quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Nos Acepipes de Copacabana

Barata Ribeiro, boas horas dos acepipes dentre outras horas entre outras coisas. O mar selando o território com sua canção nas ondas que batem ocas, lambem a areia, com a água a arrancar um banho roubado. Caminhar sem parar, peitar o mar e pedir benção à Nossa Senhora, a de Copacabana. Longínqua caminhada, imperceptível, por Drummond, pelo Forte que fora dos 18 revoltosos, mas que agora são dos revoltosos, não dos da Atlântica, mas dos da Paulista que tomam a Atlântica. Caminhada inesperada, despreparada, mas tão suave quanto não ver o Sol no Arpoador. O Sol de lá deve ser grafado com maiúscula, ainda que as Nuvens, também maiúsculas, o supere por alguns dias.
Enternecer-se no ar quente dos parques, das ondas que balançam o coração, até quando perceber-se já em Ipanema, sem garoto, sem garota, mas com alegria que não cabe em nenhum dos meninos que jogam bola por ali. Tomar poesia na Vinícius de Moraes que deságua na Vieira Souto que desemboca em Ipanema que desfalece em nossos corações. São tantas imagens, do Rio e do Mar, que não se acredita e duvida-se do soprar do vento e do barulhinho de longe da moçada gritando; mais alegrias na caminhada enquanto se vê o Leblon lá ao fundo.
O café "à la São Paulo" ficou lá na Nossa Senhora, já o almoço era procurado desde que enveredávamos Vinícius adentro, e os passos se iam Rio afora, como na procura do abrigo para acalentar os calcanhares cansados e os estômagos vazios; no início de tarde era a vez de iniciar-se o reinício das energias, religiosamente cumpridas e angariadas no sono da viagem, na viagem do sonho. Tomar um ônibus seria sensato, tomar um ônibus foi sensato quando surgiu, repentinamente, na Visconde Pirajá, ir até a Urca.
Aproximar-se da história, dos livros, dos sentimentos, da alta sociedade que ficara para trás, num tempo que não existe: rever o que nunca fora visto; o ônibus serpentear nas ruas pequenas, diminutas e estreitas da Urca. Da janela do ônibus já se vê o morro que dá nome à vila, e já se vê, numa imagem relativamente doce, o Pão de Açúcar. "Quantos morros, quantos solavancos aguentará nosso coração?" Os paulistas das sebes comiam pastéis de camarão e bolinho de bacalhau ali, entre o Leme, Copacabana e Botafogo; observa-se ao longe as galerias e janelas da Central do Brasil, a ponte que conecta o Rio pelo mar à Niterói; da mureta, que barra o mar, testemunha-se o resplandecer do Sol suave, que burla a regra das nuvens cinzas, para não nos privar de vê-lo, ainda que por minutinhos, o seu reflexo dourado sob a baía da Urca, esquentando com o seu ar preguiçoso os desejos de quem divide a cerveja e as conversas, por só não ver o tempo existir, mas vê-lo subir, mostrando-se como uma imagem única de força e de trégua dos dias tão extenuantes das obrigações.
Caminhar ainda, ver o tempo e não vê-lo ou ao menos tentar mensurar o poder de sua força; testemunhar o meio-a-meio do antigo Cassino sob o pé do morro; uma parte sua traz tristeza com as paredes quase caindo, a outra traz dúvida sobre o futuro, sobre a saúde da história da vila, percebida com a sola dos pés, com os rasteiros chinelos que desfilam, sob a sola, os restos dos grãos dos asfaltos paulistanos. No novo e no velho daquela sobriedade de chão que viu cabos erguidos para se passear lá por cima, para poder ver a cidade como não se pode ver de lugar nenhum. É preferível, por ora, a caminhada de apertos pela Cláudio Coutinho; quando se entra lá o céu é todo luz, já quando se sai o azul é penumbra da noite, como um balancete, o desvio da luz que vem da lua. Sobram os postes de luz amarela que iluminam a praça do anjo sem asas, os prédios históricos, e as cabeças cansadas e felizes.
Outra mini-caminhada, agora pela Avenida Pasteur: a avenida que abre o caminho para os outros cantos. Não cogita-se outro caminhar, senão pegar o ônibus, comer e descansar. Estar no Rio, num episódio assim, é estar e não estar, é sobre ser e sobre viver as coisas que a tenebrosa calma da rotina nos turva.
Subir lá e descer cá, do ônibus, e sentir a Barata Ribeiro novamente e, preferir, como bons paulistas do Brasil, uma nova pizza sem catchup do Rio. Feito isso, o sono ganha abrigo forte na cabeça e no corpo que se alimenta outra vez de mais um dia possível, que será ao modo de rascunhar o futuro com o pensamento; seja com o Sol a tracejar outra epopéia de pernas, seja com as Nuvens a desenvolver a sua contenda de águas arredias sobre as cabeças dos revoltosos de São Paulo, que teimam por dar marca à presença da garoa fina e linda do Rio de Janeiro.
A despedida é charmosa, é sob lágrimas, quando há satisfação no ar que se expele pelas narinas; desde a alegria de ver os queridos, embebidos de toda alegria da tarde de conversa e de morango com chocolate. É de tudo. Do anjinho nascido há pouco, e tão sorriso: é quase só o seu jeito. Na despedida, no caminho da volta, vê-se tudo numa outra perspectiva, das dos saudosos que arrefeceram o espírito pela calma da calamidade dos dias angustiosos. Os dias foram e ainda são, desde dentro do táxi, muito bonitos; a ver de longinho o Cristo lá em cima lá de baixo, agora visto iluminado com a luz dos homens para percebê-lo na luz do divino.
O táxi corta as ruas e a estrada dos nossos juízos, atestando uma saudade bruta e sadia.
Fica de tudo, e de umas coisas mais, um abraço às esquinas onde repousa parte de nossos amores, testemunhadas pelas fotografias e pelas palavras urdidas de nostalgia. Tudo fica, ainda que só por dias, por horas; nem por manjares, só por acepipes.

Nenhum comentário: