domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ele, o amor

"(...) amor, me dizem, é algo tão medieval, antiquado, velho, sem cor, desbotado pelo tempo".

Volto alguns posts para encontrar a frase que deixei registrada em 21 de dezembro do ano passado, há exatos dois meses. Me parece que todas as coisas são, de alguma maneira, regidas pela égide do amor; o homem em seu íntimo tende a refletir os seus passos, a sua história com um lirismo que tem como alicerce o que denominamos por "sentimento puro". Até mesmo histórias e eventos que nada pareçam relacionar-se com o que julgamos ser o mais nobre dos sentimentos.

Em meio às selvagerias sociais e outros desequilíbrios provocado pelo homem - e não é de hoje - procuramos, por meio da fina sintonia que o pensamento ocidental dá ao significado de amor, algo que nos dê a redenção, e tal redenção se apresenta, muitas vezes, como aquele pote de ouro que dizem que há numa das pontas do arco-íris: na causuística de um destino infinito ou inexistente.

Com ou sem amor, estamos longe do que qualificamos de pureza. A pureza é um estrato inatingível, inexistente principalmente na qualificação mais simples - e não simplória - dos verbos "gostar", "amar", "apaixonar", todos sintagmas verbais que pedem um grau de impureza para que possam funcionar.

Caro leitor - adoto uma metalinguagem pueril, mas honesta -, o começo do texto serviria para a introdução de uma história de amor que é uma das mais belas do cinema, realizada por um dos melhores e mais controversos diretores franceses: Claude Lelouch.

Lelouch não é o queridinho da crítica cinematográfica internacional (eu não sou crítico, sou amante do cinema, portanto dane-se a crítica), e muitos compram a ideia feroz do que um grupo ou um segmento de pessoas diz, acatando como a maior das verdades, como a vertente de que as temáticas dos filmes de Claude Lelouch são estritamente superficiais, fincando-se com primazia nos alicerces que viabilizem, basicamente, o sucesso comercial de seus filmes.

Eu gostaria de poder falar de todos os filmes de Lelouch que até o momento pude assistir (que foram poucos) mas prefiro ater-me, indicar-lhe que assista, por razões lógicas, a um de seus filmes: Um homem, uma mulher.


Um homem, uma mulher - Claude Lelouch

A razão disso é que nesta semana assisti ao filme O segredo dos seus olhos, filme que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Trata-se de uma produção argentina, cujo diretor é um dos maiores expoentes do que se produz de película na região do prata: Juan José Campanella. A cena da estação de trem desse lembra muito a daquele filme.

Campanella e Lelouche, mesmo com um jeito enviesado de compor uma história, ambos, em seus filmes, se estabelecem na premissa do amor, sendo que o filme de Campanella ainda recebe uma aura detetivesca, policial, que em muitas vezes nos faz perder o fôlego, como no espetacular plano-sequência de uma perseguição num estádio de futebol. O papel de Ricardo Darín (como Benjamín Espósito), um dos grandes atores argentinos (e é quem dá o tom do filme) lembra o Sam Spade de Dashiell Hammet, de o Falcão Maltês, mas mais burocrático, apaixonado e saudosista. A diferença maior é que Espósito é um mero contabilista, que em todo o filme tenta recontar a sua história, por meio de memórias e de de um romance que há muito tenta concluir. Como se tudo isso pudesse resgatar o tempo que passou e o amor contido por sua chefe, a belíssima Irene (Soledad Villamil), pudesse então ser resolvidos (ou dissolvidos).

Com fino humor, o filme se desenvolve através de flashbacks para contar a história de amor de Espósito por Irene; e o filme não se perde, o que faz com que o espectador fique atento ao desenrolar do que é contado, e nada é óbvio, evidente, e devido à sua objetividade não tarda a atingir o espectador em cheio. Enfim, é um filme que não causa bocejos.

Este era pra ser apenas um "relembramento", e acho que estendeu-se até demais. Mas Lelouche e Campanella precisam ser vistos, porque o amor ali é tão comum, tão cotidiano, que nem parece obra de ficção, parecem histórias que, de alguma maneira, vivemos e testemunhamos com os olhos longe da tela, e sem as mesmices e clichês tão normais dos filmes que querem falar de amor, de paixão. Nos filmes, há muito mais do que um sentimento, mas um misto de alegrias e frustrações, nos quais nos identificamos em meio a risos e perplexidades de histórias que falam de corações apaixonados. E paixão pode até parecer demodé, mas nunca sai de moda.



O segredo dos seus olhos - Juan José Campanella

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