Eu a vi de longe. Cruzava a rua, com um caderno de capa preta e dois envelopes coloridos. Num deles consegui enxergar a sua caligrafia vermelha e redonda. Estava bonita, estava bem. A sua saia verde de linho lhe caía formidavelmente bem, tal qual meu queixo quando a vi. Estava apenas a alguns passos, sentado no banco da praça da matriz. Os seus cachos que pendiam descansando nos sombros refletiam a luz do sol mormaço daquele dia, que vez ou outra dava as caras. Mas o dia era mesmo de uma só estrela. Sabe o nome dela.
Percebi a sua aproximação quando ouvi o estalar das folhas secas, com os seus passos, que preenchiam a calçada. Eram tantas espalhadas pelo chão, quase não notava-se o concreto liso que havia ali. Não é outono, mas as árvores parecem ter antecipado suas sazonais calvícies.
As oportunidades em que pude a observar assim, com tamanha minúcia, desabroxou em mim uma vontade de escrever, de externar em palavra essa glauca alegria. Rascunhei poesias, como essa:
Nos olhos redondos que retesam maior ímpeto,
contenho-me, na minha inconclusão.
Menos por mim, mais pelo meu coração.
Eu perdi a mim mesmo, desde que a conheci. A sua verdade, que concebo, é muito para mim. A sua essência é mais do que os meus sentidos podem compreender. Mas, a cada olhar, a cada caminhada, a cada sorriso lépido, a cada lembrança do seu modo de andar, de se vestir e de deixar as coisas ao seu redor existirem em ambivalência, consagro como indiscutível. Consegue entender o que digo? Desculpe-me se eu às vezes sou impreciso nestas minhas descrições, afinal minha composição é imprecisa. É possível que um dia entenda.
Vê-la cruzando a rua me provocou uma sensação de calmaria e de bondade instantânea. Bateu-me uma vontade incontinenti de sair por aí fazendo caridades, abraçando desconhecidos, beijando amigos ou quem cruzasse o meu caminho. Mas de toda esta efervescência denotava que brotava mais uma frivolidade característica dos meus hormônios em desarmonia com a realidade em que trabalhava o meu coração: você não me notava.
Na natureza e nos tempos, em muitos casos, tudo se altera com tamanha rapidez, que a força do homem não há de mensurar.
Hoje, acho, é um dos dias mais felizes de minha vida. Descobri que existo. Não sei em que proporção ou intensidade, mas existo. Tudo adquire outra forma, minha cabeça uma nova filosofia de entender os sentimentos que tecem os seres humanos. Especialmente a mim.
Saí há pouco no quintal, a trote cruzei o jardim e cheguei no portão. Vi que lá, preso em uma das grades, havia um envelope colorido. Nele cintilava a mesma caligrafia vermelha e redonda que notara em um dos envelopes que carregava em suas mãos juntamente com o caderno de capa preta, há dois dias. Estranhamente, o envelope estava selado e com o carimbo dos correios. 'Não era possível, moramos apenas a três quadras', e, por isso, não havia razão de receber carta sua, pareceu-me inverossímil o que minha mente confabulava antes de verificar o remetente constante do envelope.
Mas as minhas suspeitas confirmavam-se: o envelope fora mesmo postado por você. Trêmulo, deixava a carta instável em minhas mãos. O susto. A surpresa. A existência. 'Eu existo, mais do que poderia supor', mais: pra você.
'Calma, vamos com calma', eu dizia a mim mesmo. Desdobrei, desajeitado, o papel que continha poucas palavras, mas as suficientes para estreitar o significado e significante de meu passado para estabelecê-lo agora, na pequena carta que guardarei no meu criado-mudo para todo o fim.
Na carta continha apenas o convite para o seu aniversário, mas não é apenas: é tudo. A honraria de vê-la, entre outros convivas, no dia em que faz anos, num momento em que fica mais bonita, pra mim é maior. O meu contentamento agora suplanta o outrora sentimento de pequenez frente a indiferença que parecia nutrir por mim, seja dentro da sala-de-aula, seja no pátio do colégio. A verdade não é assim e eu também muito menos. Que tudo tenha sido apenas timidez.
