quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

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Desculpe.

Bom-dia.

Olá.

Au revoir...

A despedida é sempre algo estranho, não reside em pensamento, apartamento, alma ou palavra, está solta, esperando a próxima razão que vai lhe conceber valor e fazer valer o seu devido uso:


“Adeus, meu amigo.

Espero que a tacada da vida nos leve a outros bares, a nova embriaguês. Que nos leve a cantar perambulando pelas calçadas desta cidade provinciana, quando não há mais noite, nem dia, nem sossego, só o mote para o estampido de nossas vozes em crescente absurdo ressoando no acrílico dos teus óculos, nas vidraças das venezianas pudicas dos vigaristas que nos espionam, riem e choram de nossa coragem, da nossa virilidade exposta e da nossa leviandade incontida.

Adeus, meu amigo.

As tuas horas foram mais minhas que tuas, o teu suor foi mais casto que o meu, teus olhos mais cegos que a faca que atenua o meu terçol, o teu beijo num consciente dormente das minhas mais vagas loucuras sãs. Rebentei-te nos dedos, aprumei-te com amor, carreguei-te nos braços frouxos, com voz rouca aligeirei-te em tuas discórdias com os teus inimigos, insinuei desavenças já com a camisa abençoada com o teu sangue. Bruto. Sereno. Obtuso. Qual é a tua? Que porra honras? Que mentira desfias?

Adeus, meu amigo.

Sou humano na tua dúvida perversa. O caminho de tua sapiência está fincado em códigos binários que pr'o meu governo não representam nada. Mas largo-te, e não é ao acaso que a cena que desenhas com teu abraço é a representação mais linda da fuga do horror que te destrói nas merdas desta vida... Estás lindo, eu sei. Invejo-te na soberba e nas paixões, clamo-te nas dores e nas saudades e na previdente ternura que te perfuma, como sândalo, os teus músculos e o teu sexo.

Adeus, meu amigo.

Estou contigo mesmo na desonra, ainda que precise perfurar os teus olhos para não intimidar-se com os sombrios pensamentos, com a escuridão que o atormentam. Sabido do amor, sabido da coragem, sabido da verdade, dilacerastes com precisão a minha carne a ponto de meu desejo basear-se somente em reconstituí-la provendo de tua alma e de tuas artérias que pulsam vida, desencadeadas por vasos que serpenteiam todo o teu corpo, irrigam tua face, as tuas mãos cavas. Adeus, meu amigo. Os alardes das vilezas trincam até os dentes, desmoronam até o coro que balizam a sinfonia de meu coração...

Permaneço cá, como uma gota num copo transbordado.

Adeus, meu amigo."

*Texto escrito originalmente em 29 de setembro de 2006.

Sendo

Uma pausa às línguas estranhas, ao cotidiano que não é meu, a verdade que não amanhece e não divide a mesa do meu café...

O pão queimou na tentativa de fazer torrada e era apenas um pote e o seu resto de manteiga, agora é só um pote: minha verdade. Na tentativa de comer flores, me engasguei com os espinhos. A realidade está espalhada pelo meu quarto: minha cama, os chinelos, alguns pensamentos jovens já envelhecidos e uma vontade louca e abstrata... tudo por uma felicidade, como todo mundo (ou como poucos).

Desemboca a perspectiva, a percepção, que em mim nunca foram muito boas, talvez fossem quando tive nove anos... hoje são vinte e seis, e o raio desta esfera permanece inalterado desde os nove, mas é como se tivesse se expandido na proporção em que cresço, em que a minha ignorância amadurece e percebo que os musicais do cinema são apenas os movimentos causuísticos da tela, Billie Holliday apenas Billie Holliday, Ovolmatine apenas aglomerado de açúcar misturado ao leite, e meu estômago não é de aço.

Se sou forte? Claro! Eu não teria sobrevido a queda de minha infância, não teria forças então para encarar a mesa do café, a mesma que testemunha o pão queimado e a tentativa frustrada de fazer torrada...

