sábado, 27 de fevereiro de 2010

I am the walrus

Eu não sou uma morsa, mas, muitas vezes, sou um pouco confuso, tal como a dupla Lennon-McCartney em suas letras, só que a minha confusão não tem tanto talento assim.

Estava lendo roteiros e documentos de cinema, quando olhei para minha estante e, do nada, parei a pensar, e me chamou a atenção - entre os tantos livros de cinema ali - um branco, grande, destoando dos demais, o The Complete Beatles Recording Sessions (The Official Story of the Abbey Road years 1967-1970), de Mark Lewisohn. Peguei a ler e o abro, involuntariamente, nas páginas 122 e 123, onde há as informações do início das gravações do "Magical Mistery Tour", em 1967.

Ao ler esta parte do livro, recordei e aprendi: o ano de 1967 é marcado por ser o ano de lançamento do considerado melhor disco dos Beatles, o "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", e também pela morte do mentor intelectual e comercial do grupo, Brian Epstein, que ocorreu em 27 de agosto daquele ano; e o grupo começaria as gravações do álbum "Magical Mistery Tour", a trilha sonora do filme, especialmente, a canção "I am the walrus", em 5 de setembro de 1967, data em que o glorioso Gentil Batista Maia completava 53 anos. Faltavam ainda doze anos e 3 dias para que eu viesse ao mundo.

1967 leva-me a um passado remoto, de lembranças confusas, mas bonitas em sua maioria. Me lembro das roupas de Paul, John, George e Ringo, na West Malling, como se lá tivesse estado. Mesmo sem ter nascido eu já carregava lembranças.


The Beatles - I am the walrus

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Wilson Martins

Este blogue não pretende transformar-se num obituário, não mesmo. Mas, assim como lembrou da despedida desse plano por parte de Salinger há algumas semanas, não há como não falar de outra pessoa que contribuiu para que a literatura não fosse uma coisa chata, como tantas que há no mundo.

Me refefiro a Wilson Martins, pois é difícil que nenhum estudante de literatura ou apaixonado por esta arte aqui no Brasil - e em diversos lugares do mundo - não tenha ouvido falar dele. E seria se o lessem, se não é pedir demais. Mas eu acho que é pedir demais. Não costumo e não gosto de ater-me a superlativismos, mas Wilson Martins é, sem sombra de dúvidas, o maior crítico literário que este país já produziu. E olha que, embora nosso país ainda não tenha cultura de produzir formadores de opinião em grande escala, aqui nasceram Antonio Candido, Ivan Junqueira, Afrânio Coutinho, Antonio Carlos Secchin, João Adolfo Hansen, Raimundo Carrero, Silvio Romero, Alfredo Bosi, Gilda de Mello e Souza, Roberto Schwarz e muitos outros.

Wilson Martins deixa uma obra vasta, para os futuros escritores e pensadores de nosso país, o que esperamos que sejam muitos. Em sua última fase como professor, lecionava literatura brasileira na Universidade de Nova Iorque. Autor da grandiosa História da Inteligência Brasileira, obra com a qual ainda não tive contato. Mas foi por outra obra de Martins que aos poucos descobri a relevância de seu trabalho e o seu papel: Crítica Literária no Brasil. Considero o seu trabalho heroico, porque ser professor, não guardar o conhecimento adquirido para si e ser portador do conhecimento que tinha num país como o Brasil, considero que indivíduos como ele possam ser chamadas de heróis. E como o bom brasileiro que escolhe esse caminho, tinha pouco espaço por aqui, pouca visibilidade, ainda que o seu trabalho fosse tão grande e de muitos resultados, coisa que não se vê de alguns que se intitulam intelectuais e recebem todos os espaços possíveis nos meios midiáticos nacionais.

Martins rolou a bola para que outros a chutassem; e nós, jovens ou não, testemunhamos dias em que a cultura brasileira, em especial a literária, precisa ser melhor trabalhada junto aos jovens e adultos para que, através dela, estabeleça senso de crítica e de afirmação. A arte literária é, antes que só a dualidade ficção/realidade que se transporta ao papel, é o uso que se faz dela; portanto, é instrumento de libertação. Estou aprendendo ainda, e tenho tanto por ler, por ver, por testemunhar nesta arte que Wilson Martins, como poucos no Brasil, deu forma e transformou.

A literatura é caracterizada no trabalho de Martins com uma das ferramentas que nos auxilia no entendimento de nossa época. O nosso próprio entendimento.

