealizáveis e inimagináveis, até a "caixa de entrada" do destinatário.

Há também zilhões de livros publicados, bilhetinhos deixados em porta de geladeira, e para todos também é preciso, como para os conteúdos virtuais, cuidado e atenção para a digestão destas mensagens e informações. Mas a "síntese de existência" destes materiais, os fazem mortais. Se eu não gostar de um livro, de uma carta, de um bilhete, posso rasgá-los, posso queimá-los, e saberei que aqueles objetos foram destruídos de fato, porque são "objetos". E-mails, SMS e sites não são objetos. E, por si, são mais ordinários, mesmo que mais velozes que um pombo correio. De algum modo, indestrutíveís. Se eu jogo uma mensagem indesejada na minha "lixeira eletrônica" será que ela deixou realmente de existir?

Nesta multiplicação infinita das comunicações é preciso aprender que estamos num "mundo de mentira" se fazendo de um "mundo real". Entender isso é um caminho para que eu e você não nos entreguemos incondicionalmente à primeira carta e não desistamos dos e-mails. Os e-mails são informativos e velozes; os sites, coloridíssimos e cheios de imagem; mas cartas, bilhetes e diários EXISTEM.

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