domingo, 6 de junho de 2010

Os finais

O final de um filme é como o recomeço da vida. Nos desligamos da tela e voltamos a prestar atenção nas luzes, nas pessoas, no amigo, no amor que está ao lado. Alguém que dividiu uma alienação para uma outra vida que se passava na tela; uma vida em que as coisas são mais fáceis ou mais difíceis - conforme os roteiros e personagens - que a nossa.

Para que saiamos da sala de cinema com um ar de satisfação, com um sentimento de que aquela hora, uma hora e meia, duas horas, três que sejam, é preciso que o fim do filme seja bom, não necessariamente feliz, mas bom no sentido de "bem realizado", de "emblemático".

Há finais felizes que são uma tragédia, há finais tristes que são soberbos. O final de um filme tem que funcionar tal como uma aula para o que chamamos de vida real. Se aprendemos ou desaprendemos com esta arte é relativo, mas dali pode incorrer sonhos, desatinos, tristezas, alegrias, humores, amores, fome, cansaço e um rol quase infinito de sensações e sentimentos. Seja qual for o que lhe cause, a cena final de um filme deve despertar pensamentos ricos, saudáveis, inteligentes. É lógico que não só o fim do filme, mas todo ele deve ser assim.

É importante não confundir bons finais com finais complexos, porque alguns acreditam que um bom final de filme são aqueles em que o roteirista e o diretor trabalham para que o final seja quase como uma "teoria inversa às leis surrealistas sob a ótica romântica da relatividade". Esqueçam essa teoria que eu acabei de inventar, um final é sublime quando calcado na simplicidade, não quando "simplista"; quando faz-nos refletir sobre a mensagem, não quando pretende relativizar sobre o mundo e sobre todas as coisas que há nele.

É difícil falar e lembrar de finais de filmes marcantes. Foram tantos desde a infância, mas eu posso dizer que há alguns que me marcaram, como o de "Rainha Cristina", com Greta Garbo; o de "Paisá", de Rossellini; de "Os Incompreendidos", de Truffaut; o de "Nove Rainhas", de Fabián Belinsky; de "A Malvada", com Bette Davis; "Noites de Cabíria", do Fellini, enfim, tantos outros, que não vou conseguir lembrar de todos agora.

Mas há um final que é extremamente marcante para mim, como o de tantos outros, mas de uma maneira estranha, peculiar, única. Neste final não há diálogos, há um gesto (que eu não vou falar qual é) de extrema força, ainda que simples. O filme é "A Aventura", de Antonioni. O filme em si já é perturbador, um filme "anticlímax", por esta razão o clímax do filme será esperado pelo espectador até o fim, o "grand finale". Quem já assistiu ao filme, sabe do que estou falando, e quem não assistiu entenderá quando assisti-lo.

O filme de Antonioni é só um exemplo entre tantos que eu poderia utilizar; a força de "A Aventura" é muito mais do que poderia supor quando o vi pela primeira vez, por esta razão utilizo-o como exemplo. Mas finais de filmes podem ser marcantes, podem ser chatos, pois são tantos os filmes que lembramos por ter sido bons, mas com finais chatos, e dos tão ruins com os seus finais tão bons (isso quando há paciência de se esperar o fim de um filme ruim). Em mais de um século, já se fez tanto no cinema; tantos créditos, atores, personagens, vidas, espectadores marcaram ou foram marcados, com os filmes de seus intangíveis finais. É muito coisa para um texto pequeno num blog perdido no Cone Sul.

Algo parecido acontece com os romances; no entanto não concluimos a leitura de um romance em 90 minutos. Por esta razão, por questões de tempo e paciência, é muito mais fácil terminamos um filme ruim, do que um livro ruim.

Bem, independentemente do final desse ou daquele filme, o legal é que, de alguma maneira, os destinos de personagens, a conclusão dramática, o diálogo final de um filme, de uma peça, de um livro, sejam sempre enriquecedores, no que se refere à vida que levamos fora da representação: a vida de obrigações, de problemas, das contas a vencer etc. Se o final de um filme não é feliz, não é o mais importante; importa sim que o final de um filme seja um pequenino recomeço, ainda que em um milésimo de nossa constituição, para a vida que retornamos quando são acesas as luzes do cinema.

A vida segue e outras nos esperam nas próximas sessões.

Um comentário:

Imira disse...

"mais sessões"... são finais seguidos de começos, recomeços... logo, podem não ser finais... será?