Amigo, uma pausa à sua deficiência, a minha incoerência e a nossa inexatidão, deixe-me que vou lhe mostrar o que me separa do mundo: JANELA. Mas através dela tenho a certeza do sol. (Voltei a sorrir, acho).

*Texto escrito originalmente na noite de 26 de agosto de 2006.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Prum "brejim" pra lá do Wyoming...



Simula Factory, de Martha Wainwright, para manter a leveza de todo o dia... Momento de brevidade, sim, mas não único. Ah, caipirinha sertaneja, dos confins canadenses... Idílio é sua voz. Estou idiota. Conecto-me também a canção dos Triplets, do musical The Band Wagon, a essa minha audição, de lá do brejo, lá do norte, bem norte das Américas.

Mas saí do musical, voltei aos braços de Martha, melhor, à voz de Martha, e a ouço cantando tão linear I'll Be Seeing You. É mágica. Até música de natal ela canta. Não é mais natal, nem vai ser. Aliás, vai ser, mais pro fim do ano, só. Está longe? Nada! Vem logo, num instante. As luzinhas voltarão a rodear as árvores. Piscar nas residências. That's enternainment. Pianinhos e corais, crianças com asinhas de anjo. Mas agora é praia. É a palavra. É férias. É o momento. Somos todos momentos, não me atravo a dizer a razão. Mas todos os dias nos dividem, em Ítalo Calvino e Ricardo Piglia, nos misturamos nas comédias dos suspenses de nossos cobertores. Somos felizes? Acho que sim, do nosso jeito de ser sem querer com todas as coisas e acontecimentos da vida. Nunca temos culpa e somos os maiores responsáveis.

Somos nós e desatos, a liberdade de estarmos presos a esses segmentos circulares, sem fim e nem começo de toda a vida. Inicia-se no mesmo momento que termina - ouço Martha cantando música de natal, quando fingia sapatear com os dedos sobre a escrivaninha -. Nossas imprecisões são de alguma forma decências. Cativo o meu lugarzinho, minha paixão; tudo num balaio que se mistura tristeza e vontade de chorar, com lamúrias e um bruto desejo de gargalhar na companhia das músicas e das pessoas mais adoráveis.

Sino toca, sentimento toca, a música também; o coração em compasso, a banda também. O meu destino escrito em almaço, o meu diário na brochura, os meus propósitos nas pautas da agenda do ano passado. Vingou 2007. Vingou 2006. Vingou 2005... Vingou 1979. É a precisão de sempre, o desejo desde de quando houve um porvir e uma sensação de que VIDA é um aforisma de discussão para as faculdades de filosofia - The Great Gig In The Sky. Um grito enorme ecoa, piano e piano. Melodia.

O disco toca já há um tempo, e não termina.

Não precisamos terminar. As nossas rotações são tão infinitas quanto às nossas necessidades de erros e acertos, equilíbrio que se metamorfosea em lírica vésper a se contar nos dias não nublados...

Quantas nuvens não houveram hoje para que pudéssemos contar as estrelas?

Quantas estrelas houveram hoje para que não se pudesse haver nuvens para que não as escondessem e então para que pudéssemos contá-las?

O disco toca, toca.

Como nós, ele não termina. Agora é só a hora do Lado B.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

(What's the Story)?

Sonhei que participava de uma patrulha polar. Patrulha polar que caçava borboleta nas geleiras derretidas. Sonho. Caminhava até Berwick Street. Caminhava. Chega. Hora de voltar a dormir, exato. Com todo o sentido.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Propósito de Juventude

Uma das finalidades da arte como um todo é a de resgatar a juventude que reside dentro dos seres insatisfeitos com as condições que o tempo propõe, quando não se é mais tão jovem assim. A arte deve servir como essa ponte que nos leva à dimensão desconhecida de tempo e que perpassa até mesmo por experiências não vividas, com o objetivo de destacar e colocar em nosso exterior a juventude contida, esquecida ou até mesmo só imaginada. Não diferente, a nova produção de Francis Ford Coppola reintera este propósito.

