quarta-feira, 7 de maio de 2008

Buster Keaton - O Timing Perfeito do Riso

Todo mundo conhece Sir Charles Chaplin, não é? Um dos homens mais conhecidos no século XX, portanto dispensa apresentações. Chaplin deixou-nos para sempre o personagem Carlitos, talvez o mais imitado de nosso tempo. Quantos já não vimos por aí, com o bigodinho trapézio e com o andar de pato, com o fraque preto meio amarrotado. Pois é, este era Carlitos, que ria das próprias desgraças. Mas o alvo deste texto não é Chaplin, nem a cria Carlitos, mas um contemporâneo, que como Chaplin e Carlitos fez o mundo rir, mesmo no silêncio da era do cinema mudo. Ao contrário de Chaplin, não ria das próprias desgraças, mas levava-as muito a sério e talvez por isso tenha sido, em alguns momentos, até mais engraçado que Chaplin. Este era Buster Keaton, embora apregoado como "rival" do "vagabundo", os dois eram amicíssimos um do outro.


Buster Keaton no seu mais célebre filme, A General (The General, 1927)

Buster Keaton começou no vaudeville (forma de entretenimento muito popular no século XIX, na América; uma espécie de circo a céu aberto, com um palco onde havia uma miscelânea de atrações, desde musicais, encenações teatrais passando pelos espetáculos de horror - mulheres barbadas, anões, etc...). Para quem não conhece o cinema nas suas origens, talvez nunca tenha ouvido falar de Keaton, mas sim de Chaplin. Há inclusive uma "rixa" entre críticos e cinéfilos sobre quem destes é o melhor. O importante é que temos todos. Keaton e Chaplin compõem o sustentáculo mor da origem da comédia no cinema, e não porque dizer também do drama.

Obviamente, este texto não pretende biografar Keaton, mas lembrar que ele sempre soube como e o momento certo de arrancar um riso, até dos semblantes mais pesados. As gags e as peripécias de Keaton eram muito bem calculadas e até hoje admiradas pela ousadia de seu autor, já que Keaton fez cinema numa época ainda de poucos recursos de montagens e edição. Mas ainda assim não é possível passar imune aos seus filmes, ele o fará rir mesmo que não perceba. Um pouco dessa magia tem inclusive uma explicação científica pois Keaton, intuitivamente, já antecipou o que mais tarde viria ser denominado como Efeito Kuleshov. Keaton, com seu semblante imutável, criava no público uma relação subjetiva entre o plano de suas apresentações e o das emoções de cada espectador. Em síntese, o efeito ou a experiência Kuleshov foi demonstrada pelo cineasta russo Lev Kuleshov da seguinte forma:

  • Fez um plano com um ator e o deixou com a única expressão facial e, em edição, cortou para a cena de uma prato de sopa;
  • Com o plano da expressão do ator da primeira seqüência, cortou para a cena de uma criança morta em um caixão;
  • Depois, repetindo o processo, Kuleshov cortou para o plano de uma mulher.

A platéia que assistiu ao filme editado por Kuleshov foi unânime em dizer que o ator que ali representava era um ótimo ator, já que expressava muito bem os sentimentos de fome (no prato de sopa), de dor (na criança no caixão) e o de desejo (na mulher), ainda que a expressão do ator tenha sido a mesma para todos os cortes e seqüências, na edição de Kuleshov. (A experiência poderá ser visualizada no video abaixo).

Pois bem, voltando a Keaton, ele já antecipara o que Kuleshov demonstraria empiricamente através da montagem acima, o qual explica que Keaton tinha o tom e o semblante "perfeito" para as suas gags, já que Keaton terceirizava a expressão de sentimento ao seu espectador, criando a identificação instantânea. Coisas desse tipo o caracterizam como um criador ímpar do cinema de todos os tempos.

Até 1920, Keaton limitou-se a produção de curtas, quando então começou a fazer os seus primeiros longa-metragens, com destaque ao A General (foto acima), que retrata um período da Guerra Civil Americana. O filme é baseado na história real de um maquinista que tenta recuperar a suas duas amadas: a sua namorada e a sua locomotiva. Entre os curtas de Keaton, merece destaque o The Playhouse, uma montagem audaciosa onde quase todos os personagens são representados pelo próprio Keaton.

Hoje, vivemos a era dos recursos sonoros avançadíssimos no cinema; sistemas Dolby, THX, DTS e toda a engenharia de som a favor de que se ofereça cada vez mais a interação do barulho, das explosões e das invencionices dos comediantes que tentam utilizar-se destas precisões para fazer-nos rir, enfim, mergulhar de fato no mundo e na arte que conta a história do homem há mais de cem anos, mas sabemos que ainda que aliados a tamanha tecnologia, de imagem e de som, o timing do riso tem sido difícil, a começar pelos comediantes e roteiristas que tem trabalhado muito pouco ou deficientemente neste sentido. No cinema atual vemos muitas cores, resoluções das mais variadas, mas o preto e branco junto com o silêncio de Keaton continuam insuperáveis perante tanto amparato. Não é nostalgia, não. No decorrer dos anos, a partir de Chaplin e Keaton temos sido agraciados com senhores do humor absolutos, mas parece-me que a tecnologia anda na contramão disso, embora ela venha apenas para melhorar e facilitar a percepção de nossos sentidos, presentear os nossos olhos e ouvidos.

Mas a tecnologia não pode ser acusada como inimiga da comédia, aliás, pelo contrário, ela aparece como companheira na tentativa de fazer o homem rir, seja no circo, nos espetáculos de rua, no teatro, no cinema, nas piadas caseiras, nas tiradas on-line. A verdade é que Keaton não queria fazer-nos rir somente, ele mesmo queria rir de alguma forma, como nós quando vamos assistir a uma comédia. E ele, mesmo sem o som e as cores, funcionava como o nosso vizinho de poltrona na busca solitária pelo riso, com o seu rosto de pedra procurava e desafiava as mais diversas situações, e jogava a nós a responsabilidade dizer onde estava o sorriso perdido. O problema é que sempre nos transformamos em crianças ao assistir a Buster Keaton, e como crianças não sabemos esconder o ouro, Keaton, como o bandido, pedia para que entregássemos a ele o ouro ao nos explodirmos em riso, com a mais simples das gags, pois ele sabia que ser criança é rir mais fácil.

Um comentário:

Crishane disse...

Maravilhosa crônica, revi Buster Keaton numa sessão que passou em um sala de jazz aqui em Lisboa. E deu vontade de ler mais sobre este ator impar.
Parabéns