Sinto-me melhor. Será o dia do seu aniversário, e o dia de meu renascimento. O dia da troca, e da nova esperança; de compreender que, mesmo que me reprovem, gritarei para o mundo que sou grande. Você me convenceu.
Percebi a sua aproximação quando ouvi o estalar das folhas secas, com os seus passos, que preenchiam a calçada. Eram tantas espalhadas pelo chão, quase não notava-se o concreto liso que havia ali. Não é outono, mas as árvores parecem ter antecipado suas sazonais calvícies.
As oportunidades em que pude a observar assim, com tamanha minúcia, desabroxou em mim uma vontade de escrever, de externar em palavra essa glauca alegria. Rascunhei poesias, como essa:
Nos olhos redondos que retesam maior ímpeto,
contenho-me, na minha inconclusão.
Menos por mim, mais pelo meu coração.
Eu perdi a mim mesmo, desde que a conheci. A sua verdade, que concebo, é muito para mim. A sua essência é mais do que os meus sentidos podem compreender. Mas, a cada olhar, a cada caminhada, a cada sorriso lépido, a cada lembrança do seu modo de andar, de se vestir e de deixar as coisas ao seu redor existirem em ambivalência, consagro como indiscutível. Consegue entender o que digo? Desculpe-me se eu às vezes sou impreciso nestas minhas descrições, afinal minha composição é imprecisa. É possível que um dia entenda.
Vê-la cruzando a rua me provocou uma sensação de calmaria e de bondade instantânea. Bateu-me uma vontade incontinenti de sair por aí fazendo caridades, abraçando desconhecidos, beijando amigos ou quem cruzasse o meu caminho. Mas de toda esta efervescência denotava que brotava mais uma frivolidade característica dos meus hormônios em desarmonia com a realidade em que trabalhava o meu coração: você não me notava.
Na natureza e nos tempos, em muitos casos, tudo se altera com tamanha rapidez, que a força do homem não há de mensurar.
Hoje, acho, é um dos dias mais felizes de minha vida. Descobri que existo. Não sei em que proporção ou intensidade, mas existo. Tudo adquire outra forma, minha cabeça uma nova filosofia de entender os sentimentos que tecem os seres humanos. Especialmente a mim.
Saí há pouco no quintal, a trote cruzei o jardim e cheguei no portão. Vi que lá, preso em uma das grades, havia um envelope colorido. Nele cintilava a mesma caligrafia vermelha e redonda que notara em um dos envelopes que carregava em suas mãos juntamente com o caderno de capa preta, há dois dias. Estranhamente, o envelope estava selado e com o carimbo dos correios. 'Não era possível, moramos apenas a três quadras', e, por isso, não havia razão de receber carta sua, pareceu-me inverossímil o que minha mente confabulava antes de verificar o remetente constante do envelope.
Mas as minhas suspeitas confirmavam-se: o envelope fora mesmo postado por você. Trêmulo, deixava a carta instável em minhas mãos. O susto. A surpresa. A existência. 'Eu existo, mais do que poderia supor', mais: pra você.
'Calma, vamos com calma', eu dizia a mim mesmo. Desdobrei, desajeitado, o papel que continha poucas palavras, mas as suficientes para estreitar o significado e significante de meu passado para estabelecê-lo agora, na pequena carta que guardarei no meu criado-mudo para todo o fim.
Na carta continha apenas o convite para o seu aniversário, mas não é apenas: é tudo. A honraria de vê-la, entre outros convivas, no dia em que faz anos, num momento em que fica mais bonita, pra mim é maior. O meu contentamento agora suplanta o outrora sentimento de pequenez frente a indiferença que parecia nutrir por mim, seja dentro da sala-de-aula, seja no pátio do colégio. A verdade não é assim e eu também muito menos. Que tudo tenha sido apenas timidez.
Sinto-me melhor. Será o dia do seu aniversário, e o dia de meu renascimento. O dia da troca, e da nova esperança; de compreender que, mesmo que me reprovem, gritarei para o mundo que sou grande. Você me convenceu.
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