O pai em frente à televisão ligada. Notícias sobre política, comícios, jornalistas, artistas na TV e o menino não entendia nada. Não sabia nada daquilo, do significado de tanta gente nas ruas, portanto nada fazia sentido pra ele. Muito barulho, camisetas amarelas, muita gente falando. O menino, com 5 anos, não podia mesmo saber do que se tratava. Descobriu na escola, uns 5 anos depois. Eram as "Diretas Já". Era 1984. O ano em que o mundo deveria acabar. E não acabou. Para o Brasil ele começou. Começou de novo em 1984. O menino se lembra de que, àquela época, havia sobre o armário da cozinha uma Colomba Pascal imensa (sob os olhos de uma criança, em lembrança, tudo parece ganhar uma magnitude maior do que realmente é). Era a época da Páscoa. Era abril.
Na mesma época, em uma confusão de imagens, ele se recorda do pai em frente à TV, e que fazia um sol muito forte, muito claro e que clareava toda a sala. Era feriado então; para o pai estar em casa num dia de sol, só podia ser domingo ou feriado. O pai trabalhava durante os dias e só chegava quando o sol já estava muito fraco ou quando já não estava. Era um dia de sol, e o pai lustrava a sua bicicleta no chão da sala, com a TV ligada. Todos os canais falavam de um só assunto e o pai pedia para que o menino não fizesse o menor barulho, queria ouvir a TV. Ver o que se passava. O pai do menino era metalúrgico, e conheceu nas suas visitas ao sindicato o homem que agora dirige o Brasil. Então, associou, o que entendeu só depois, a confusão de imagens, de gente e de mistério que exibiam na TV. Era a morte do Tancredo. Aquele que quis dirigir o Brasil naquela época, para levá-lo a outros rumos, outras histórias. Aquele homem, o Tancredo, morreu, pouco depois da Páscoa. Era abril.
Sem saber, 25 anos depois, o menino rememorou tudo aquilo. Recordou de tudo, agora num mundo diferente do daquele que compartilhara com o pai, e que agora não compartilha mais. O menino, sem querer, se lembrou do pai, do tempo, do sol, das vontades e da ingenuidade. Ele fotografou alguma coisa que não se perderá, não em filme nem em documento. Guardou, simplesmente porque algo instintivo fez com que levasse aquelas imagens, aquelas ousadias de que não entendia, só porque queriam liberdade. O menino lembrou de tudo outra vez e chorou. O menino se lembra de que o pai não choraria. O pai, formoso. Se recompõe. O menino olha para o vazio e sorri. É abril.
Um comentário:
Seu Dé, lá onde estiver, sorri com você!
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