sábado, 24 de outubro de 2009

"Passageiro Negro"



(Após as explanações abaixo, creio não ser preciso conhecer o idioma para entender a mensagem do filme).

Traduzindo-se literalmente a palavra Schwarzfahrer do alemão, o significado seria algo como passageiro negro, no entanto, a semântica da palavra negro aqui nada tem a ver com a cor negra, mas faz referência a algo ou a alguém ilegal em determinada situação, como encontramos no composto sintagmático do português câmbio negro. Câmbio negro é a designação de um câmbio, mercado ilegal. Portanto, o significado da palavra Schwarzfahrer é passageiro ilegal, que analogamos aqui no Brasil àqueles que não têm dinheiro para pagar a passagem e pedem para o cobrador para passar por baixo da catraca. Entendido? Bem, a partir daí fica mais fácil entender a ideia deste curta-metragem alemão, de 1993, que faz uma crítica bem-humorada com relação a todo tipo de preconceito, dando ênfase a questão do preconceito étnico, aquilo que também conhecemos por xenofobia.

Um problema mundial, especialmente nos países desenvolvidos, o problema da xenofobia (etimologicamente, xenos, original do grego, significa estrangeiro e phóbos significa temor) tem atingido pessoas de diversos lugares que saem de seus países para buscar uma oportunidade de vida melhor em outro país. A Alemanha, onde foi produzido o curta, é um país que possui um grande número de imigrantes, e a maioria é de origem turca. Estima-se que, aproximadamente, mais de 2 milhões de turcos vivam na Alemanha. Utilizando este panorama, um dos maiores diretores do cinema alemão contemporâneo, Fatih Akin, que é de raízes turcas, já dirigiu vários filmes de grande impacto dentro e fora da Alemanha, e os seus filmes sempre tematizam a questão da identidade turca na Alemanha, uma identidade cultural que tenta permanecer forte longe de seu país de origem mas que sofre com o preconceito e os problemas de rebaixamento social.

No curta-metragem Schwarzfahrer, vencedor do Oscar de melhor curta-metragem de 1994, o diretor Pepe Danquart, de forma lúdica e inteligente, aborda a questão, ora apresentada, da xenofobia utilizando um bonde como cenário. Primeiramente, é preciso problematizar algumas diferenças culturais entre Brasil e Alemanha para que ao assistir o curta não fiquemos perdidos, certo? Bem, algumas situações que aqui no Brasil são aceitas e executadas sem grandes problemas como, por exemplo, pessoas passarem por baixo da catraca do ônibus, onde dificilmente são barradas ou expulsas do veículo, até porque quando alguém passa por baixo da catraca o faz com o consentimento do responsável pela cobrança da passagem, o cobrador. Na Alemanha a coisa é um pouco diferente, aliás, bem diferente. A passagem (Fahrkarte) deve ser comprada sempre antecipadamente, ou seja, antes de se utilizar o transporte, e essa passagem pode ser individual (válida para aquela viagem) ou por validade de tempo (paga-se uma taxa única e você pode utilizar o cartão em quantas viagens precisar dentro do período comprado que pode ser de semanas ou de meses). Ah, na antiga República de Weimar não é tolerada a entrada em qualquer veículo de transporte público caso não se tenha o bilhete ou o cartão da passagem, os alemães são diretos e objetivos com relação a isso: se não tem dinheiro para comprar a passagem, vá caminhar, faz bem. Na Alemanha, o cobrador das passagens (Kontrolleure) não fica fixo sentado diante da catraca, mas à paisana, fora do bonde ou do ônibus, e pode entrar no veículo em qualquer ponto de parada para fazer a cobrança das passagens. As passagens individuais são carimbadas e as de período apenas conferidas. Quem não tiver a passagem é convidado pelo cobrador a retirar-se do veículo, seja qual for a alegação do Schwarzfahrer por utilizar o transporte sem portar o bilhete.

Voltemos ao curta. Depois de uma análise rápida, percebemos o bonde como um microcosmo da Alemanha, representada com as suas minorias étnicas, como o rapaz negro que senta-se ao lado da senhora; vemos dois meninos em pé que são de origem turca; os demais passageiros pode-se dizer que são a representação da população alemã que, muitas vezes, se mostra pouco preocupada ou indiferente à questão dos imigrantes e às vezes não faz muito para mudar manisfestações explícitas de xenofobia e, com um grande mutismo, quietos, ficam à parte à ação que se desenrola no bonde. A senhora, de um mau-humor (antes fosse apenas mau-humor), representa a parte xenófoba da população, parte que é avesso à todo o tipo de pessoa ou manifestação que provenham de outro país, qualquer demonstração de cultura e credo que sejam diferentes dos seus.

A ação começa quando o bonde chega no ponto de parada e um grande número de pessoas entra no veículo. Mas dentre eles, dois personagens importantes para a trama: o jovem negro e o rapaz cuja motocicleta o deixou na mão, este último é o Schwarzfahrer, pois ele deixa a motocicleta de lado e, devido a pressa, não compra o bilhete e corre para pegar o bonde. Quando as pessoas já estão acomodadas no interior do veículo, o rapaz negro, ao ver um lugar vago ao lado da senhora que era ocupado pela sua bolsa, chega junto à ela e pergunta: "O lugar está livre?" A senhora não responde, apenas direciona ao rapaz um olhar ácido, que só falta perfurá-lo. Como a senhora não responde e não se habilita a tirar a bolsa do lugar vazio, o jovem senta-se mesmo assim, provocando uma certa ira da senhora. A partir daí, esta senhora começará a soltar todo tipo de impropérios e ofensas preconceituosas direcionadas ao jovem e à todos que atendam os "requisitos" e sejam alvo de suas palavras de injúria e de intolerância. A única manifestação verbal contra as palavras da senhora vem dos meninos de raízes turcas. Mas logo o grito de um deles contra a senhora é "abafado" pelo silêncio que ecoa no bonde. Mas no decorrer da trama nos perguntamos: alguém fará alguma coisa para calar a boca da velha?, o Schwarzfahrer será expulso do bonde? Assistindo-se ao filme teremos esta e outras respostas.

O fim do filme, que de algum modo não deixa de ser surpreendente, nos ensina aquilo que costumamos ouvir desde crianças: não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você.

E este é apenas um reparte e amostra da ignorância que temos de lidar em nossos dias. Reflita
e boa sessão!


P.S.: Há no You Tube uma versão legendada em inglês deste filme, mas optei em colocar a versão original sem legendas pois a qualidade de imagem desta é bem superior e, como dito no início deste post, após a leitura do texto creio que será bastante compreensível a temática e a abordagem deste curta. A edição legendada pode ser vista acessando o link: Schwarzfaher com legendas em inglês.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá,

Estamos montando um cadastro de blogs relevantes segmentados por assunto.
Caso tenha interesse em incluir o seu blog gratuitamente neste cadastro basta nos enviar uma mensagem para blogs@difundir.com.br informando o endereço do seu blog, e-mail de contato e assuntos que são abordados no seu blog.

Abraço,
Sergio
blogs@difundir.com.br
www.difundir.com.br