quarta-feira, 10 de setembro de 2008

"¿Y quién no tiene un amor?"

Alejandra

A maior poeta argentina uma vez escreveu - o que dá nome a este post - em seu poema Exílio, este dedicado à Raúl Gustavo Aguirre, poeta argentino do meio do século passado, e pertencente a corrente da poesia argentina conhecida como "Invencionismo":


"¿Y quién no tiene un amor?

¿Y quién no goza entre amapolas?
¿Y quién no posee un fuego, una muerte..."

Raúl Aguirre estava à frente da revista "Poesía Buenos Aires", e foi responsável pela apresentação de vários novos poetas e promessas literárias da Argentina de então. Apresentou-nos Alejandra Pizarnik. Na ocasião, Alejandra era estudante de filosofia da Universidade de Buenos Aires.

Alejandra, com sensibilidade e apuro, deixou um legado poético intenso, nos seus ensaios, poesias e diários. Surrealista e lírica, apresenta-nos uma tênue dilaceração dos sentidos na sua busca incessante por alguém ou algo que possa lhe presentear com repouso e esperança, saná-la da angústia. Quase uma poeta neo-romântica, vivia os tenebrosos dias das guerras e perturbações, fora das conjurações da tísica e das revoluções do século XIX.

A poeta nasceu em Avellaneda, em Buenos Aires, em 29 de abril de 1936. Depois dos estudos na Argentina, passou a colaborar em periódicos, quando foi apresentada a Raúl Aguirre. No início dos anos 60, residiu em Paris, quando estudou literatura na Sorbonne. Nesta época também contribuiu para inúmeros periódicos literários na França, inclusive na Cahiers du Cinéma (revista que tinha como colaboradores também François Truffaut e Jean-Luc Godard).

Os anos 50 é a sua fase mais produtiva, época que escreve incessantemente e de tudo. Resvala no erotismo e na homossexualidade. Por esta razão, sua família, nos textos desta época, acaba subtraindo muito de suas anotações.

Aos poucos, é percebida fora dos países de língua espanhola. É praticamente desconhecida no Brasil. Em português do Brasil, a vi apenas em uma antologia publicada pela editora Iluminuras: Poesia Argentina 1940 - 1960, organizada por Bella Josef e lançada em 1990. Outro caso em que os filhos da língua portuguesa, que não se enveredam por outras línguas, ficam carentes de apreciar e de sentir as obras das palavras, ainda que estas sejam universais, ficam limitadas.

Alejandra faleceu em 1972, com apenas 36 anos, pouco depois de passar uns dias numa clínica psiquiátrica, após uma crise de depressão. Morreu devido a ingestão anormal de barbitúricos.

Não é inédito o fim de Alejandra, principalmente na poesia. Vimos isso, e muito, com tantos outros bardos que não se encontram e caem; mas permanecem como nossos eternos aedos.

Sem fugir da simplicidade e sem ater-se ao lugar comum, perguntou a si:

E quem não tem um amor?
E quem não goza por entre amapolas?
E quem não possui um fogo, uma morte,
um medo, algo horrível,
ainda que fira com plumas,
ainda que fira com sorrisos?

(extraído do poema Exílio)


Dois dos poemas mais belos:

La Jaula

Afuera hay sol.
No es más que un sol
pero los hombres lo miran
y después cantan.

Yo no sé del sol.
Yo sé la melodía del ángel
y el sermón caliente
del último viento.
Sé gritar hasta el alba
cuando la muerte se posa desnuda
en mi sombra.

Yo lloro debajo de mi nombre.
Yo agito pañuelos en la noche y barcos sedientos de realidad
bailan conmigo.
Yo oculto clavos
para escarnecer a mis sueños enfermos.

Afuera hay sol
Yo me visto de cenizas.


**********


Exílio

a Raúl Gustavo Aguirre

Esta manía de saberme ángel,
sin edad,
sin muerte en qué vivirme,
sin piedad por mi nombre
ni por mis huesos que lloran vagando.

¿Y quién no tiene un amor?
¿Y quién no goza entre amapolas?
¿Y quién no posee un fuego, una muerte,
un miedo, algo horrible,
aunque fuere con plumas
aunque fuere con sonrisas?

Siniestro delirio amar una sombra.
La sombra no muere.
Y mi amor
sólo abraza a lo que fluye
como lava del infierno:
una logia callada,
fantasmas en dulce erección,
sacerdotes de espuma,
y sobre todo ángeles,
ámgeles bellos como cuchillos
que se elevan en la noche
y devastan la esperanza.

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