Faz falta.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ele, o amor

"(...) amor, me dizem, é algo tão medieval, antiquado, velho, sem cor, desbotado pelo tempo".

Volto alguns posts para encontrar a frase que deixei registrada em 21 de dezembro do ano passado, há exatos dois meses. Me parece que todas as coisas são, de alguma maneira, regidas pela égide do amor; o homem em seu íntimo tende a refletir os seus passos, a sua história com um lirismo que tem como alicerce o que denominamos por "sentimento puro". Até mesmo histórias e eventos que nada pareçam relacionar-se com o que julgamos ser o mais nobre dos sentimentos.

Em meio às selvagerias sociais e outros desequilíbrios provocado pelo homem - e não é de hoje - procuramos, por meio da fina sintonia que o pensamento ocidental dá ao significado de amor, algo que nos dê a redenção, e tal redenção se apresenta, muitas vezes, como aquele pote de ouro que dizem que há numa das pontas do arco-íris: na causuística de um destino infinito ou inexistente.

Com ou sem amor, estamos longe do que qualificamos de pureza. A pureza é um estrato inatingível, inexistente principalmente na qualificação mais simples - e não simplória - dos verbos "gostar", "amar", "apaixonar", todos sintagmas verbais que pedem um grau de impureza para que possam funcionar.

Caro leitor - adoto uma metalinguagem pueril, mas honesta -, o começo do texto serviria para a introdução de uma história de amor que é uma das mais belas do cinema, realizada por um dos melhores e mais controversos diretores franceses: Claude Lelouch.

Lelouch não é o queridinho da crítica cinematográfica internacional (eu não sou crítico, sou amante do cinema, portanto dane-se a crítica), e muitos compram a ideia feroz do que um grupo ou um segmento de pessoas diz, acatando como a maior das verdades, como a vertente de que as temáticas dos filmes de Claude Lelouch são estritamente superficiais, fincando-se com primazia nos alicerces que viabilizem, basicamente, o sucesso comercial de seus filmes.

Eu gostaria de poder falar de todos os filmes de Lelouch que até o momento pude assistir (que foram poucos) mas prefiro ater-me, indicar-lhe que assista, por razões lógicas, a um de seus filmes: Um homem, uma mulher.


Um homem, uma mulher - Claude Lelouch

A razão disso é que nesta semana assisti ao filme O segredo dos seus olhos, filme que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Trata-se de uma produção argentina, cujo diretor é um dos maiores expoentes do que se produz de película na região do prata: Juan José Campanella. A cena da estação de trem desse lembra muito a daquele filme.

Campanella e Lelouche, mesmo com um jeito enviesado de compor uma história, ambos, em seus filmes, se estabelecem na premissa do amor, sendo que o filme de Campanella ainda recebe uma aura detetivesca, policial, que em muitas vezes nos faz perder o fôlego, como no espetacular plano-sequência de uma perseguição num estádio de futebol. O papel de Ricardo Darín (como Benjamín Espósito), um dos grandes atores argentinos (e é quem dá o tom do filme) lembra o Sam Spade de Dashiell Hammet, de o Falcão Maltês, mas mais burocrático, apaixonado e saudosista. A diferença maior é que Espósito é um mero contabilista, que em todo o filme tenta recontar a sua história, por meio de memórias e de de um romance que há muito tenta concluir. Como se tudo isso pudesse resgatar o tempo que passou e o amor contido por sua chefe, a belíssima Irene (Soledad Villamil), pudesse então ser resolvidos (ou dissolvidos).

Com fino humor, o filme se desenvolve através de flashbacks para contar a história de amor de Espósito por Irene; e o filme não se perde, o que faz com que o espectador fique atento ao desenrolar do que é contado, e nada é óbvio, evidente, e devido à sua objetividade não tarda a atingir o espectador em cheio. Enfim, é um filme que não causa bocejos.

Este era pra ser apenas um "relembramento", e acho que estendeu-se até demais. Mas Lelouche e Campanella precisam ser vistos, porque o amor ali é tão comum, tão cotidiano, que nem parece obra de ficção, parecem histórias que, de alguma maneira, vivemos e testemunhamos com os olhos longe da tela, e sem as mesmices e clichês tão normais dos filmes que querem falar de amor, de paixão. Nos filmes, há muito mais do que um sentimento, mas um misto de alegrias e frustrações, nos quais nos identificamos em meio a risos e perplexidades de histórias que falam de corações apaixonados. E paixão pode até parecer demodé, mas nunca sai de moda.



O segredo dos seus olhos - Juan José Campanella