quinta-feira, 27 de março de 2008

Falso Império

O início: cinco da manhã. Um bocejo, uma piscadela, uma sensibilidade do ar quente que emana de dentro das cobertas. A noite ainda continua gélida, intimidante, energizante com o desafio que ela propõe. Não me proponho a nada, me desenho, me limo, me sonho. Quero ser o que os meus desejos não são. Enternecer-me por completo nos meus braços franzinos, arrepiados, tecidos e enervados, do calor e do frio.

Já são quase dez, o corpo treme, a cabeça mantém o tísico equilíbrio das coisas, da razão da matéria em volta. O trabalho é necessário para que mantenha ao menos o sentido de libertação desperto, vivo.

Mas o mundo todo, todas as ruas e calçadas estão cobertas de papel e caixas de papelão, como se tudo precisasse ser limpo e guardado, há doença por toda a parte, há uma bagunça generalizada da qual nossos olhos se acostumaram. Me acostumei.

Dezoito horas e nada mudou de um quarteirão para o outro, de um parágrafo a outro... É tudo tão igual e permanente, não incita-se a permanência, mas o fim das coisas, o cessar da música e dos ruídos surdos que ouvimos no construir interminável de nossas vaidades.

Rogai o império, o falso império. Temei a luta, a ardil batalha. Não fomos melhores, só fizemos barulho.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Paixões que Alucinam



Tudo pelo Pulitzer. Manicômio; a insensatez como viés para o reconhecimento; a glória. Samuel Fuller, como de costume, joga com as imagens para atordoar quem assiste à seus filmes. A junção de preto e branco acético com as alucinações coloridas tonalizam o desejo do diretor; não são flashbacks, são imagens desorientadoras, deformando a percepção sobre a verdade e a mentira, a distinção entre o sensato e o insano.


Mesmo com orçamento modesto, Sam Fuller, aliado a fotografia febril de Stanley Cortez, desenha e dá os parâmetros da história de loucura que se funde a razão (ou vice-versa) para angariar os objetivos que darão a tão desejada reputação ao protagonista, vivido por Peter Breck, ainda que estes sejam basicamente construídos pela vaidade. O jornalista Johnny Barrett se interna em um hospital psiquiátrico com o intuito de desvendar um assassinato ocorrido na instituição e, com isso, ganhar fama, reconhecimento e conquistar o Prêmio Pulitzer. O protagonista mede os meios para o fim mas não as conseqüências. Está criado o laboratório perfeito por Fuller para retratar a América.


Quem são os loucos, os insanos? Os normais, quem são?


As deduções e conclusões ficam a cargo de cada um que assiste a esta película pertubadora. O filme inicia-se e encerra-se com a seguinte frase de Eurípides:


"A quem Deus quer destruir, primeiro o enlouquece."


Uma bela parábola política por um cineasta instigador, incoseqüente, no melhor sentido da palavra.

Ficha Técnica:

Título Paixões que Alucinam (Shock Corridor)

Direção e Roteiro: Samuel Fuller

Ano de produção: 1963

País: EUA

Elenco: Peter Breck, Constance Tower, Gene Evans e James Best

Direção de Fotografia: Stanley Cortez