domingo, 12 de agosto de 2007

Camarada

"Você podia estar aqui..."
A vida não é assim, construída com "podia", "deveria", "queria". Os sonhos ainda são muito discutidos pelos filósofos, pelos poetas, pelos engenheiros, pelos arquitetos, pelos cozinheiros e pelas lavadeiras de todo o mundo, mas ainda não chegou-se a um consenso sobre a matéria das coisas sonhadas e das coisas materializadas, se estas eram mesmo sonho ou se eram feitas pelo propósito de existirem, que nossas mentes apenas anteveram.
As coisas estão ainda mais relativas se comparadas às dos meus 3 anos de idade. 1982, era esse o ano. O início da consciência de que se está num mundo, num negócio enorme, que nos olhos de uma criança, parece ser feito de pessoas iguais, as pessoas apenas diferem-se em seus tamanhos. Meus tios, irmãos de meu pai, eram mais baixos que os meus tios irmãos da minha mãe. Entre tios grandes e baixinhos, permanece mesmo o encanto único de ser o menino carregado ao colo por todos, todos fortes, pelas minhas tias, lindas, que já mostravam pra mim, desde então, que a vida podia bem ser um momento de cuidado eterno de todos conosco, onde sempre deveríamos ser protegidos e carregados ao colo. Não é, pai? A tua ausência física hoje não reflete-se simplesmente na falta daquele que mais me carregou ao colo, naquele que mais tinha força entre todos, ainda que fosse baixinho, com 16 eu já o ultrapassava e o zombava que não conseguia mais enxergá-lo, de tão alto que ia ficando, e olha que eu não sou alto, mas, na verdade, o senhor que era grande demais, e eu ainda tento alcançá-lo, como se ainda batesse as palminhas no teu peito, esticando minhas mãozinhas para te agarrar e me pendurar em teu pescoço, tranqüilo: estava contigo.
Hoje não é o seu dia. O seu dia é sempre que lembro de você - todos os dias. Na criança ou no jovem mais pessimista que poderia ser nos meus 17 anos, quando adoeceu, não seria imaginável os 10 anos desde que você virou estrela, ou um exercício de pensamento eterno dentro de todas as minhas possibilidades, que resumiam-se no Camões que fiz questão de escrever na pedra que te guardou:
Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.
Mas, todo o motivo de tentar ser o que desejo, ainda reside numa ternura que não verei mais em ninguém, uma força que não saberei mais espelhar, numa mão que não poderá mais me segurar, ainda que apenas para um afago na tristeza ou para um abraço de recompensa.
A vida pela busca de status, de diferenciais baseados, em boa parte pela recompensa material, cansa-nos, desgoverna nossos sentimentos mais nobres, que é o de simplesmente estabelecer-se e fincar a felicidade no território tão insólito que deixam hoje a todos, crianças, jovens, adultos, senhores. Estou entre eles, pai. Você está assistindo filmes muito coloridos ou, no mínimo deitado na tua rede que ficava estendida na área de casa, em todo caso, está descansando de todo o cansaço desse negócio enorme que é o mundo que me deu de presente, me presenteou com essa caminhada sem fita de chegada.
E ainda caminho, viu, pai? Sem você aqui pra ver, pra puxar a orelha, ou pra dizer se o caminho é certo. É certo que, por você, caminho...

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