Coppola, depois de quase 10 anos apenas cuidando de sua vinícola, se propôs, agora como hobby, a fazer algo que faz e bem: cinema. Exibido na premiére do Festival Internacional de Cinema de Roma, o seu novo filme, Youth Without Youth, parece ser uma síntese desta eterna busca, da juventude alheia a juventude. O próprio título, numa tradução bem livre e literal, em português, seria Juventude Sem Juventude. Poeticamente, a tradução para o italiano poderia simbolizar coerentemente o significado do filme: Un'altra Giovinezza, que traduzido seria Uma Outra Juventude.

O diretor diz ter rejuvenescido com o filme, já que pode se dar ao luxo de fazer e produzir o que lhe convier, sem a preocupação do mercado cinematográfico. Talvez, Coppola esteja mais autoral do que nunca e, portanto, ainda mais jovem e maduro, paradoxalmente falando. Maturidade sempre foi o cerne da cinematografia de Coppola, mas, segundo o próprio diretor, esta maturidade parecia estar embasada numa superficialidade inerente à estrutura do cinema feito hoje, com a preocupação básica de se fazer películas para arrecadar dinheiro, pura e simplesmente, deixando em segundo plano a coerência artística em que o cinema, como outras artes, se propõe e se define.

Claro que Coppola, como poucos, soube muito bem lidar com esta questão e subverteu a linguagem do cinema norte-americano de meados dos anos 70 pra cá, aliando vigor, bilheteria e precisão no gosto de desfiar o pensamento contemporâneo na busca da liberdade, a sua serena odisséia com O Poderoso Chefão e a mordaz apresentação do Vietnã em Apocalypse Now. Com o novo filme, Coppola, pode não renegar ou desdizer o que já fora dito em outras épocas até os dias de hoje, sobre as amarras do viés artístico feitas pela indústria do cinema, impossibilitando vôos mais subversivos, portanto, proposto à moldagens mais previsíveis de se fazer cinema, mas, antes de tudo, Coppola tenta solidificar uma vanguarda já idealizada há muito pelos cineastas franceses dos anos 60, que ainda continua sendo o mito e objeto de veneração por aqueles que calculam o cinema sem maquiagem e com muito suor. O próprio tema de Youth Without Youth, estrelado por Alexandra Maria Lara e Tim Roth, que trata de um jovem atingido por um raio, na ocasião da 2ª Guerra, e então sofre uma espécie de metamorfose regressiva e rejuvenesce 30 anos. Além da juventude, passa a ter também poderes de consciência interdimensional sobre o hoje e o futuro.

Essa interdimensão buscada nas artes, aparece como a parábola do futuro, ou melhor, do presente, desinibido por Coppola. Diariamente procuramos nos definir no paralelo da dimensão restrita do ser humano, que delinea as esferas do tempo que passou, o tempo que é e o tempo que será. Coppola, muito consciente disso, utiliza de sua arte para imprimir ainda mais discussão, o travamento eterno de nos sentirmos interessantes e úteis - de alguma forma sermos jovens.

A representação disso pode vir pelas artes, como bem fez Francis Ford Coppola, através de seu último, mas sintetizada em toda a sua filmografia, mas todos nós podemos, de alguma forma, desde que haja a fé necessária deste resgate, e isto não esteja vinculado ao Cronos.

Youth Withou Youth soma-se à batalha incessante das artes pelo refugo juvenil, pelas arestas que definem a vida intrínseca à sua beleza viril, forte e equilibrada. Saudemos todos os propósitos, tal como o da circular discussão sobre a juventude, sobre às incansáveis e inesgotáveis fontes artísticas que nos alfinetam, nos acordam para uma outra percepção de nossas vidas comuns, desvinculando-nos, por um período, disso que chamamos de realidade, vida presente, para nos mostrar outras possibilidades, e não menos dignas de se encantar com os sismas da vida, ainda que estes sejam apenas impressões impregnadas em negativo ou num Super 8.