Buster Keaton no seu mais célebre filme, A General (The General, 1927)
Buster Keaton começou no vaudeville (forma de entretenimento muito popular no século XIX, na América; uma espécie de circo a céu aberto, com um palco onde havia uma miscelânea de atrações, desde musicais, encenações teatrais passando pelos espetáculos de horror - mulheres barbadas, anões, etc...). Para quem não conhece o cinema nas suas origens, talvez nunca tenha ouvido falar de Keaton, mas sim de Chaplin. Há inclusive uma "rixa" entre críticos e cinéfilos sobre quem destes é o melhor. O importante é que temos todos. Keaton e Chaplin compõem o sustentáculo mor da origem da comédia no cinema, e não porque dizer também do drama.
Obviamente, este texto não pretende biografar Keaton, mas lembrar que ele sempre soube como e o momento certo de arrancar um riso, até dos semblantes mais pesados. As gags e as peripécias de Keaton eram muito bem calculadas e até hoje admiradas pela ousadia de seu autor, já que Keaton fez cinema numa época ainda de poucos recursos de montagens e edição. Mas ainda assim não é possível passar imune aos seus filmes, ele o fará rir mesmo que não perceba. Um pouco dessa magia tem inclusive uma explicação científica pois Keaton, intuitivamente, já antecipou o que mais tarde viria ser denominado como Efeito Kuleshov. Keaton, com seu semblante imutável, criava no público uma relação subjetiva entre o plano de suas apresentações e o das emoções de cada espectador. Em síntese, o efeito ou a experiência Kuleshov foi demonstrada pelo cineasta russo Lev Kuleshov da seguinte forma:
- Fez um plano com um ator e o deixou com a única expressão facial e, em edição, cortou para a cena de uma prato de sopa;
- Com o plano da expressão do ator da primeira seqüência, cortou para a cena de uma criança morta em um caixão;
- Depois, repetindo o processo, Kuleshov cortou para o plano de uma mulher.
A platéia que assistiu ao filme editado por Kuleshov foi unânime em dizer que o ator que ali representava era um ótimo ator, já que expressava muito bem os sentimentos de fome (no prato de sopa), de dor (na criança no caixão) e o de desejo (na mulher), ainda que a expressão do ator tenha sido a mesma para todos os cortes e seqüências, na edição de Kuleshov. (A experiência poderá ser visualizada no video abaixo).
Pois bem, voltando a Keaton, ele já antecipara o que Kuleshov demonstraria empiricamente através da montagem acima, o qual explica que Keaton tinha o tom e o semblante "perfeito" para as suas gags, já que Keaton terceirizava a expressão de sentimento ao seu espectador, criando a identificação instantânea. Coisas desse tipo o caracterizam como um criador ímpar do cinema de todos os tempos.
Até 1920, Keaton limitou-se a produção de curtas, quando então começou a fazer os seus primeiros longa-metragens, com destaque ao A General (foto acima), que retrata um período da Guerra Civil Americana. O filme é baseado na história real de um maquinista que tenta recuperar a suas duas amadas: a sua namorada e a sua locomotiva. Entre os curtas de Keaton, merece destaque o The Playhouse, uma montagem audaciosa onde quase todos os personagens são representados pelo próprio Keaton.
Hoje, vivemos a era dos recursos sonoros avançadíssimos no cinema; sistemas Dolby, THX, DTS e toda a engenharia de som a favor de que se ofereça cada vez mais a interação do barulho, das explosões e das invencionices dos comediantes que tentam utilizar-se destas precisões para fazer-nos rir, enfim, mergulhar de fato no mundo e na arte que conta a história do homem há mais de cem anos, mas sabemos que ainda que aliados a tamanha tecnologia, de imagem e de som, o timing do riso tem sido difícil, a começar pelos comediantes e roteiristas que tem trabalhado muito pouco ou deficientemente neste sentido. No cinema atual vemos muitas cores, resoluções das mais variadas, mas o preto e branco junto com o silêncio de Keaton continuam insuperáveis perante tanto amparato. Não é nostalgia, não. No decorrer dos anos, a partir de Chaplin e Keaton temos sido agraciados com senhores do humor absolutos, mas parece-me que a tecnologia anda na contramão disso, embora ela venha apenas para melhorar e facilitar a percepção de nossos sentidos, presentear os nossos olhos e ouvidos.
Mas a tecnologia não pode ser acusada como inimiga da comédia, aliás, pelo contrário, ela aparece como companheira na tentativa de fazer o homem rir, seja no circo, nos espetáculos de rua, no teatro, no cinema, nas piadas caseiras, nas tiradas on-line. A verdade é que Keaton não queria fazer-nos rir somente, ele mesmo queria rir de alguma forma, como nós quando vamos assistir a uma comédia. E ele, mesmo sem o som e as cores, funcionava como o nosso vizinho de poltrona na busca solitária pelo riso, com o seu rosto de pedra procurava e desafiava as mais diversas situações, e jogava a nós a responsabilidade dizer onde estava o sorriso perdido. O problema é que sempre nos transformamos em crianças ao assistir a Buster Keaton, e como crianças não sabemos esconder o ouro, Keaton, como o bandido, pedia para que entregássemos a ele o ouro ao nos explodirmos em riso, com a mais simples das gags, pois ele sabia que ser criança é rir mais fácil.
Um comentário:
Maravilhosa crônica, revi Buster Keaton numa sessão que passou em um sala de jazz aqui em Lisboa. E deu vontade de ler mais sobre este ator impar.
Parabéns
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