quarta-feira, 4 de março de 2009

À minha face

O céu visto do Metrô, entre as estações Armênia e Tietê, às 6h30 da manhã.


O rosto voltado para a parede, entre a cama e a parede. Escondida de não sei o quê. Escondia-te de algo que não querias encarar. Teus medos tão meus. Pela fresta, da porta meio aberta, invadia uma parte sensível de luz, razoável para apertar os teus olhos. Levava então as mãos ao rosto, o protegias mais com o lençol. Tão bela e crua. Tão só, mesmo comigo. Qual não era a minha simpatia em te ver despertar. Observar-te entender que a cama não era o mundo. O mundo tua continuação. Mas era assim todos os dias. Todo santo dia, religiosa nos cuidados do calçar os chinelos ao lavar o rosto. Encarar a luz.

Guardavas uma esperança. Não a dividias, talvez por receio, medo. Eu entendia, mas tanto quis saber, e quis que tivesses a dividido comigo também. Saber das tuas agonias e alegrias. Nunca pedi. Na verdade, nunca peço. Queria uma alegria suave a marejar os teus olhos, ainda que não explícita. Era bom pra mim, de certa forma. Gritava silenciosamente por querer ver o que tão politicamente escondias de mim. Estás certa. Vejo o teu café adornando a mesa com mais uns grãos, e a semente de linhaça que tanto fazes questão. Mas antes de sentares à mesa, vejo com que presença antes ris aquele riso perfumado da lavanda da toalete nova que deixei esta manhã sobre o lavatório. Teu rosto e tuas mãos tão silenciosos quanto cheirosos.

Minhas memórias são agora mais fortes. Contavas os acontecimentos do dia anterior no café, enquanto seguravas delicadamente um naco de queijo na mão esquerda, enquanto sorvias o café que eu preparara com uma afeição. Transbordei e continuo aqui, a falar de ti. Das coincidências, das minhas demências, querências. E de como não pude contigo, não pude com ninguém mais. Sinto a boca azeda.

Vejo o teu descanso outra vez. A visão encosta no sonho. Eu arrecado uma força.

Dormes tão bem, sem barulho, sem minha visão. Apertas os olhos, mas o sono é mais forte que o clarão que vaza da janela, e te condiciona à inconsciência, para continuar na vida de lá. Exclusa da exclusão. Dormes bem encostada à parede protegida com um fino lençol. Cobri-te no tardar da noite, e naquela manhã permanecias coberta, com o teu quase-manto.

Será que sabes o que penso de ti? Alguma desconfiança? Acho que não, e se sabes, finges não saber, com sabedoria.

Posso te acordar? Posso ver como recebes a primeira luz do dia, como a percebes? Como tua retina retrai e tua boca retorce? Ouvir o teu resmungo por ter sido acordada na hora imprópria? Acordar-te quando mais prezavas o sono?

A resposta talvez seja sempre 'não', à minha face. Mas entendo as tuas negativas.

Ficarei com as fotografias daqueles negativos que renderam as molduras que adornam as paredes de minha casa. Em quase todas sorris desavergonhadamente. E acho que não quero mais nada. Ou quero e não sei.

Não te escondas. Não vou me aproximar. Fico aqui. Viverei bem, só, por te assistir, te acolher e te velar...

Vires o rosto para a parede e continues a descansar.