Roberto Bolaño em foto para o jornal El País (Espanha)
Há esperança para o futuro da literatura, uma esperança latino-americana, esperança chilena, mais especificamente Roberto Bolaño. Acabei de ler Noturno do Chile. E percebi o quão precioso (não consigo encontrar outro verbete como predicativo) é o escritor chileno, quão doce, lúgubre, político e essencialmente literário é Noturno do Chile.
Eu estava em paz. Agora não estou em paz. Estas palavras são de Sebastián Urrutia Lacroix, o narrador deste livro que não possui divisão em capítulos, é contínuo, como se tratasse de um relato único do padre, cuja paixão, além do sacerdócio, é a literatura e o desenvolvimento da sapiência e paixão através da crítica literária. Num monólogo, Sebastián Lacroix desenvolve as suas memórias, os seus desejos, aprendizados e experiências que vão desde o contato com Farewell, o maior crítico literário do Chile e espiar Pablo Neruda olhando para o céu fazendo poesia à dar aulas de marxismo ao general Pinochet e sua cúpula - na época do golpe militar de 1973 por Pinochet ao primeiro governo socialista eleito democraticamente na América Latina que era o de Salvador Allende.
O livro é político mas este não é necessariamente o seu viés, o livro é essencialmente literário. Quase como uma ode ao Chile e às suas letras, não só pelas memórias de Lacroix, com Neruda e outros escritores e aspirantes ao mundo das letras chilenas, mas como ele é elementar ao mostrar uma paixão de um homem pelo seu país, pela sua história, por seus símbolos e, finalmente, por sua memória que o faz mais forte e vigoroso em cada palavra enunciada sobre a vida e a experiência com seus patrícios.
Há passagens deliciosíssimas, como o encontro com Neruda na casa de Farewell, como o relato da história do escritor chileno don Salvador Reyes ao encontrar o escritor alemão Ernst Jünger em Paris na casa de um amigo guatemalteco. E há passagens de suma reflexão, quando é "convidado" a lecionar marxismo à Pinochet e quando rememora os saraus na casa da então amiga María Canales, que posteriormente será descoberta, melhor, o marido de Canales, como colaborador do regime de Pinochet. O livro não é o retrato somente da transformação de um país, mas principalmente deste processo com os seus indivíduos.
Se houver uma predisposição de tempo, é possível "traçar" o livro de uma única vez, com as suas pouco mais de 100 páginas.
É uma infelicidade muito grande Bolaño não estar mais entre nós (o escritor morreu em 2003 em decorrência de problemas no fígado), porque o mito que o cerca, e não trata-se de só mito, mas de muita coerência, o aproxima de Cortázar, Borges, Carpentier, Arlt e o que de melhor as letras hispano-americanas construíram e presentearam o mundo. Terminado Noturno do Chile tive a impressão de que lia um cânone que ainda não era, mas o será em hora que não tardará chegar.
Num artigo do jornal espanhol El País, de 2008:
(...)Bolaño ha sido condenado a la fama póstuma y a una reverencia que él mismo hubiese abominado. Antes de su muerte en 2003, era un escritor desdeñado, admirado tan sólo por sus amigos(...)
Ainda que a luz da vida de Bolaño tenha se apagado há 6 anos, ainda acredito que há esperança nas letras, na nova literatura, na jovem literatura... Que o Chile e outros países sejam testemunhas sempre do frescor da boa letra, bela, etérea e eterna.
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