quinta-feira, 17 de julho de 2008

Taxidermia do amor perdido

O amor existe. Ponto. Todos estão felizes. Ponto. Para viver basta amar. Ponto. Todos os nossos juízos estão certos e os teares do coração bem ajustados para tecer a felicidade que não amolecerá jamais. Ponto. A igualdade entre os povos nasce do amor. Ponto. As idéias planas, os amores vivos. Ponto. Todos lutam por um mundo melhor. Ponto.


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Os relacionamentos tendem a ser melhores daqui por diante, sim. As pessoas se amam mais hoje do que antigamente. Tudo ajuda. As comunicações facilitadas e as distâncias diminuídas são a chave para os corações não estilhaçarem. Ainda que eles já estejam perdidos ou, melhor, partidos - no fim das contas parônimos viram sinônimos e tudo torna-se uma coisa só: alegria ou decepção. A alegria é mais irrigada, mas a decepção florece mais. Juramos que não haverá outra discussão. E nos queremos tanto. Nos queremos tanto que nos enjoamos um do outro, enjoamos um ao outro. Sonhamos cada um em nosso mundo de cores, mas o querer é tanto que as cores desbotam na inércia infinitesimal desse sentimento. É simples, "vem cá, vamos nos abraçar e esquecer as mágoas, as brigas, vamos nos ajudar, vamos lá, nos jogar do altiplano e ver todo o mundo durante a queda." É preciso ver de longe, lá de cima: Olímpia, as cariátides gregas, as pontes engenhadas, todos os espelhos do mundo a nos refletir: "eu, você"; o badalar do sino da igreja velha, quase demolida pelo tempo, como o nosso coração: demolido pelo tempo.
Todas as verdades, de algum jeito, estão conosco, mas adoramos apostar na mentira. E sempre vamos achar que somos felizes assim. De um modo, somos mesmo felizes. De um modo, um modo apenas, porque, nos demais modos, somos duas abelhas a vagar em busca de um lugar para poder colher o pólen para fabricar o mel no mundo amargo que fabricamos. O amor ainda pode ser alguma coisa que se pode confiar, mas a estratificação das emoções e dos sentimentos, inclusive das razões, não são dignas de crédito, nem de nossas energias, para poder fazer valer a máxima de que "para viver basta amar".


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Não posso mentir pra mim, então digo que você é a suprema beleza: me aparece e me faz feliz; me enternece e consegue interligar as diferentes instâncias da minha mente e do meu corpo. Entre os dois há um abismo imensurável, isso é verdade, mas a imensura passa a ser combalida ou, ao menos, desafiada por esta carta, por este texto, por esta anedota. Todas as minhas palavras, faladas ou escritas, são frutos deste destemperamento contínuo de meu raciocínio com as lógicas do sexo e com a matemática dos desejos que me subvertem.
Nunca estive tão são. Nunca estive tão apegado às negativas que afirmam o meu estado de pura auto-admoestação. Mas tudo por um bom emprego da força que ainda existe para poder me fazer senil em meio à essa academia de dor, onde destroça-se o passado, desfia-se os minutos, copia-se as tantas horas contadas que guarneceram nossos dias ternos e muito absolutos por sermos tão ingênuos, quando ríamos por um mero tropeço, por um soluço. As ligaduras do passado machucam e amortecem; com as mãos tão estendidas para o futuro, corro pra tudo que está lá na frente - nestes amanheceres repetidos, aprendo outra vez mais. Tão tácitos: a sessão do sacrifício e do riso. O desmembramento dos opostos e dos efêmeros. Sou uma criança, é verdade. E sempre pensei que já fosse um homem e fosse dono de todo o ciso do mundo.


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Mas o moleque sabe que precisa entender das coisas do amor, por isso o estuda pedaço a pedaço, momento a momento. Pesquisa o amor, empalha o coração. Sobra uma réstia de vida pra tudo isso? Resta, sim, a réstia guardada no corpo e na alma do rapaz que um dia leu aquela história sobre as vezes de amar, as vezes de perder, as vezes de lutar e as outras aquelas de concordar com as perenes verdades que vão flagelar todas as vidas de desassossego, inclusive a sua.

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